diário político 224
A moção e os seus adversários
(d'Oliveira fecit 18.10.17)
Na directa sequência dos incêndios do fim de semana, o CDS entendeu propor uma moção de censura ao Governo.
Como disse o Sr. Primeiro Ministro, trata-se de algo normal e constitucional. Não podia dizer outra coisa. como é evidente. Todavia, o Sr. Carlos César, que exerce –parece – de presidente do PS veio a terreiro com a sua notória inabilidade oratória e política (e, pelos vistos, um escasso conhecimento da Constituição e das normais práticas políticas) afirmar que esta moção é, meço as minhas palavras, um “despropósito” e não passa de uma mesquinha tentativa de fazer baixa política.
No mesmo surpreendente sentido, o senhor comentador Rui Tavares (última página do “Público” hoje, 18 de Outubro) fala de “inqualificável sentido da moção” por lhe parecer a ele Tavares, e provavelmente a uns poucos mais, que a moção só tem o fito de derrubar a Ministra. Tavares, se fosse menos ingénuo, mais cauteloso, mais sabedor dos meandros da política, poderia ter aguardado um dia. Verificaria, assim, que a Ministra “já era”. que o Presidente da República anunciara a mesma coisa, ou seja a demissão dela (voluntária ou forçada. Claro que foi forçada, forçadíssima, à ultima da hora quando já só tinha a cabecinha pensadora fora de água).
Tavares não percebeu (ou percebeu mas esconde a mão) que a moção do CDS só por mero acaso, oportuno acaso, visava a Ministra. Sei que isso, provavelmente, é muita areia para a camionete de Tavares, fundador de um ajuntamento chamado “Livre” sem expressão eleitoral sequer nas cidades e muito menos no país.
Tavares, dissidente notório do BE (mesmo se apenas fosse deputado europeu independente nas listas deste) tem andado por aí a pregar a unidade das esquerdas. Obviamente, não foi por ele que essa (entre nós insólita) unidade se afirmou. De facto, quem quiser lembrar-se sabe que a coisa começou quando, depois de Costa ter lacrimejado pela sua derrota, Jerónimo, num passe de mestre acenou-lhe com o poder apoiando-o quando dois dias antes o atacava com tudo o que podia.
Costa aceitou, Passos Coelho amuou, o BE alinhou e eis que estamos em plena “geringonça” como Portas, rapidamente retirado para outras mais proveitosas batalhas, baptizou.
Não vou agora fazer o processo desta unidade para a qual Tavares não foi convidado (e porque é que o seria?) mesmo se ele tente, a todo o custo, apanhar o comboio.
Tavares ainda não percebeu (ou se percebeu finge que não) que o CDS apenas quer mostrar à evidência que o PS está refém da votação do PC e do BE. Se, porventura, se abstivessem ou a votassem, o PS caía. Redondo! Catrapus!
Há dias, isto não prejudicaria o PS. As sondagens, pouco fiáveis, como. por experiência sabemos, davam-lhe uma claríssima vitória senão a maioria absoluta. E por mais que Costa jurasse que nem assim abandonaria as suas duas (entretanto inúteis) muletas, é evidente que ficaria com total liberdade para governar como habitualmente o PS governa e que sempre suscitou ásperas críticas do PC (e do BE, mesmo se com estas possa o PS muito bem).
Todavia, tudo mudou nestes tempos de luto e de cólera. À uma Costa não percebeu que o país espera um sentido, choroso, pedido de desculpas. E que não tendo sido feito, as coisas, bem exploradas, mudam muitas vontades. Depois, a derrota do PC, as dez Câmaras “roubadas” indignam e mobilizam (ainda mais) o PC e os sectores a quem a política vagamente conciliatória de Jerónimo irrita ou enfurece.
O país descobriu que nada ou pouco se fez contra as catástrofes. que a insensibilidade de uma Ministra, de um Secretário de Estado não tiveram, por parte de Costa, qualquer censura. que este, numa crucial conferencia de imprensa, chutou para canto todas as perguntas incómodas e não se preocupou em parecer triste ou responsável. Ele que anda nestes governos desde sempre, que já esteve na Administração Interna (sob a agora negregada batuta de José Sócrates) está, neste momento, numa posição incómoda sobretudo porque Marcello Rebelo de sousa lhe retirou o guarda chuva de cima.
Nada disto prenuncia uma vitória do centro-direita tanto mais que o PPD entrou em convulsão. Mas, como dizem os nossos vizinhos mesmo sem se acreditar em bruxas “que las hay, las hay!” Ou seja uma moção de censura incomoda e muito. Mesmo perdedora, como tudo indica. Ficará evidente, para muitos, senão para todos os que abandonaram o voto PPD pelo PS (ou até, e isso não foi tão bizarro como alguém pensou) pelo BE.
Poderão estar agravados com os anos duros. Poderão estar agradados com este orçamento bodo à esquerda mas cujos efeitos poderão ser contestados se subirem o preço do petróleo ou dos juros da dívida, se mudar a política do Banco Europeu, se a situação espanhola se reflectir nas nossas exportações para lá, se o novo ministro das finanças alemão vier, como tudo indica, do partido liberal (já aqui afirmei que iríamos ter saudades de Schauble), etc., etc.
Todavia, e os resultados das autárquicas, valendo o que valem, mostram que nem o PC nem o BE (um mais severamente derrotado que o outro, também perdedor) ganharam com a geringonça. Se o PS der sinais de erosão depois da tragédia do fim de semana e da leitura diferida dos relatórios sobre os fogos, para já não falar do ultimato do Presidente da República, então o CDS, mesmo perdendo a moção marca pontos e não poucos junto da opinião pública. E o PPD pelo menos não perde nada.
Esta é a razão do mau humor de César. O homem não será um luminar mas também já aprendeu qualquer coisa. Tavares pode não ser um estrela política (não o é de todo em todo) mas como rapazinho aplicado também não lhe escapou este efeito da moção “inqualificável”.
A política, como tudo o resto debaixo da roda do sol, tem sempre dois tempos. No caso em apreço, não é esta, para o PS, a boa altura de estar a desvendar qual deles prevalece.
Conceição Cristas tem tudo a favor dela. Arriscou, ganhou e o partido do táxi já se sente o partido dos comboios especiais. E age como tal. E, em política, por vezes, o que parece é. Goste-se ou não.
Isto ainda vai ser divertido.