Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

diário político 225

d'oliveira, 26.04.20

images.jpeg

um homem só pode valer mais do que setenta acompanhados

D’Oliveira fecit a 26 de Abril de 2020

 

A celebração do dia 25 lá decorreu, como se previa. Ou, mais exactamente, com um número reduzido de presenças, como mandaria o bom senso.

E fala-se em bom senso porquanto este faltou, e de que maneira!, ao dr. Ferro Rodrigues. Definitivamente, os longos anos de deputado os já quase cinco de Presidente da Assembleia, deram pouco fruto. S.ª Ex.ª ainda não percebeu que os seus tiques autoritários, a sua ansia de protagonismo, a sua tentativa de estar sempre a dizer coisas (como aquela prima do Solnado) enfraquece o seu papel, sujeita-o ao ridículo e torna as suas intervenções em inoportunidades.

Não se põe em causa que a data seja celebrada na AR. Mesmo se dezenas de outras actividades estejam suspensas, assistência a enterros, casamentos, baptizados ou aniversários de familiares e/ou amigos. Manda o bom senso e a prevenção geral que assim seja.

Também as grandes festas religiosas (e destaco a Páscoa, para a imensa maioria cristã portuguesa, ou o Ramadão que agora se inicia e que toca cem ou duzentos mil cidadãos nacionais ou emigrados) tiveram de sofrer fortíssimas restrições que os líderes religiosos, com mais bom senso que o dr. Ferro, aceitaram e acataram. Nem sequer vou usar o argumento da laicidade do Estado porquanto um Estado laico e democrático respeita e protege a religião dos seus cidadãos. E tanto é assim que, ontem, na tribuna dos convidados estava o cardeal patriarca. Se o convidaram por alguma razão foi.

O que toda a gente ou muita, pouco interessa, tentou dizer ao Presidente da AR foi que, justamente porque o parlamento (e bem) está em funções, deveria no caso celebrativo mostrar-se austero, sensato e respeitador das mais estritas regras de segurança sanitária. O Parlamento deve dar o exemplo.

Ora o projecto inicial da celebração era tudo menos isso, desde o número de deputados presentes até ao rol enorme de convidados. Pessoalmente, eu até preferia que os presentes usassem máscara. Para dar o exemplo. Cada vez que a utilizo sofro horrores: os óculos ficam logo embaciados, o calor aperta, a respiração enche e esvazia o raio da máscara – e já recorri a vários modelos!

A obrigatoriedade da máscara vai dissuadir-me de pôr o pé fora de casa muito mais do que o medo (e eu tenho medo, juro!) de me infectar. Numa casa em que só somos dois, em que a minha mulher tem problemas pulmonares graves, uma infecção minha será sempre muito grave. Quem é que irá às compras, à farmácia ou a um qualquer outro recado importante e imprescindível?

Ao contrário de muitos estrénuos defensores ad nauseam da democracia, das conquistas de Abril, do trauteio de Grândola ou dos cravos vermelhos, sempre entendi que uma celebração havia de ser digna, curta e exemplar.

Poderia aduzir um outro argumento: as datas, as famosas datas festivas da pátria celebram-se com normalidade. Ninguém precisa de, em dia certo, sair para a rua de punho no ar vitoreando as forças armadas. As mesmas forças armadas também trouxeram o 28 de Maio, só para dar um exemplo.

Para mim, a tropa, aquela tropa que se baseava na conscrição obrigatória e universal era o povo em armas. Agora, apesar de generoso, magnífico trabalho que os militares estão a prestar, a tropa é outra, é uma corporação quenão representa essa ideia sã e revolucionaria herdada da Revolução Francesa mas um corpo fechado, altamente especializado e, curiosamente, pouco atraente para a população em geral e para a juventude em particular.

De todo o modo, estou grato, gratíssimo, aos militares (do quadro e milicianos, é bom não esquecer estes últimos e aos soldados rasos o maior número, o menos lembrado, o que nunca tem honras sequer um voto de louvor) que correram com a pandilha.

