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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Diário Político 197

mcr, 27.05.14

 

 

 

Calma, Manuel, não me parece ser hora para foguetes

 

Manuel Alegre, um amigo, um velho companheiro, um socialista que não merece ser comparado com a água chilra que hoje dirige o seu partido, está ufano por o PS nacional ter o melhor resultado da Europa. Julgo que, mesmo nisso, se engana porquanto na Roménia, ao que sei o Centro-Esquerda abona-se com 45% dos votos.  Claro que se trata de uma coligação mas mesmo assim...E de mais um par de países onde as coisas não correram de feição.

E na Itália, o governo onde participa maioritariamente o PD ganhou as eleições sem apelo nem agravo com uma percentagem de mais de 40%.  Homero, por vezes, dormita...

E, lembraria, a esse meu generoso Amigo, que pouca festa há quando, aqui mesmo ao lado, o PSOE perde dez deputados e um pouco mais além, o PSF se esboroa tragicamente.  

Em segundo lugar, conviria ter claro que, ao que tudo indica, não serão os socialistas a obter a maioria no Parlamento europeu. Morrem na praia e, se isso acontece, a culpa é muito dos franceses (terceira e péssima posição) e dos gregos (quarta posição depois da extrema direita).

Em terceiro lugar, só por muito boa vontade é que se poderá considerar o PCP um partido claramente europeísta.  Ou, pelo menos, se o europeísmo significa ser a favor do euro. A questão tem importância na medida em que, depois de nos metermos nessa camisa de onze varas (e não fiz parte dessa clientela...) a coisa mais difícil que afrontamos é o dilema de continuar (sempre ou quase) na mó de baixo ou de sair com custos que ninguém, prudentemente, se atreve a calcular.

Ficaremos pior, disso não tenho dúvidas mas continuar com uma moeda forte não augura grandes satisfações.

Em quarto lugar, as proclamadas mutualização e política de desemprego apoiada por fundos europeus estão mais adiadas. Vale a pena salientar que boa parte da retórica de Seguro se baseava nessas suas hipóteses miraculosas.

Em quinto lugar, a abstenção continua a aumentar. E disso haveria que tirar consequências e perceber que tradicionalmente o centro direita é a sua maior vítima. Quanto mais moles os partidos, menos voto militante existe. E a surpresa –se surpresa houver- será menor se, como se espera, houver uma subida na votação dos partidos mais radicais e de esquerda, dado que não se conhece extrema direita organizada e candidata.

Diria, mesmo, que o PCP cuja posição melhora é um dos favorecidos visto não ter de se defrontar com fuga de votantes. Será interessante confrontar o total de votantes desta eleição com idênticos totais das últimas eleições. Não tenho quaisquer dúvidas que o PC perdeu votos em relação aos seus anteriores resultados nas legislativas.

Mas há mais e pior, neste retrato do PCP: passou estas semanas a martelar numa espécie de repetição dos piores anos do estalinismo: ao insistir na condenação do PS, relembra a famosa e trágica “Klasse gegen Klasse” com que o partido comunista alemão se alimentava. O resultado foi o que se viu (Hitler no poder e, pior ainda o infame “pacto Ribentropp Molotov” que permitiu o avanço nazi na Polónia e depois em França e mais tarde o desastre da invasão de uma URSS confiante e colaboracionista. 

Em pior lugar está o BE que como se previa (só eles é que não) desce violentamente e começa a desintegrar-se como se viu com os militantes que vão saindo, com a incapacidade notória de se articular com outros esquerdistas ou de polarizar o descontentamento.

Em boa verdade, onde pára essa imensa multidão que nestes três anos se manifestou país fora?

Nos pequenos partidos ditos da esquerda radical? Também, mas sobretudo nos novos agrupamentos ad-hoc que capitalizam mais de 200.000 votos.

Ou seja: um pouco mais do que as perdas do BE de que muito provavelmente aproveitou o PCP.

No que toca a este último a famosa grande vitória fica-se modestamente em 37 mil votos. É uma vitória? É, mas claramente à custa do BE ou seja, na zona onde ambos recrutam. Em boa verdade, se eu tivesse de escolher entre os dois não perderia o meu tempo com o bloco. Nasceu torto, continuou ambíguo e agora o que era um albergue espanhol começa a parecer-se perigosamente com um saco de gatos. Ironicamente, em Lisboa o pequeno e improvisado LIVRE teve mais votos que o BE. Isto diz muito, senão quase tudo, da “catástrofe iminente” para a qual, ao ouvir a arrebatada drª Catarina Martins, não vejo “meios de a conjurar. (Recomendaria à senhora algum prudente silêncio e outro tanto de leitura de Lenin).

