Diário Político 197
Calma, Manuel, não me parece ser hora para foguetes
Manuel Alegre, um amigo, um velho companheiro, um socialista que não merece ser comparado com a água chilra que hoje dirige o seu partido, está ufano por o PS nacional ter o melhor resultado da Europa. Julgo que, mesmo nisso, se engana porquanto na Roménia, ao que sei o Centro-Esquerda abona-se com 45% dos votos. Claro que se trata de uma coligação mas mesmo assim...E de mais um par de países onde as coisas não correram de feição.
E na Itália, o governo onde participa maioritariamente o PD ganhou as eleições sem apelo nem agravo com uma percentagem de mais de 40%. Homero, por vezes, dormita...
E, lembraria, a esse meu generoso Amigo, que pouca festa há quando, aqui mesmo ao lado, o PSOE perde dez deputados e um pouco mais além, o PSF se esboroa tragicamente.
Em segundo lugar, conviria ter claro que, ao que tudo indica, não serão os socialistas a obter a maioria no Parlamento europeu. Morrem na praia e, se isso acontece, a culpa é muito dos franceses (terceira e péssima posição) e dos gregos (quarta posição depois da extrema direita).
Em terceiro lugar, só por muito boa vontade é que se poderá considerar o PCP um partido claramente europeísta. Ou, pelo menos, se o europeísmo significa ser a favor do euro. A questão tem importância na medida em que, depois de nos metermos nessa camisa de onze varas (e não fiz parte dessa clientela...) a coisa mais difícil que afrontamos é o dilema de continuar (sempre ou quase) na mó de baixo ou de sair com custos que ninguém, prudentemente, se atreve a calcular.
Ficaremos pior, disso não tenho dúvidas mas continuar com uma moeda forte não augura grandes satisfações.
Em quarto lugar, as proclamadas mutualização e política de desemprego apoiada por fundos europeus estão mais adiadas. Vale a pena salientar que boa parte da retórica de Seguro se baseava nessas suas hipóteses miraculosas.
Em quinto lugar, a abstenção continua a aumentar. E disso haveria que tirar consequências e perceber que tradicionalmente o centro direita é a sua maior vítima. Quanto mais moles os partidos, menos voto militante existe. E a surpresa –se surpresa houver- será menor se, como se espera, houver uma subida na votação dos partidos mais radicais e de esquerda, dado que não se conhece extrema direita organizada e candidata.
Diria, mesmo, que o PCP cuja posição melhora é um dos favorecidos visto não ter de se defrontar com fuga de votantes. Será interessante confrontar o total de votantes desta eleição com idênticos totais das últimas eleições. Não tenho quaisquer dúvidas que o PC perdeu votos em relação aos seus anteriores resultados nas legislativas.
Mas há mais e pior, neste retrato do PCP: passou estas semanas a martelar numa espécie de repetição dos piores anos do estalinismo: ao insistir na condenação do PS, relembra a famosa e trágica “Klasse gegen Klasse” com que o partido comunista alemão se alimentava. O resultado foi o que se viu (Hitler no poder e, pior ainda o infame “pacto Ribentropp Molotov” que permitiu o avanço nazi na Polónia e depois em França e mais tarde o desastre da invasão de uma URSS confiante e colaboracionista.
Em pior lugar está o BE que como se previa (só eles é que não) desce violentamente e começa a desintegrar-se como se viu com os militantes que vão saindo, com a incapacidade notória de se articular com outros esquerdistas ou de polarizar o descontentamento.
Em boa verdade, onde pára essa imensa multidão que nestes três anos se manifestou país fora?
Nos pequenos partidos ditos da esquerda radical? Também, mas sobretudo nos novos agrupamentos ad-hoc que capitalizam mais de 200.000 votos.
Ou seja: um pouco mais do que as perdas do BE de que muito provavelmente aproveitou o PCP.
No que toca a este último a famosa grande vitória fica-se modestamente em 37 mil votos. É uma vitória? É, mas claramente à custa do BE ou seja, na zona onde ambos recrutam. Em boa verdade, se eu tivesse de escolher entre os dois não perderia o meu tempo com o bloco. Nasceu torto, continuou ambíguo e agora o que era um albergue espanhol começa a parecer-se perigosamente com um saco de gatos. Ironicamente, em Lisboa o pequeno e improvisado LIVRE teve mais votos que o BE. Isto diz muito, senão quase tudo, da “catástrofe iminente” para a qual, ao ouvir a arrebatada drª Catarina Martins, não vejo “meios de a conjurar. (Recomendaria à senhora algum prudente silêncio e outro tanto de leitura de Lenin).
