Estes dias que passam 319
A Europa por um canudo
De que Europa falamos quando falamos de Europa?
A pergunta não é especialmente impertinente, sabendo como sabemos, que nessa misteriosa região, que sempre definimos como além Pirineus, labutam mais de milhão e meio de Portugueses. Só no Luxemburgo a emigração portuguesa representa quase 18% da população. Na Suíça, a comunidade portuguesa está entre as três comunidades estrangeiras mais importantes. O mesmo se passa na França. No Reino Unido há também uma importantíssima colónia portuguesa. Só por isto, que não é pouco, havia que dedicar ao assunto uma reflexão que não caísse na miserável discussão que ontem começou.
É que pensar nos nossos emigrantes (e conviria lembrar, de passo, que desde que começou a chamada “expansão portuguesa” nunca cessou a emigração para os territórios descobertos, conquistados, colonizados ou, simplesmente, para as zonas onde se ergueu uma parca feitoria. Desde a Índia do sec. XVI para onde dezenas de milhares de portugueses afluíram, até ao Brasil que registou desde princípios do sec. XVIII vagas de emigrantes na ordem dos cinquenta mil por ano, não houve ano em Portugal sem saídas importantes para o exterior. O período de menor saída correspondeu aos anos da 2ª Guerra e por causa dela, não por virtude do dr. Salazar. Em Portugal emigra-se há séculos e ponto final, parágrafo, pelo que vir agora lamentar a emigração nacional é apenas uma arma de arremesso político em que aliás ninguém acredita) é pensar também nas remessas dos mesmos (de que sempre vivemos)e na sua defesa enquanto concidadãos. Estamos na Europa e o facto de aí estarmos com todos os riscos, todas as condicionantes, todas as injustiças e incompreensões, tem valido a esses compatriotas uma proteção e uma garantia jurídica, social e económica que nunca teriam se estivéssemos (onde é que já ouvi isto?) “orgulhosamente de fora, sós” como pretendem ou insinuam alguns dos actuais candidatos à prebenda europeia.
Eu quereria olhar para esta campanha com outros olhos sem ter de me surpreender com a ressurreição da sr.ª dr.ª Carmelinda Pereira, representante de um partido que já julgava extinto. Terá o dito partido sequer os cinco mil militantes que são supostos existir para dar certidão de nascimento a um agrupamento político?
Ao que ouvi a generosa senhora não quer ser eleita. Dá o lugar , o hipotético lugar, o inatingível lugar a outro candidato, seja ele qual for.
Se não quer ser eleita o que anda ela a fazer por aqui?
A passar o tempo? A jogar ao berlinde? A denunciar sei lá que malvadíssimas intenções de outros (todos?) candidatos? A gastar o nosso tempo? A chatear o indígena?
Haverá, em outra meia dúzia de organizações de que só se ouve falar em eleições, outros tantos milhares de militantes, simpatizantes ou o que quer que sejam, que justifiquem a sua mais que pontual existência? Haverá, sequer, dez (nem falo das dezasseis candidaturas...) opiniões diferentes sobre a questão europeia?
O pouco que, via televisão, me foi dado ver e ouvir, faz-me pensar que, das discussões que nos esperam, nada de novo e muito menos de europeu, nos chegará. Para prova, um cavalheiro que foi bastonário da Ordem dos Advogados, veio ontem explicar com a truculência que o caracteriza, que tenciona ir para Bruxelas combater os “grandes escritórios de advogados” e a sua consabida invasão da área política. Pelos vistos a sua evangélica acção na OA e na televisão (suponho que por bom cachet) não surtiu efeito cá dentro pelo que entendeu passar a “um plano superior de luta”, internacional. Tudo isto em nome e um vago “MPT, ou partido da terra, de remota e difícil ascendência ecologista. É bastante provável que os seus esforços não sejam coroados de êxito e que, finda a campanha, a criatura vá lamber as feridas da derrota para a província e para um merecido repouso. Todavia, o simples facto de o terem convidado para cabeça de lista e de ele ter aceitado tão árdua tarefa diz muito do modo como se faz política no nosso “torrãozinho de açúcar”.
Mas poderá alguém dizer-me que “de minimis non curat praetor” e que, pelo menos os grandes partidos com assento no parlamento vão explicar que políticas europeias vão defender em Estrasburgo. Irão? Até ao momento a discussão tem sido caricatamente doméstica e deixa-nos pensar que as criaturas que se interpelam e digladiam concorrem ao parlamento nacional. Não estarão enganadas? Alguém teve o bom senso e a prudência de as avisar que é na doce Europa que vão estar e receber um belo ordenado?
