estes dias que passam 323
“Onde está, ó morte, a tua vitória?”
Morreu o Carlos Furtado. Provavelmente, a maioria dos meus leitores, não sabe quem é. Ou quem foi. Nestes tempos que vão correndo, cada vez mais se esbate a história pregressa do punhado de pessoas (e era mesmo, apenas, um punhado) que se foram batendo contra o Estado Novo.
O Carlos Furtado pertencia a esse pequeno grupo e começou o seu percurso combatente ainda na Faculdade, no início dos anos 60. Esteve em todas e, particularmente, na greve académica de 62. Em Coimbra, onde nos conhecemos quando caloiros. No CITAC, na AAC e em todo o lugar onde havia uma trincheira resistente. Calado e sólido, leal e solidário, sem perguntas desnecessárias, sem vaidade nem ousadias supérfluas. Inteiro, como sempre viveu, desde os plenários onde defendeu os anti-regime até à honrada advocacia que sempre praticou.
Há uns meses, pouco tempo depois de envivuvar, caiu redondo num transporte público: AVC grandioso mas não (infelizmente) fatal. Sobreviveu, debilitado, uma sombra do que era, um insulto à vida que merecia. Um calvário que se arrastou de um hospital para outro, uma luta sem esperança contra todas as maleitas que cruelmente lhe foram roendo o quase cadáver que já era: infecções atrás de infecções, dor sobre dor, até que uma pneumonia caridosa o encontrou e levou. Ontem.
Este homem que enfrentou tanta coisa, que resistiu a tanta coisa, que lutou contra tanta coisa, não teve o fim rápido e misericordioso que merecia.
Deixa uma filha, netos, amigos inconsoláveis, uma trémula lembrança luminosa e um exemplo de vida.
E o habitual silêncio noticioso próprio de quem, por escolha e por carácter, nunca quis ser notícia. E, todavia, quantos noticiáveis cabem na sua ignorada sombra!
A quantos hoje o lembram, um abraço
(a citação do título é tirada de Coríntios, 15/55)