Diário político 215
De tudo um pouco
Comecemos pelas eleições francesas bis. A segunda volta tira teimas entre os mais votados. Macron e aquela incipiente frente heterogénea que ameaça tornar-se partido voltaram a ganhar. Era esperado. Ganharam, porém, ligeiramente menos do que se previa após a primeira volta. Os Republicanos (LR) aguentaram o embate mesmo se registam um dos piores resultados de sempre: 113 deputados. A FN conseguiu meter oito deputados, o PCF mantém a sua fraca representação (10), Mélenchon consegue 17. O PS elege 29 e com aliados consegue 44. Uma hecatombe!
Os vencedores são, no entanto, vários. A FN entra no Parlamento, o Modem, outra bizarria oscilante dirigida por Bayrou aliado de Macron averba 42 mandatos, mesmo se pela história pregressa valha muito menos. A República em marcha junta 308, o que já lhe dá a maioria de que precisa.
Não vale a pena ir buscar os resultados da 1ª volta das presidenciais para artificialmente arguir de uma derrota de Mélenchon ou de Le Pen. Os resultados nacionais só valem para eleições nacionais e num sistema proporcional. Com quase 600 círculos uninominais e duas voltas a coisa sai bastante diferente. Sendo certo que os deputados franceses representam, prima facie, os seus eleitores não me parece que alguém se possa queixar. Os eleitores querem quem por eles fale, quem os defenda quem os represente. Os interesses dum eleitor de Bordéus não são de certeza os mesmos dum eleitor duma perdida circunscrição da Saboia. De resto ainda há uma Segunda Câmara, cujo corpo eleitoral, os grandes eleitores, escolhe os senadores dentro de um rigoroso sistema proporcional (Faço parte dos que em Portugal defendem não o só bicameralismo mas também o sistema uninominal para a 1ª câmara deixando para a 2ª a eleição proporcional, corrigindo-se assim as anomalias da 1ª).
A gritaria que se desatou contra a vitória folgada de Macron, a ideia de que isso prejudicava a democracia, apenas significava por parte dos grandes tenores derrotados (por todos Cambadelis, 1º Secretário do PS) um profundo desprezo pela vontade dos eleitores.
Por outro lado, agora, como na 1ª volta, toda a gente aponta para a abstenção (gigantesca e em aumento) como algo que deslegitima os eleitos. A abstenção não tira legitimidade a ninguém eleito e muito menos torna a massa dos que não votam numa força seja ela qual for. Pode sempre dizer-se que quem não quis votar está de acordo com os resultados apurados. Se alguém não gosta do que vê tem sempre a possibilidade de um voto de protesto (e em França desde a FN à França Insubmissa, para não falar em pequenos grupos que não obtiveram mandatos há candidatos para quase tudo).
Conviria, agora, referir, algumas anomalias condenáveis. Comecemos pela a agressão à derrotada deputada Nathalie Kosciusko-Morizer /LR) que é uma das principais vozes da Direita e foi até candidata à Câmara de Paris. O agressor, um certo Vincent Debraize, é maire de uma pequenina povoação normanda e patrocinou a candidatura de um certo Henry Guaino de quem se falará de seguida.
Este anormal entendeu ser sua missão agredir NKM que tinha batido Guaino na circunscrição parisiense em que ambos se apresentavam. NKM era a candidata oficial do LR e Guaino um vago e abstruso dissidente que obteve um resultado ridículo para quem há um par de anos se candidatara à presidência da UMP (antecessora de LR).
NKM distribuía panfletos na place Maubert e, à vista de todos, foi agredida, caiu ao chão desmaiada e teve de ser socorrida no hospital. O corajoso agressor fugiu do local mas a vídeo vigilância e vários telemóveis identificaram-no sem dificuldade. Ao saber-se descoberto, recorreu à esperteza de se apresentar no comissariado. Cobarde, palerma e agressor.
O senhor Le Guaino é um velho conhecido na Direita francesa e foi deputado uma única vez. Depois armou tais reboliços e confusões variados (incluindo ataques a um magistrado de que decorreu uma condenação posteriormente anulada com o fundamento de que ele não referia claramente o juiz difamado) que terminaram num ataque a Fillon. Não contente com esta agitada carreira, tentou candidatar-se à Presidência da República mas não obteve sequer 10% dos (500) apoios necessários para o efeito. Recusou dar indicações de voto e não obteve o patrocínio do seu partido quer na circunscrição que antes representara quer em Paris onde entendeu desafiar NKM. Como já vinha sendo habitual obteve escassos votos.
Tal resultado levou-o a qualificar os eleitores desse círculo parisiense como gente que (lhe) provocava vómitos, o que mostra a elegância da criatura e a imbecilidade manifesta de pedir votos a quem finalmente ele mostra tanto desprezo. Em França quando a um indivíduo lhe dá para a canalhice supera qualquer concorrente no resto do mundo. Parece que depois se gabou de uma proposta de Marine Le Pen mas tudo indica que nem isso ocorreu. Terá também afirmado que não conhecia o agressor de NKM embora este o tivesse apoiado!...
Este o quadro geral. Que irá acontecer? Tendo em conta os outros candidatos à Presidência, o descalabro dos partidos tradicionais, a recorrente tentação xenófoba e populista que se arrisca a tornar-se transversal nos agrupamentos políticos franceses, seja qual for a cor com que se apresentam, atrevo-me a pensar que o choque Macron e essa estranha coisa que se chama “A República em marcha”, poderão ser úteis ao país, à Europa, e - o que é diferente – aos cidadãos europeus entre os quais estamos nós, portugueses.