Restam os dois grandes blocos ditos do arco de governo. A queda dos partidos governamentais é severa: evaporou-se meio milhão de votos. Para onde, só Deus sabe. Muito provavelmente será o Marinho e Pinto o feliz (e espero que esporádico) herdeiro dessas muitas dezenas de milhares de eleitores desaparecidos.

O PS terá abichado um quinto desses eleitores flutuantes (86 mil votos).

Convenhamos que se era isto o que Seguro pretendia, a coisa não vai longe. A vitória existe mas em tom menor. Ou, até, em pequeno drama depois da proclamação entusiástica de Assis  e da barulheira eleitoral. Digo isto mas poderia dizer também e, se calhar com mais acerto, que o discurso de Assis apenas pretendia evitar que o lume brando em que está a panela socialista não passasse para fervura alta. Começo a suspeitar que Seguro tem muito trabalho pela frente, mais do que até aqui: Soares, como se sabe, despreza-o, os socráticos querem, sempre quiseram, fazer-lhe a cama, Costa espreita lá do alto da CML e a turbamulta acha-o fraco, pífio e, a la longue, perdedor. Eu também. O homem tem (escasso) estofo de líder entre duas guerras mas não o vejo a conquistar nada e muito menos como timoneiro desta nau que mete água por vários lados.

E a Europa, nisto tudo? Pois a Europa está mal e não se recomenda. Não que me preocupe dramaticamente a extrema direita que finalmente se vê às claras e que vai ter de se expor. Sempre defendi que o cordão sanitário à volta desta seita poderia ter efeitos perversos e que há que dar-lhe  corda sobretudo se for para se enforcar. Não quero com isto adoptar a postura do “quanto pior melhor”, bem pelo contrário. Deixo esse piedoso voto a uma certa extrema esquerda que também tem vivido à margem e que, perante a realidade quotidiana do parlamento europeu vai ter pensar duas vezes, se é que tal esforço é possível.

A famosa fuga europeísta para a frente teria de ter consequências. Promessas não cumpridas, incapacidade para acordos viáveis, uma moeda demasiado forte e perigosa, políticas económicas desajustadas, indiferença perante a desindustrialização, aumento do desemprego, não poderiam suscitar nos cidadãos anónimos mais do que irritação ou indiferença. E é esta, sobretudo, que espreita. Já que não nos sentimos plenamente representados, assobiamos para o lado. Os europeus ainda não são cidadãos de pleno direito nesta amálgama de “soberanias limitadas”. E uso este termo, vindo de uma longínqua e desastrada teoria de Brejnev porque o status-quo actual imita o do “bloco socialista” nos vinte anos finais do sistema “socialista” comandado pela URSS que, aliás, pereceu às mãos da economia e da dívida  externa. E da desmobilização medonha dos militantes mais idealistas. Claro que, nessa longa agonia, também havia o fim da ideologia, a brutal constatação dos desvios da teoria marxista-leninista, o sufoco do policiamento sem limites, as limitações austeras ao consumo, fosse ele qual fosse, a incapacidade ilimitada de ouvir a sociedade a falsidade de boa parte dos seus postulados com a consequente gulaguização de crescentes minorias.

É nesse exemplo que conviria atentar, para evitar consequências semelhantes à derrocada  que se observou.

Falaram disto os “nossos” candidatos? Não consta. Falarão, agora que se apanharam no confortável hemiciclo europeu? Convinha.

Regressando à pátria  ama(rgura)da: Já afirmei que as eleições europeias não podem nem devem ser mais valorizadas do que são. Como teste ao Governo e pré-legislativas não servem senão de pequeno indicador. E ainda bem, porquanto o que daqui saiu foi uma salada russa. Se o país parece pouco governável tal como está, a fotografia que ontem foi tirada é ainda pior.

No mesmo momento , ou quase, uma mega sondagem trazia uma fotografia ainda mais cruel das actuais expectativas dos cidadãos. De facto entre o PS e o PSD haveria uma margem de 0,4% de intenções de voto, o PC não chegaria aos 12% e o resto era mera paisagem. Ingovernabilidade total. As sondagens são o que são (uma das vítimas favoritas costuma ser o CDS, saiba-se lá porquê, que tem sempre resultados muito superiores aos encontrados), mas convém, estar atento. Sem elas as previsões seriam ainda mais arriscadas.

Enfim, estas eleições, pelo menos na sua versão doméstica e lusitana, reduziram-se a Much ado about nothing, para parafrasear Shakespeare.

E é pena!

NB: acima afirmei que todos os partidos (BE exceptuado) tiveram menos eleitores do que nas legislativas e nas locais. Convém lembrar que as percentagens de abstenção são profundamente diferentes. E de todo o modo os resultados reais são aferidos de outra forma 

 

d'Oliveira fecit 26.05.2014