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Incursões

Instância de Retemperação.

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diário político 257

d'oliveira, 01.03.22

A prática contra a teoria 

d’Oliveira fecit, 1 de Março

 

 

Hoje, pelo menos aqui, está tudo fechado ou quase. A papelaria e o supermercado estão a funcionar mas tudo o resto foi para os folguedos. Ou para casa, descansar. 

Há anos que isto é assim, o país para irremediavelmente ou porque o Governo dá  a chamada “tolerância de ponto” ou porque comércios de rua, empresas entendem que não vale a pena abrir portas. 

A “tolerância de ponto” significaria exactamente que às pessoas era dada a opção de não comparecer no local de trabalho, podendo quem quisesse, ir trabalhar!... claro que nunca vi alguém disposto a tal mas tolerância é isso mesmo: quem quiser não aparece. 

A origem deste quase feriado oficial e geral perde-se na noite dos tempos ou pelo menos do século passado. Até o Estado Novo concedia magnanimamente a citada tolerância. E o Pópulo agradecido aceitava avidamente essa benesse e ia em massa para os folguedos carnavalescos. 

Hoje em dia, há uma boa dúzia de terras que levam o carnaval a sério, com desfiles e ajudas camarárias aos organizadores. 

Digamos que, genericamente, estas demonstrações de entusiasmo artificial são desinteressantes e raramente revelam bom gosto. Mas as desfilantes, imitando as brasileiras não perdem a sua oportunidade de mostrar as carnes jovens apesar do frio da época. Ou mesmo da chuva. Nas ruas acumulam-se uns milhares de espectadores que juram estar felicíssimos e se sentem quase como em Veneza ou Copacabana. Ou no “Mardi Grass” de Nova Orleães. 

Os mesmos desfiles trazem umas dezenas de bonecos alusivos à vida política e desportiva ou apenas das pobres celebridades locais, dos famosos que a imprensa cor de rosa exalta. 

As televisões exultam e fazem copiosas reportagens cuja descrição não merece sequer ser lembrada ou comentada. Portugal, pobrete mas alegrete! 

De todo o modo, o meu ponto é este: o Carnavel é bem mais sentido do que a maioria senão todos os feriados republicanos  e nacional (5 de Outubro, 1 de Dezembro, 10 de Junho ) salvando-se, cada vez menos, aliás, os 25 de Abril e 1 de Maio onde, graças a uns milhares de convictos militantes, a coisa ainda funciona. Todavia, baesta que o dia esteja bonito e quente e as praias tem dez vezes mais pessoas que as festividades cívicas.

As festividades religiosas são menos afectadas pela indiferença do público. Natal, Páscoa são profundamente sentidas mesmo se no caso da segunda se vá perdendo a grande velocidade o compasso, pelo menos nas grandes cidades. O Corpo de Deus  passa quase despercebido salvo nas zonas onde há grandes procissões. Os santos populares perderam desde há muito o carácter sagrado e são festas profanas muito seguidas por isso mesmo, o carácter profano, a festa dos corpos, as sardinhas assadas.  Os três austeros santos tornam-se nesses dias criaturas bonacheironas, pagãs, protectores de amores, namoricos e o que mais possa ocorrer. O 8 de Dezembro passa despercebido mesmo se o Estado reconheça a data solene que vem aliás de longe. 

Em tudo isto o Carnaval aparece destacado como feriado à força, imposto pelas gentes comuns que já não se despedem da carne nem começam a viver uma quaresma sentida. Eu nem sei se a proibição de carne (já não durante os quarenta dias mas tão só às sextas feiras ainda vigora. Nos meus tempos de rapaz, havia entre os mais incréus a mania de ir comer uns bifes clandestinos na sexta feira santa. Mas isso eram rapaziadas, excesso de acne e o corpo (e a cabecinha pensadora e pecadora) a funcionar. 

Agora a sexta feia santa, em caindo mais para tarde, é passada, por quem pode, no Algarve, mar e discoteca à noite.

Não será o filho de meu Pai quem condene essa escapadela ao dia a dia, esse vago anúncio de Verão mesmo primaveril. Passei várias páscoas na praia outras tantas em Paris se a coisa calhava demasiado cedo para banhos de mar e não me arrependo. Aliás tenho saudades, e muitas, desses tempos descuidados onde o dinheiro não abundava especialmente. 

O carnaval, tenho de o confessar, nunca foi a minha praia. Nem o de cá nem os da estranja mas isso não é virtude minha (nem defeito, que diabo!). É como o Ano Novo: nunca me atraiu, acho que nunca o festejei a não ser com alguns amigos e discretamente. 

Este ano, divididos entre o esperado fim dos tempos pandémicos e o espectáculo atroz da guerra miserável imposta aos ucranianos. Não há razões para grandes entusiasmos. 

A única pida (de mau gosto) é a afirmação repetida por uma certa minoria cada vez mais isolada e afastada das pessoas, do bom senso, da generosidade e da realidade, que entendem que as tropas invasoras russas estão a defender-se, as inocentinhas, e a responder às “provocações” repetidas da NATO, da UE, do senhor Zelensky e dos EUA (e já agora, da Suiça ou da Finlandia!

Apetece dizer que isso é apenas a maneira brutal, imoral, deles celebrarem o carnaval ...