estes dias que passam 318
A morte apaga todo o passado?
Leio nos jornais a notícia da morte do Doutor Veiga Simão. E leio, meio espantado meio resignado, que a criatura era um democrata e, eventualmente, um homem de Esquerda, vá lá de centro esquerda.
Ora, se bem me lembro, independentemente do seu currículo académico, certamente valioso, do seu esforço por mandar gente doutorar-se fora do país, coisa que abona o antigo catedrático coimbrão que provavelmente conhecia bem demais o que se passava no santo dos santos da universidade portuguesa, tudo o resto, desmente o perfil democrático do ex-reitor da Universidade de Moçambique, criada à pressa (e demasiadamente ...) para fingir que lá era tudo como cá, que os pretinhos também podiam estudar, quando escassos anos antes (do primeiro tiro) tudo era um calvário para os negros e para boa (esmagadora) parte dos brancos (de segunda...) que queriam prosseguir estudos universitários e que uma vez chegados á “metrópole” nem a certeza tinham de receber atempadamente o dinheiro que os pais mandavam pontualmente e que graças um mecanismo bancário infame demorava seis meses a ser cambiado em “escudos portugueses”. O cavalheiro que foi Ministro do Estado Novo (provavelmente uma “toupeira” do reviralho e dos bolchevistas) e que inaugurou entre outras modernidades o “serviço de segurança universitário” conhecido como “gorilas”, o cientista “distraído” que via a universidade ser purgada de estudantes mais afoitos e de assistentes menos dóceis. Morre agora envolto num véu de democracia por sobre mais de quarenta anos de bom e leal serviço d Salazar e sucedâneos.
Sei bem que, logo a seguir ao 25 de Abril alguém o nomeou embaixador para os States, antes de lhe darem entrada franca nos Ministérios onde a sua “obra” terá sido imensa. Imensa como a desmemoria de quem o foi nomeando, convidando para cargos políticos (só esses é que me interessam, não os outros onde terá acedido por mérito técnico, coisa que não questiono). O poder politico saído do 25A foi assim: na ânsia de mostrar um país idílico e europeu esqueceu-se de quantos o tinham querido menos normal e orgulhosamente só.
Claro que Simão poderá “ter visto a luz”. Todos nós temos o direito a percorrer uma estrada de Damasco, de percebermos que algo de errado andávamos a fazer. Todavia, como bem recorda o “Público” a todo esse sinuoso percurso de Simão este terá oposto esta frase exemplar: nasci no granito nunca me dobro. De facto! De ministro de um governo ditatorial (“fascista”, segundo alguns) a impretérito democrata, também ministro de Mário Soares vai uma linha recta, imperturbável e sólida como o granito. Amanhã na AR vamos ver como votam os pêsames, os ilustres deputados. Às tantas, algum mais envergonhado, escafede-se da sala como ainda há pouco ocorreu quando se votou o pesar pela morte desse outro indefectível democrata que no século se chamou Hermano Saraiva, também ele ministro “liberal” do governo do Estado Novo.