diário político 211
Brincar aos orçamentos
d’ Oliveira fecit, dezembro, 5, festa de Stª Bárbara, virgem e mártir
O Parlamento deu mais uma brilhante amostra do que é capaz e aprovou um orçamento que, não sendo bom, tem a vantagem de ser original e de servir de escarmento para qualquer país civilizado.
Não só a proposta do Governo saiu alterada (e de que maneira!) mas também tivemos, ao vivo, e em primeira mão, o indizível espectáculo da negociata política. Que o sr. dr. Costa queira conservar-se no poder à custa da compra devotos não espanta. Já o “chorado” engenheiro Guterres conseguira o prodígio de apresentar o famigerado orçamento do “queijo Limiano”. Estamos pois em pleno domínio da tradição.
Que um partido cada vez mais nas franjas do declínio político e social em perda de votos e de militantes, tenha alinhado neste leilão sempre na defesa dos mais sagrados interesses do povo, dos trabalhadores, da pátria e sei lá que mais também me não espanta. Desde há muito que as coisas são assim envolvidas num vale tudo para ganhar espaço e piscar o olho aos eleitores.
Dir-me-ão que a discussão orçamental comporta sempre dois momentos (generalidade e especialidade). e que é no segundo que se afinam propostas. E a palavra é exactamente essa: afinar.
Todavia, o que na realidade ocorreu foi algo de substancialmente diverso. Ao orçamento inicial (e aos seus custos) vieram juntar-se uma boa centena de novos temas sem que, pelos vistos, tenha havido (nem podia haver perante quase duas mil páginas de propostas de alteração) tempo suficiente para as ponderar e, sobretudo, para avaliar o seu impacto financeiro.
Fique claro que não vou discutir a bondade das propostas. Mesmo que sejam todas excelentes, há que saber se há dinheiro para as activar. Será que alguém se lembrou de deitar contas à gigantesca redução de receitas, ao já claríssimo aumento de despesa em auxílios de diversa ordem e ainda nem chegamos ao fim do ano? Será que alguém tentou sequer fazer um cálculo aproximado dos efeitos da pandemia durante, pelo menos, a primeira metade de 2021 (versão optimista do correr do próximo ano)?
Ontem, os jornais e a televisão traziam mais uma novidade: havia reservado para a TAP um teto de 500 milhões. Pois bem, agora, por artes mágicas, isto por uma canelada da realidade sempre desagradável, verifica-se que, afinal, são precisos mais outros tantos milhões.
A serem minimamente verdadeiras as queixas do sector turístico, restauração incluía, o pior está para vir nos próximos três meses. As falências aumentarão exponencialmente, o desemprego ameaça umas dezenas de milhares de pessoas ( o sector avança cem mil). 2021 corre o sério risco de ser o ano de todas as contas por pagar.
No quadro europeu, as coisas não estão famosas. A bazuca está para demorar, a menos que alguém tenha uma solução para ultrapassar a crise polaco-húngara. Mas há mais: a França ameaça vetar um vago projecto de acordo post-Brexit. Aliás, neste capitulo, as partes separaram-se há dois dias concluindo que não estão reunidas condições mínimas para continuar as conversações de modo a que cheguem a bom porto. Ahora, diz-se, tudo depende de um encontro Von der Leyen-Johnson. Se tenho alguma esperança na primeira, não aposto sequer uma moeda falsa de cinco cêntimos no segundo
Isto, estas duas eventuais más notícias, sentir-se-ão sobretudo nos países mais desprotegidos e, suponho, que ninguém tem dúvidas que Portugal é um dos mais visados, tanto mais que a maior fonte de rendimentos (o turismo) funcionará sequer a meio gás no próximo ano.
Boa parte dos comentários à discussão na especialidade, centrou-se no pagamento de cerca de quatro centenas de milhões ao Novo Banco. O PS rasgou as vestes perante esta horrenda coligação negativa. E disparou sobre o PSD sem cuidar de se lembrar que a proposta vinha do Bloco. Porém, nisto tudo há, de novo, duas particularidades picantes: à uma ninguém conhece o famoso contrato que tem condicionado os pagamentos ao BE. E já lá vão três mil milhões de euros que o BE votou alegremente...
Depois, a ideia de atirar para o Tribunal de contas uma auditoria desta dimensão é uma aventura de alto, altíssimo risco pela mesquinha razão de o TC não ter qualquer experiência neste campo. Não haveria, por aí, mesmo excluindo a Deloite, uma instituição capacitada com provas dadas e rapidez de procedimentos?
É claro que a verba irá ser paga mesmo sem auditoria como também já todas as fontes adiantaram e os jornais propagandearam. No entanto, não deixa de ser jurídica e politicamente interessante o acrescento de uma condição à velha regra “pacta sunt servanda” que numa tradução rápida diz que os contratos devem ser cumpridos, tanto mais que foram feitos conhecendo perfeitamente as situações.
E em boa verdade, que importância tem isso? Não vão ser os deputados subitamente indignados e alertados quem vai pagar.
Somos nós todos!
* A menção à Santa padroeira dos artilheiros deve-se ao facto de também ser a padroeira dos fogueteiros que andaram por aí a atroar os ares e a terra com os dinheirinhos a vir de Bruxelas. Não vou falar em esperar por sapatos de defunto mas alguma prudência teria tido cabimento . E talvez os cruzados do orçamento a rebentar pelas costuras tivessem sido menos generosos com dinheiros que (ainda) não tem.