estes dias que passam 1014

Um adeus (mais um!...E tristíssimo…)
mcr, 20-9-25
Sou pouco dado a necrologias mas a idade que levo força-me a registar o rol absurdo de amigos que me morrem e deixam cada vez mais desamparado.
Agora foi o Batarda, alguém que conheci caloiro fresquinho no ano de 1960, mais ou menos por esta altura, eventualmente um pouco mais tarde, Outubro entrado.
Durante alguns anos, até ele mandar a Medicina às malvas e rumar a Belas Artes em Lisboa, partilhamos mesa comum no Mandarim, conversando, galhofando, conspirando e falando de tudo menos de estudos. O Batarda tinha um humor finíssimo, ironia q.b. era um leitor ávido e, cereja no bolo, até andou pelo CITAC, pela Associação Académica e por tudo o que cheirava a inconformismo.
Mais tarde, com anos de intervalo, voltámo-nos a encontrar no Porto onde ele deixou um rasto de admiradores da sua pintura, do seu gosto pela música (ainda o jazz que ele viria a misturar com a música clássica…).Os seus alunos respeitavam o seu escrúpulo o seu mester de professor sempre presente e os colegas, pelo que pude saber, tinham alta estima pelo seu talento, pelo trabalho e pelos dotes de inteligência.
Depois foi para Lisboa e nunca mais o encontrei pessoalmente.Todavia “batardiano" convicto não falhei uma única exposição e assim ia percebendo (como mero Amador) a subtileza do seu percurso pictórico mesmo se jamais tenha esquecido os primeiros anos como se vê pela ilustração acima. Tive a honra e o prazer de fazer parte de um painel que se reuniu para colaborar num documentário homenagem que passou na televisão e onde, para meu gozo, estavam alguns outros meus amigos e conhecidos (o Fernando Lopes ou o Bismark, pintor e professor nas Belas Artes do Porto).
Lembro-me apenas de que no meu depoimento eu afirmava que paralelamente ao seu percurso estético havia com igual ou maior importância um cuidado ético que, em muito, o diferenciava de boa parte dos seus colegas. Curiosamente, essa parte do meu modesto discurso não foi aproveitada , coisa que me desgostou.
De certa maneira, e não querendo depreciar outros, Batarda foi com o Pomar e o Nikias um dos elementos de um trindade que ainda hoje venero e que, para mim, melhor reflectem os tempos que vivi e vou vivendo cada vez mais sobrevivente e solitário.
Entendi, pois, republicar um texto aqui postado há alguns anos na série “o leitor (im)penitente". Ei-lo:
o leitor (im)penitente 253
Do melhor que a minha geração produziu
mcr, 18-10-22
Conheci o Eduardo Batarda no dia em que, caloiro, regressei a Coimbra para iniciar as minhas penas na Universidade. As aulas começariam dali a dias e eu vinha instalar-me.
Não sei bem onde nos encontramos mas foi o Carlos Férrer Antunes quem mo apresentou. A conversa há de ter sido prometedora porque o Batarda imediatamente se propôs educar-me do ponto de vista jazzístico. Também não me lembro se foi em casa dele ou do Férrer que ouvi pela primeira vez o Take five de Brubeck de que, naturalmente, fiquei cliente até hoje. Dele e de Paul Desmond um saxofonista de mão cheia que, depois de conhecer Brubeck na tropa (foram soldados na 2ª guerra mundial, sob o comando do genial Patton e ter-se-ão encontrado na dura batalha das Ardenas onde se desfez definitivamente o sonho de Hitler, graças ao heroísmo - e à “resiliência - dos militares americanos sitiados por forças muitas vezes superiores e extremamente aguerridas) constituiu um quinteto com ele.
Claro que, a partir daí fomos durante os anos coimbrãos de Batarda amigos e companheiros diários com epicentro no “Mandarim “ (o “Kremlin”) na Praça da República (“a praça vermelha”!...).
O Batarda, era culto tinha um finíssimo sentido de humor e era estudante de Medicina mas, desde cedo se revelou um talentoso desenhador e mais tarde, pintor. Ainda recordo, furioso por os ter perdido, dois cartazes (um da Queima, outro do CITAC) onde já era perfeitamente visível o futuro estilo (ou o estilo da primeira fase) de Batarda. A mim, o que agora ainda me espanta, era a aceitação que os seus cartazes tiveram junto (sobretudo no caso da comissão da Queima) de malta que neste ponto de vista era absolutamente conservadora e insistia na presença da Torre da Universidade, de fitas coloridas, quiçá de alguma guitarra, uma chatice de todo o tamanho, vista e revista ad nauseam. Quase me atrevo a dizer que aqueles rapazes que escolheram o cartaz (e o pagaram!) foram os primeiros a reconhecer o talento deste enorme pintor.
Isto daria para uma crónica desses primeiros anos sessenta numa Coimbra que se transformava a galope, abandonando lenta mas seguramente a praxe, uma certa boémia avinhada e o conservadorismo político. E, em todas essas frentes, lá estávamos nós, irrequietos, ansiosos, fartos do torpor português e dos alegado brandos costumes.
De todo o modo, cedo o Batarda se deixou de estudos médicos, rumou a Lisboa para as Belas Artes e daí para Londres. Perdi-lhe a pista mesmo se, como se verá o fui acompanhando enquanto artista.
E, doze anos depois, dei com o livro que hoje trago e que é, de certo modo, uma epítome, de tudo o que se supunha que o Eduardo Batarda seria.
O livro uma “edição artística” não era nada barato pois ter-me-á custado, lá pelos meados de 75, cinco brasas ou seja quase o dobro do ordenado de um professor do ensino secundário! Para um advogado em começo de carreira era um tombo enorme. Não sei se a galeria 111 me permitiu pagar em prestações ou me exigiu o cacau todo de uma só vez mas seja como for não hesitei.
Não vou fazer a crítica ou sequer a crónica de 50 anos de pintura de Eduardo Batarda. Não é esse o escopo destas digressões e de todo o modo, eu sou um “batardiano” militante pelas razões já expostas e pelo que fui vendo da sua obra que considero do melhor que se faz em Portugal.
Não sei se o livro ainda aparece, se alguma vez apareceu, por alfarrabistas já que era uma edição limitada e pequena. Se porventura o pilharem não hesitem é uma leitura divertida que se desdobra em vários graus e as ilustrações são magníficas
Ficha:
“o peregrino blindado (as aventuras do dr. Bronstein –proezas de um unfrendly Kid)”
de José Lopes Werner, trad e adpt de Batarda Fernandes ex nº 101 (numa edição de 200 ), 50 pp 30 x17 em caixa própria