A segunda questão que me embaraça é esta: as eleições para o parlamento europeu não são especialmente indicadas para antecipar os resultados das legislativas nacionais. E por uma razão cristalina: pode um partido ter uma maioria nacional de 51% e, ao mesmo tempo, dado que há duas dezenas de círculos eleitorais com evidentes diferenças de população e de mandatos, não conquistar a maioria dos lugares de deputados. Uma vitória a cem por cento em mais de uma dúzia de distritos pequenos e médios pode traduzir-se por uma derrota na repartição de mandatos. E uma vitória nos dois grandes círculos (Lisboa e Porto) pode não significar uma vitória nacional. Fossem os deputados eleitos nominalmente e o resultado já poderia ser mais igual entre uma e outra eleição. Depois, há o problema da abstenção: as eleições europeias atraem muito menos eleitores que as legislativas. Se bem recordo, as últimas europeias tiveram mais de 60% de abstenção. Se estas próximas eleições tiverem a mesma taxa de participação (o que é provável –se não for ainda mais baixa- ) parece arriscado tirar especiais consequências do facto. Mesmo estando convencido que a minha profunda aversão a Coelho e Portas é partilhada por muitos cidadãos, creio que as legislativas de 2015 ainda estão longe, demasiado longe, e que é possível à actual coligação no poder minorar o desgaste a que foi submetida. Por outras palavras: tendo em linha de conta as atuais sondagens pode ocorrer que, com uma série de pequenas concessões de última e penúltima horas, os eleitores “deem o ouro ao bandido”. Sobretudo se os (muito) ténues indicadores de melhoria (!!!?) se mantiverem ou progredirem. E se o licenciado em Relações Internacionais (pela conceituada Universidade Autónoma de Lisboa) António José Seguro continuar contrapor ao licenciado em Economia (da não menos prestigiada Universidade Lusíada) Pedro Passos Coelho alternativas com mais arruído que credibilidade então a coisa complica-se e muito.
Claro que nada destas últimas considerações tem a ver com a Europa mas se as retenho é apenas porque as criaturas que disputam as prebendas europeias fazem da política nacional a massa dos bolos avariados que fornecem aos eleitores. E às vezes nem isso.
Também não deixa de ser verdade que, sobre a Europa, tenha de haver alguma, bastante, muita, muitíssima, prudência: Em primeiro lugar ninguém arrisca um resultado europeísta claro e concludente. O motor europeu tem frequentes “ratés”, há uma extrema direita nacionalista em expansão acelerada, a extrema esquerda partilha com ela algumas (bastantes, muitas, demasiadas) fobias antieuropeias e anti-euro, os partidos “de governo”, conservadores ou social-democratas não se entendem entre si, nem com os outros (veja-se o que se passa com a “mutualização” da dívida ou com outras propostas de Seguro) e, sobretudo alguns dos países ditos do Norte não parecem convencidos e, muito menos, interessados em correr em socorro dos do Sul.
Fique claro que não sou contra a tal mutualização. Apenas me irrita a ideia de que basta agitar o nome da coisa para esta acontecer. Ora nada, mas nada (sequer as propostas de Martin Schulz, cuja eleição é, por enquanto, altamente improvável) leva a crer que, nos tempos mais próximos, haja hipótese vitoriosa de isso ser sequer proposto à votação.
A menos que continuemos a acreditar naquele deputado patusco que garantia que bastava a malta dar um murro na mesa para pôr os alemães (terá dito boches?) a tremer, nada indica que a dita mutualização da dívida ou ainda a mais delirante proposta de Seguro sobre o desemprego encontrem qualquer sintoma de simpatia por parte dos restantes parceiros europeus.
Quando os azares e os acasos da vida me fizeram estar fora da pátria dos heróis do mar, mirava os vários jornais (em várias línguas que conseguia ler) à procura de notícias sobre Portugal. Eram escassas, raras, raríssimas (exceptuando o período do “verão quente” de 75 – estava em Itália e o que lia na imprensa de esquerda era alarmante e os meus “compagni” italianos deitavam as mãos à cabeça e perguntavam-me se os portugueses eram todos “matti”, “pazzi” e outros adjectivos igualmente dolorosos) e assentavam genericamente na mais confrangedora série de lugares comuns quando não exprobavam a nossa inerte pequenez.
Nunca acreditei na balela do “bom aluno” e sempre detestei a imagem, forte mas redutora, do sul sal e sol. Claro que é preferível ser conhecido pelo clima do que pelo crime, pela estupidez ou pela canalhice. Mas dói ver o país reduzido a um mero local de férias low cost, que é o que está a dar.
Perguntar-se-á que tem estas últimas linhas a ver com a discussão europeia? Tudo! É graças a esta “não campanha” que a distância entre nós e o resto da Europa se acentua. Poderão retorquir-me que em boa parte da Europa existe a mesma “não discussão” promovida por criaturas igualmente irresponsáveis enquanto europeias (por todos, Beppe Grillo, que consegue ser ainda pior do que Berlusconni). Mas há também a outra discussão, a que interessa e que cá permanece na mais espessa clandestinidade. E isso, esses temas, conviria muito que os conhecêssemos, que os seguíssemos e que os meditássemos.
O que, desoladoramente, não ocorre.