Mas essa gratidão não esquece as sombras que as houve logo de seguida, o 5º Governo, as assembleias selvagens do MFA, a patética e lamentável inventona dos S.U.V., os golpistas sustidos pelo 25 de novembro, a tentativa duradoura de condicionar eleições, governos, assembleias. Nem todos os militares se chamaram Salgueiro Maia ou Melo Antunes, se é que me entendem. E, já agora, mesmo que nunca tivesse sido alguém que eu estimasse, devo lembrar que um certo marechal Spínola escreveu um livro que arrasava o fim do Estado Novo, o estado de guerra, a brigada do reumático. Spínola era um militar autoritário e isso viu-se. Também era, no início da guerra colonial, um oficial que poderia não ter ido para a frente de batalha, para o mato mas foi. A coragem respeita-se.

Resumindo, os militares como casta são do piorio. Como cidadãos são exactamente uma amostra deste povo que é o meu, o nosso.

As grandes datas, e dessas destaco duas, o 25 de Abril e o 1º de Dezembro, podem ser celebradas. Confesso que a maior celebração é o feriado gozado pacatamente, normalmente, como algo de definitivamente adquirido. É que hoje, julgo, ninguém põe em causa a independência pátria ou a liberdade. As pessoas já nem se lembram dos ásperos tempos, o que é um bom sinal. Sinal que a árvore da democracia está forte e que a floresta dos direitos e liberdades cresce sem perigo de fogos ou de ataque de madeireiros.

Mas, sobretudo, há algo que mais do que incomodar-me, me irrita soberanamente. É a contínua desqualificação dos adversários. No caso, como aliás, António Barreto, sublinha no “Público” é este cruzar de acusações fascista/comunista que é brandido por uns e outros.

Criticar o Poder, o Governo, este ou outro de outra cor, o Parlamento, a Câmara Municipal ou a Junta de freguesia é um direito absoluto da cidadania. Ora foi isso que foi tentado, e de forma desigual, nesta guerra do alecrim e da manjerona: os “fascistas” queriam matar o 25 A, proibindo uma meia dúzia de discursos em sessão solene que, sabe-se bem, poucos seguem na totalidade.

Os “comunistas” ou assimilados, os radicais estão prontos a ir para as barricadas para suster a onda impetuosa da Direita de faca nos dentes.

E vá de fazer petições. No caso, a da “direita” era quatro vezes maior do que a de “esquerda”, o que nada quer dizer, aliás. Em tempos de confinamento, as pessoas fazem tudo para se entreter.

Eu nem as vi nem, de resto, as assinaria. A minha frente de combate é esta modestíssima tribuna, e já me chega.

Uma palavra sobre os senhores ex- Presidentes da República. Um, o senhor general Eanes, discordando do modelo, entendeu dever estar presente. Muito bem. Outro, o paisaníssimo dr. Jorge Sampaio, homem avisado, sábio e sem necessitar de dar provas da sua histórica coragem, resolveu não comparecer por estar na situação de risco que a idade e os achaques comprovam. O terceiro, o professor doutor Cavaco Silva achou que não precisava de dar explicação pública e faltou. Não sei se escreveu ao sr Presidente da AR mas isso, eesse toque de boa educação não lhe ficaria mal.

Vir agora, como Vicente Jorge Silva, um ex director do corajoso “Comércio do Funchal”, o jornalzinho cor de rosa, afirmar que Cavaco detestaria o significado da data, é uma canalhice. Cavaco foi um dirigente político e, por acaso ou talvez não, ganhou duas eleições sucessivas por maioria absoluta, facto único na nossa história parlamentar. Não há notícia de ter sido, quando jovem, adepto do Estado Novo. Foi, como noventa por cento dos portugueses da sua idade e do seu tempo, um espectador passivo do que se passava, nada mais.

É antipático, pelo menos para mim, sobranceiro, cabeçudo, e opinante. Nada disso o faz fascista, proto-fascista ou perigo para a democracia. Não se lhe conhece nenhuma conspirata terrorista, como nos casos de alguns heróis militares e civis, nem se lhe aponta morte de homem.

Ontem, o bom senso acabou por vir à tona. Menos de metade das presenças anunciadas. Os discursos, incluindo o tão louvado do Sr. Presidente da República, foram o que foram. Dificilmente os compararão com o relativo à barca Charles et George...

*a gravura: uma imagem que se impõe pela sua dignidade: um homem só, idoso (ai,ai!...) desceu, ontem, a avenida da Liberdade. Ao pé desta imagem, nenhuma se lhe chega sequer aos calcanhares.

 

3 comentários

Comentar post