diário Político 196
O estranho caso do comboio fantasma
Há um par largo de anos as misteriosas criaturas que se escondem debaixo da sigla “Eixo do Atlântico” que, em Portugal comportavam um par de presidentes de Câmara, a comissão de coordenação da região norte e mais uma dúzia de luminárias do mesmo gabarito exigiram (e tiveram o apoio) do Governo Sócrates que a ligação ferroviária Porto Vigo se transformasse num TGV moderníssimo. O argumento (infindavelmente repetido) era de esta região era um alfobre de riqueza, de talentos e de viajantes pelo que fazer os 150 quilómetros Porto Vigo devia ser obra de pouco mais de meia hora. E, obviamente, garantiam a rentabilidade de tl despilfarro de dinheiro.
Convém (re)lembrar para os que sempre se esquecem que a linha que serve este comboio é antiga as mais das vezes nem é dupla e que essa viagem demorava um ror de horas. Em Espanha, a coisa era de tal modo grotesca que nem havia revisor. Não valia a pena: o comboio, nos dias bons, conseguia transportar 11 (onze) passageiros o que nem dá para uma equipa de futebol que sempre terá um ou dois suplentes.
Por cá, os tempos eram de dinheiro fácil pedido ali na esquina e um tgv vinha mesmo a calhar.
Relembremos ainda que entre o Porto e Vigo há uma belíssima autoestrada cujo movimento a partir de Famalicão é fraco e a partir de Braga é nulo. Do outro lado a coisa repete-se pois os espanhóis fogem para a autovia Tui Vigo muito mais barata (e perigosa, mas isso é com eles que têm a mania de ser toureiros).
Todavia, o peso dos senhores autarcas e comissários, cá e lá, foi suficiente para que os ministros espanhol e português lá decidissem manter o dito comboio. Em duas horas e um quarto a composição vencia os cento e cinquenta quilómetros e levava no seu bojo 26 (vinte e seis) passageiros. Ou seja uma taxa de ocupação de 12%! Com um pequeno prejuízo de milhão e meio de euros confessados e dois milhões e tal bem medidos depois de se fazerem (boas) contas.
Agora, uma sumidade galega, o senhor Xoán Mao (de parceria com outra rotunda inteligência desta feita lusitana, o senhor José Maria Costa, presidente da Câmara de Viana e ex- presidente do famigerado Eixo) quer mais. Novas automotoras, melhores e mais confortáveis, mais viagens diárias, mais paragens (pelo menos Viana e Braga) com o argumento de que assim haveria mais passageiros.
Diz mais, o senhor Mao: que o comboio serve uma região de oito milhões de habitantes (!) e que num futuro próximo a viagem poderia ser feita em hora e meia num Alfa Pendular ou no seu congénere espanhol.
E, ainda melhor: que também no mesmíssimo futuro radioso poderia fazer-se um percurso Corunha Faro!
É evidente que o delírio nunca morre e que s braatas espanholas têm sobre as nossas o sobre-dimensionamento quixotesco de quem vê pontes a construir sobre o Atlântico unindo Vigo e Nova Iorque.
Cá, a miopias vianense (e bracarense?) ainda se não deu conta do deserto que é a A-5 (Porto)-Braga-Valença, uma inutilidade ruinosa que concorre com outras iguais (a A-17, por exemplo). E insistem na imensa possibilidade de angariarem mais passageiros (4, 10, 20?) nas paragens intermédias, esquecendo que isso alongará ainda mais os tempos de viagem. Porém, a macro-visão do colega galego ultrapassa tudo inclusive quando fala dos oito milhões de criaturas bafejados pelo comboio. Oito milhões é toda a gente contida no Norte português e na Galiza. Na margem do comboio ha milhão e meio e já é falar com muito optimismo.
Por favor mandem uma troika especial para a fronteira de Valença e a tempo inteiro. A menos que, voltando ao significado antigo e verdadeiro do termo, se ponham os mais exaltados elementos deste contubérnio luso galego atrelados ao veículo que em tempos terá servido o senhor Miguel Strogoff na sua perigosa missão de correio do czar.
d'Oliveira fecit 20.5.14