estes dias que passam 320
Um voto
Numa das páginas do processo individual 49256 datada de 6 de Marco de 1970 consta uma cópia do documento nº 262/70-S.INF (Confidencial) assinado por um tal Jaime Gomes da Silva que subscreve o ofício pelo Inspector Adjunto cujo nome se ignora.
Nessa peça de fraca qualidade estilística e gramatical referem-se várias informações transcritas de um outro processo individual (da PJ) com o número 38218 relativo a Joaquim Andrade Cardoso (eventualmente um amigo e camarada de que não me recordo já) e que me dizem respeito.
Apenas refiro que entre os vários agravos de que nessa peça sou responsável consta este “como delegado da “oposição” fiscalizou uma das secções de voto da assembleia que funcionou na freguesia de Santo António dos Olivais , nesta cidade (Coimbra) no último acto eleitoral para deputados”.
Estas eleições foram as primeiras legislativas em que a Oposição resolver participar e tiveram lugar, se não erro, em finais de 1969. Normalmente (mas sempre com o meu voto discordante) a “oposicrática” fazia a campanha e desistia no último dia por considerar não existirem condições. E não existiam, de facto. Os cadernos eleitorais eram uma fraude gigantesca e as condições da propaganda eram cerceadas ao máximo. Todavia, meia dúzia de originais (eu incluído) insistiam que, apesar de tudo, convinha contarmo-nos mesmo sabendo que ao acto só compareceriam os mais corajosos dos raros inscritos. E isso seria um dado para posterior trabalho politico e alargamento dos contactos.
Portanto, nesse abençoado ano de 1969, em Coimbra estávamos metidos no processo eleitoral fraudulento até dizer basta. Foi difícil encontrar voluntários para as mesas de voto. Dentro da cidade a estudantada que fizera a greve de 69 constituiu um dos esteios dos fiscalizadores apesar de não serem muitos os estudantes inscritos em Coimbra. Nos arredores a coisa foi muito mais complicada se é que complicado é o adjectivo ideal.
Desde esse dia longínquo que não falho uma eleição. Esteja onde estiver, no dia em causa eis que venho a mata cavalos cumprir o meu dever, exercer o meu direito. Conquistei-o com farto sacrifício e exerço-o com alegria.
Irei votar, este fim de semana. Votarei, desesperado e zangado mas votarei. Desta vez em branco. Nenhuma das tristes criaturas que andou por aí em patéticos desfiles e cortejos me merece sequer um olhar resignado. Muito menos os líderes políticos quer das forças com assento no parlamento , quer dos tradicionais e paupérrimos grupos ainda existentes (enfim, sobreviventes) e muito menos dessas “coisas” que aparecem como cogumelos depois da chuva, estilo Partido dos animais, da natureza, da vida sei lá de que mais. Essas agremiações inexistentes politicamente, inconsistentes em termos de militantes não passam de vagos grupos de conhecidos que aspiram apenas a um minuto de televisão. Por vezes vão buscar um indivíduo conhecido nos media e este, surpreendentemente, aceita. E descobre, subitamente, um imenso amor pela vida, pelo feto humano, pela natureza, pelos bichinhos todos, oxiúres incluídos. É patético para não dizer vergonhoso.
Vou pois votar branco. Quero que o meu voto seja contado e que, se possíverl, seja considerado, voto de protesto.
Por um momento pensei em votar na pitoresca senhora que desde sempre ou quase dá a cara pelo POUS (Partido Operário de Unidade Socialista). Claro que a criatura de operário não tem nada mas provavelmente também o pous não abunda nesse campo.
Porém, a dona Carmelinda Pereira fez uma declaração a que ninguém pode ficar indiferente, foi a única candidata que afirmou “não querer ser eleita”. Isto é pasmoso e bonito. A excelente senhora que já não está na primeira nem segunda mocidade, não quer ir para Bruxelas, não quer ganhar aquela dinheirama farta, sequer pisar as augustas salas do Parlamento europeu. Nada. Apenas lhe interessa dizer não sei o quê, a não sei quem.
Ora bem: se dependesse do meu voto, se este fosse o último necessário para não fazer a vontade á dama, juro que votaria nela, ai não queres ir bruxelear? Pois vais e vais mesmo. E a galope. Pimba!
Infelizmente, este meu instinto maldoso, não tem uns milhares de companheiros por esse país de Deus. A D Carmelinda vai ter a alegria de ser derrotada, esmagada, esquecida, por mais uma temporada, pelo menos até à próxima eleição. Neste torrãozinho de açúcar nem sequer se pode ser malvado. A culpa é, por ordem de importância: da Merkel, do capitalismo, do dr Cavaco, de Passos, da América, dos bancos, da Ucrânia, de Angola, ou melhor da clique que a governa, de Castela e do dr Salazar (há quem julgue que o cavalheiro ainda está vivo como d Sebastião).
Portanto, até domingo, com o voto na urna. Branco se possível!
(e puta que pariu o tal Jaime Gomes da Silva!)