Restam os dois grandes blocos ditos do arco de governo. A queda dos partidos governamentais é severa: evaporou-se meio milhão de votos. Para onde, só Deus sabe. Muito provavelmente será o Marinho e Pinto o feliz (e espero que esporádico) herdeiro dessas muitas dezenas de milhares de eleitores desaparecidos.
O PS terá abichado um quinto desses eleitores flutuantes (86 mil votos).
Convenhamos que se era isto o que Seguro pretendia, a coisa não vai longe. A vitória existe mas em tom menor. Ou, até, em pequeno drama depois da proclamação entusiástica de Assis e da barulheira eleitoral. Digo isto mas poderia dizer também e, se calhar com mais acerto, que o discurso de Assis apenas pretendia evitar que o lume brando em que está a panela socialista não passasse para fervura alta. Começo a suspeitar que Seguro tem muito trabalho pela frente, mais do que até aqui: Soares, como se sabe, despreza-o, os socráticos querem, sempre quiseram, fazer-lhe a cama, Costa espreita lá do alto da CML e a turbamulta acha-o fraco, pífio e, a la longue, perdedor. Eu também. O homem tem (escasso) estofo de líder entre duas guerras mas não o vejo a conquistar nada e muito menos como timoneiro desta nau que mete água por vários lados.
E a Europa, nisto tudo? Pois a Europa está mal e não se recomenda. Não que me preocupe dramaticamente a extrema direita que finalmente se vê às claras e que vai ter de se expor. Sempre defendi que o cordão sanitário à volta desta seita poderia ter efeitos perversos e que há que dar-lhe corda sobretudo se for para se enforcar. Não quero com isto adoptar a postura do “quanto pior melhor”, bem pelo contrário. Deixo esse piedoso voto a uma certa extrema esquerda que também tem vivido à margem e que, perante a realidade quotidiana do parlamento europeu vai ter pensar duas vezes, se é que tal esforço é possível.
A famosa fuga europeísta para a frente teria de ter consequências. Promessas não cumpridas, incapacidade para acordos viáveis, uma moeda demasiado forte e perigosa, políticas económicas desajustadas, indiferença perante a desindustrialização, aumento do desemprego, não poderiam suscitar nos cidadãos anónimos mais do que irritação ou indiferença. E é esta, sobretudo, que espreita. Já que não nos sentimos plenamente representados, assobiamos para o lado. Os europeus ainda não são cidadãos de pleno direito nesta amálgama de “soberanias limitadas”. E uso este termo, vindo de uma longínqua e desastrada teoria de Brejnev porque o status-quo actual imita o do “bloco socialista” nos vinte anos finais do sistema “socialista” comandado pela URSS que, aliás, pereceu às mãos da economia e da dívida externa. E da desmobilização medonha dos militantes mais idealistas. Claro que, nessa longa agonia, também havia o fim da ideologia, a brutal constatação dos desvios da teoria marxista-leninista, o sufoco do policiamento sem limites, as limitações austeras ao consumo, fosse ele qual fosse, a incapacidade ilimitada de ouvir a sociedade a falsidade de boa parte dos seus postulados com a consequente gulaguização de crescentes minorias.
É nesse exemplo que conviria atentar, para evitar consequências semelhantes à derrocada que se observou.
Falaram disto os “nossos” candidatos? Não consta. Falarão, agora que se apanharam no confortável hemiciclo europeu? Convinha.
Regressando à pátria ama(rgura)da: Já afirmei que as eleições europeias não podem nem devem ser mais valorizadas do que são. Como teste ao Governo e pré-legislativas não servem senão de pequeno indicador. E ainda bem, porquanto o que daqui saiu foi uma salada russa. Se o país parece pouco governável tal como está, a fotografia que ontem foi tirada é ainda pior.
No mesmo momento , ou quase, uma mega sondagem trazia uma fotografia ainda mais cruel das actuais expectativas dos cidadãos. De facto entre o PS e o PSD haveria uma margem de 0,4% de intenções de voto, o PC não chegaria aos 12% e o resto era mera paisagem. Ingovernabilidade total. As sondagens são o que são (uma das vítimas favoritas costuma ser o CDS, saiba-se lá porquê, que tem sempre resultados muito superiores aos encontrados), mas convém, estar atento. Sem elas as previsões seriam ainda mais arriscadas.
Enfim, estas eleições, pelo menos na sua versão doméstica e lusitana, reduziram-se a Much ado about nothing, para parafrasear Shakespeare.
E é pena!
NB: acima afirmei que todos os partidos (BE exceptuado) tiveram menos eleitores do que nas legislativas e nas locais. Convém lembrar que as percentagens de abstenção são profundamente diferentes. E de todo o modo os resultados reais são aferidos de outra forma
d'Oliveira fecit 26.05.2014