Diário político 225
o incendiário palavroso
d'Oliveira fecit 30 Out 17
Domingo, noticiário das oito. Subitamente o ecrã aparece ocupado por uma criatura exaltada, crispada, tonitruante, ameaçadora. Primeiro poder-se-á pensar que se trata de um porta voz do Daesh, de um radical catalão, de um adepto furioso do Brexit. Depois, as coisas tornam-se mais simples: a criatura falava português, um português primário mas português, apesar de tudo. E ameaçava.
Vai-se a ver trata-se de um homenzinho presidente eterno da Liga dos bombeiros que, num dia extremamente perigoso, se reunira numa espécie de congresso a que o Primeiro Ministro teve de assistir.
De seu nome Jaime Marta Soares, consta do seu currículo que foi sete vezes deputado, varias vezes presidente da mesma câmara e candidato infeliz à de Coimbra, há poucos meses. Terá passado pela Faculdade de Direito mas não concluiu o curso que na altura, anos 60, tinha as suas pequenas dificuldades. todavia é, ou foi, bombeiro e preside à Liga.
Já há uns meses, tinha anunciado com espalhafato que sabia umas coisas do incêndio de Pedrógão. Pelos vistos tal declaraçãoo morreu solteira e na praia perante as insistências do Ministério Público. Na altura, alguém me disse que a criatura tinha muito destas atitudes: entradas de leão e saídas de sendeiro. Porém, as televisões adoram-no. O abencerragem é um sanguíneo, um espalha brasas (o que é mau num bombeiro mesmo sem actividade na linha da frente) e tem topete coisa que fará muito efeito nas sociedades recreativas por onde passeia a jactância e o bigode e barba farfalhudos.
Ontem, perante um Costa surpreendido mas calmo, o “revolucionário” Soares ameaçava com “os bombeiros na rua”! Ai querem afrontar-nos? Pois vão ver em que se metem!
Cheguei a temer que, muito cgtpinamente prometesse uma greve tremenda: o país a arder e os soldados da paz a assobiar para o lado. Parece que nem tanto. Os bombeiros ofendidos e unidos ocuparão ruas e praças do país em boa e civilizada gritaria contra Costa, contra a profissionalização, conta a futura Alta Autoridade, contra a unidade de missão, contra sei lá que mais coisas. Pelos vistos, sentem-se injustiçados. E vítimas! Às tantas foram eles que morreram às dezenas por esses pinhais fora onde ninguém os via. Também quem os não viu não volta a vê-los: debaixo de sete palmos de terra os falecidos não atinam com os vivos que passam perto. Nem com o tal Jaime Soares.
Para minha surpresa, Costa, desta feita, respondeu com prudência, contenção, civilizadamente, à berrata que, dizem-me, foi coroada de aplausos.
Não duvido que numa casa onde não há pão todos gritem e ninguém tenha razão. No momento actual, com meio país ardido, é fácil encontrar culpados e, mais ainda, encontrar desculpas. Agora, que se tem de rapidamente arranjar soluções (reconstrução, pastos para o gado sobrevivente, alfaias agrícolas, destino a dar ao material ardido, solução urgentíssima para as colmeias que restas cujas abelhas correm o risco de morrer à fome na terra queimada e devastada, etc) conviria que o cavalheiro Soares adoptasse uma pose menos comicieira, menos ameaçadora, menos de ferrabrás de feira e, mesmo se, provavelmente, ambos não tenhamos Costa em alta estima, tratar com respeito um primeiro ministro que até foi ao congresso. A um congresso que se realizou quando o país corria riscos elevadíssimos de novos fogos! Ou, por outras palavras para ver se me entendem: A um congresso que, no caso de catástrofe repentina como a última, poderia ser responsável por forte inacção dos bombeiros cujos comandos ali estavam todos para re-eleger o senhor Soares que, há que dizê-lo já tem idade para deixar essa tarefa a gente mais nova. Mas, pelos vistos, a criatura é assim: quarenta anos de poder local, sete vezes deputado, dezenas de anos bombeiro e variadíssimos presidente da Liga. E não se cansa ou pensa que não se cansa, que é imprescindível, o melhor da rua. A triste cena do congresso prova à evidência, mesmo se o reelegem a 70%, que a criatura está gasta. Tão gasta quão gasta e inútil foi a sua deposição sobre os incêndios de Pedrogão.
Façam-lhe uma estátua, dediquem-lhe duas ruas e mandem-no para a reforma, aparar o bigode.