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Incursões

Instância de Retemperação.

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diário político 209

d'oliveira, 29.09.18

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O Infarmed, uma comédia de enredos sem grande substância

d’oliveira fecit (27.Set.2018)

 

Este folhetim deveria chamar-se “Portugal no seu melhor” mas, mesmo que seja verdade, custa meter o nome do desgraçado país num caso que tem muito de farsa e pouco de graça.

Vejamos por partes.

Quando a Grã Bretanha entendeu sair da  U.E., começou a pensar-se para onde iriam as agências europeias lá sediadas. De entre elas, assumia especial relevância a do “Medicamento”. Muitos funcionários, muitos visitantes, muito dinheiro.

O Governo de Portugal, apesar de já cá ter duas agências, entendeu que poderia abichar alguma coisinha e candidatou Lisboa. De imediato, começou a chinfrineira do costume: que era tudo para a capital (o que é verdade...) que assim nunca mais se regionalizava (opção aliás já chumbada há uns anos), enfim o habitual.

O Governo, rapidamente fez uma pirueta e propôs o Porto.

O Norte profundo, melhor dizendo o norte litoral, melhor ainda o Porto, ronronou de felicidade. Nem pensou nas dificuldades previsíveis, na sua situação relativamente periférica, na falta clara e gritante de infra-estruturas disponíveis ou de outras comezinhas condições tais como estabelecimentos de ensino em número e qualidade (em língua inglesa, preferentemente), hotéis com capacidade para absorver os milhares de interlocutores da nova agência.

Até o prudente dr. Rui Moreira (que tem experiência de vida no estrangeiro) embandeirou em arco (ou fingiu...)

Como era previsível a candidatura morreu na praia. Amesterdão ganhou limpamente. Eu que lá demorei uns gloriosos três meses, em nada me espantei. A cidade é agradabilíssima, está no centro da Europa, perto de tudo e só perde para o Porto em horas de sol e calor. No resto, desde museus a escolas, parques a hotelaria, ou acessibilidade, ganha em todos os tabuleiros.

O Governo vestiu-se de rigoroso luto e, sem que nada o solicitasse sequer  sugerisse, lembrou-se de transferir para o Porto o Infarmed!

Logo nessa altura me perguntei como, porquê e quando. Em primeiro lugar as centenas de trabalhadores (de que uma forte percentagem é altamente qualificada) teriam de mudar de residência o que, com família, significava um esforço quase impensável. As escolas das crianças, os familiares na cidade, os amigos, a casa comprada (e eventualmente ainda não totalmente paga), as comodidades, os hábitos, enfim a vida, mudariam de alto a baixo. Para muitos –os mais qualificados – abria-se a possibilidade de sair para outros empregos disponíveis nos campos da saúde e farmacêutico. E isso significaria desguarnecer a instituição das suas mais valias. E um largo par de anos para a recompor.

Tenho a experiência suficiente e vivida de como uma súbita mudança de sede de uma instituição a enfraquece e destrói. Há vinte e tal anos, uma luminária da Cultura, o dr. Santana Lopes entendeu transferir a Delegação Regional do Norte para Vila Real. Pensando nas duas dezenas de funcionários desprotegidos, entendi (mesmo sabendo que me dariam um lugar tão bom ou melhor do que o de Delegado Regional) que teria de tornar claro o meu desacordo, demitindo-me.

A coisa processou-se aos trancos e solavancos, todos os funcionários recusaram Vila Real e foram amontoar-se em várias instituições locais. Três ou quatro técnicos superiores recusaram transferir-se e ficaram anos e anos em casa a receber o ordenado por inteiro. A delegação em Vila Real, mísera e mesquinha, acomodou-se numa cave qualquer e foi fenecendo. Dez aos depois até os Delegados começaram a funcionar no Porto, indo à província escassamente. A coisa está nesse pé: em Vila Real continua a “existir” uma coisa com dois ou três funcionários residentes e tudo o resto se trata no Porto. Com uma diferença: o capital de conhecimentos, relações institucionais, parcerias e confiança foi pelo cano e, com muito vagar, vai-se tentando recuperar. Um desastre cultural, institucional e, sobretudo, caríssimo.

