Diário polítio 227
Silly season
felizmente sem (até à data) fogos
d’Oliveira fecit 30 de julho, 2018
1 Nada tenho contra Miguel Portas cujas excelentes séries televisivas segui com muito agrado. Se nem sempre concordei, achei-as sinceras, inteligentes e necessárias. Do seu papel de dirigente bloquista ou antes da UEC nada direi. Era com ele, mesmo se a época da sua militância fosse já bem posterior à terrível desilusão de Praga que deitou por terra tudo por quanto as “juventudes” que glorificavam os amanhãs que cantam” eventualmente lutavam.
Todavia, não há nada na sua biografia que permita, sem mais, perceber a Grã Cruz da Ordem da Liberdade. Que diabo o homem tinha 14 ou 15 anos em 1974. E durante o PREC aceitou tudo o que o “partido” ordenava. É bem verdade que a OL já leva quase cem agraciados com a Grã Cruz!!! Quase um saldo! Pior que um saldo!... De todo o modo, gostaria de saber que luta pela liberdade foi a sua, aos olhos do Senhor Presidente, o tal que jurou ser moderado em condecorações e que rapidamente se esqueceu dessa eventual regra limitativa de prebendas. Será que foi pela dissidência do PC? Pelos textos jornalísticos? Pela morte estúpida na flor da vida? Ou apenas, porque sim?
2 As aventuras do panteão
O Panteão demorou duzentos e muitos anos a ser construído. Depois, não se sabendo o que fazer da Igreja de Sª Engrácia destinaram-no a panteão. Aliás há mais (os Jerónimos; S Vicente de Fora, onde repousam os Braganças; A Batalha onde estão muitos dos reis e príncipes de Avis e finalmente Sª Cruz de Coimbra que alberga D Afonso Henriques e D Sancho). Durante anos o panteão viveu na obscura glória de meia dúzia de mortos até que subitamente e de rajada meteram lá Sofia, Amália e Eusébio. E queriam outros mas as famílias recusaram (Salgueiro Maia ou Eça de Queiroz que jaz em Tormes).
Agora anda muita gente frenética para meter lá Soares. E, na onda, Sá Carneiro. Alguém avançou com Zeca Afonso e mais alguém replicou com Aristides de Sousa Mendes, “justo entre as nações” (com mais dois outros diplomatas que, mesmo se toda a gente ignora, salvaram judeus).
Daqui a pouco não há panteão que chegue. E cada vez mais se confunde alguma cidadania, mesmo se exemplar, com a panteonização. Aquilo começa a parecer-se com o moinho da Joana ou com o eléctrico 28 onde cabe sempre mais um para gáudio dos carteiristas que lá fazem a “féria”.
No caso de Mário Soares, a coisa vai mais longe. A lei expressamente prevê um prazo de vinte anos de intervalo entre a morte e a ida para o Panteão. No jardim à beira mar plantado isso não é problema. Faz-se uma lei para desdizer desta que levou Eusébio para Sª Engrácia. Foi justamente para evitar as comoções do falecimento que se aprovou a lei dos vinte anos. “É demais”, dizem os celebrantes de Soares. E há uns rapazes do PPD que, na onda panteonizadora, aplaudem e metem Sá Carneiro à boleia. Já vi jornais a falar em Amaro da Costa. Até ao fim do Verão ainda inventam mais umas augustas figuras de pais e mães da pátria. Mães sobretudo, porque só lá há duas mulheres o que prova o sexismo da política portuguesa.
“Ai Portugal, se fosses só três sílabas, sal, sul e sol”...
nb: o dr Mário Soares foi um grande cidadão. O Estado Novo não o calou e, muito menos o amedrontou. Depois, resistiu ao filo-sovietismo que animou alguma escassa sociedade lisboeta. Chegou por mérito próprio (com o meu pequeno voto também) a Belém. Gostava da vida, dos fatos bem feitos, de boas gravata, de livros (que leitor era!...) e de uma boa soneca reparadora. E de mulheres, benza-o Deus. Está, e muito bem, nos Prazeres nome adequado ao seu espírito bon vivant. Não o desterrem para os lados da feira da ladra!
A ilustração: fotografia do embaixador Sampaio Garrido embaixador em Budapeste e anjo da guarda de muito judeu. “Justo entre as nações” para que se saiba.