O dr. Santana continuou nas suas tropelias, foi efémero 1º Ministro, caiu redondo ao fim de escassos meses de péssima governação, andou por aí e agora, como de costume, partiu a loiça e parece que fundou “uma coisa em forma de assim” (no estilo “concertos de violinos de Chopin”, por ele imortalizados para não dizer inventados).

Baseado neste minha experiência, nunca acreditei no Infarmed tripeiro. A deslocalização de uma instituição pública, recheada de funcionários públicos estava condenada ao fracasso. Ou melhor: nem sequer se punha a sua hipótese.

Parece que, perante o Parlamento, o Sr. Primeiro Ministro cinco vezes (cinco!) afirmou que o Infarmed estava de malas aviadas para o Porto. Em que se basearia S.ª Ex.ª para tantas e tão repetidas profissões de fé?

A pergunta é legítima porquanto, agora, à crua luz da realidade, o mesmíssimo e excelentíssimo chefe do Governo, veio (pasmem gentes!) dizer que se ele tivesse tendências autocráticas o infa-qualquer coisa já estaria a encher-se de tripas e francesinhas. Seriam as cinco (pelos vistos infrutíferas) anteriores declarações um grito de alma, uma confissão de um impetuoso desejo de governar como o antigo czar de todas as Rússias (aliás imitado, e mesmo ultrapassado, pelos restantes cavalheiros que lhe sucederam na governação daquelas imensas terras). Que terá, entretanto sucedido para agora confessar a sua decaída queda para a autocracia?

O dr. Rui Moreira, presidente da edilidade portuense apareceu nas televisões acusador e definitivo: que “ palavra dada – e nunca solicitada – deveria ser honrada”. Mas que, afinal, “tudo como dantes, quartel general em Abrantes”. Ou, corrigiu ainda o autarca, “tudo em Lisboa”.

Finalmente, os órfãos da “regionalização” apareceram em chusma bramindo que a única solução passaria por de novo fragmentar a pátria dos egrégios avós em regiões. Valeria a pena perguntar como é que num país de escassos dez milhões de criaturas se dividem, estes também escassos 89.000 quilómetros quadrados. Sobretudo quando nas duas grandes áreas metropolitanas, que apenas cobrem 6% do território, se acumula mais de metade dos portugueses

Eu sei que em Espanha, na Alemanha ou na Itália há regiões. Mesmo se com diferente sucesso. Em boa verdade só a Alemanha se pode gabar dos seus Länder. Na Itália, as regiões do Sul estão entregues às camorras, máfias, ndranghetta & similares enquanto no Norte prospera o nacional-populismo de resultados cada vez mais visíveis. Em Espanha inventaram-se tantas autonomias quanto possível para afogar as tendências irredentistas de algumas “nacionalidades” mais ou menos (menos que mais, é bom reconhecer) históricas. Os custos da divisão tem sido financeiramente medonhos e os êxitos escassos. Em França, depois da criação presunçosa de uma miríade de regiões diminui para menos de metade o seu número por se verificar que os gastos eram muitos e os benefícios para a população raros enquanto o velho centralismo napoleónico e republicano não permitia um grande desenvolvimento regional. De todo o modo, houve instituições (académicas, militares, p.ex,)   que abandonaram Paris e se estabeleceram alhures na "província".

Por cá, por exemplo, os três tribunais superiores que os respectivos juízes frequentam apenas para a sessão semanal poderiam há muito estar distribuídos por Coimbra, Évora, Viseu ou Aveiro. No primeiro caso, há, de pé, edifícios históricos, os colégios da Rª da Sofia onde qualquer destas instituições caberia com largueza. E talvez isso impulsionasse a reocupação pública e nobre dos restantes... Por outro lado, criam-se com facilidade exagerada “altas autoridades” para isto e aquilo ou quase nada. Porque deverão sediar-se em Lisboa? Por exemplo essa nóvel comissão para os fogos de floresta. E por aí fora...

Agora, agarrar numa estrutura pesada, consolidada, com centenas de trabalhadores (ainda por cima da função pública ou algo do mesmo teor e dificuldade em movimentar) não lembra ao careca. Lembrou ao dr. Costa que, aliás, ainda tem bastante cabelo. Antes o tivesse perdido estudando com mais cuidado os dossiers e as promessas. Agora cai-lhe tudo em cima.

E é bem feito!

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