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Incursões

Instância de Retemperação.

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Estes dias que passam 322

d'oliveira, 18.07.14

 

 

Novas notícias do “albergue espanhol”

 

Às vezes poderia pensar-se que já começou a “silly season” tal a surpresa e, sobretudo, a incongruência da desastrada rota do “Bloco de Esquerda”. E se ponho o BE entre aspas é porque aquilo de bloco não tem nada: foi sempre uma espécie de tijola colado com cuspo e agora é um conjunto de estilhaços de qualquer coisa que só o maximalismo simplista dos seus pais fundadores julgou ser sólido.

(antes de prosseguir, uma declaração de interesses: venho de uma velha tradição de esquerda, dificultosamente construída nos finais dos anos cinquenta do século passado. Assumi como minhas todas as lutas contra o Estado Novo, paguei o meu tributo de bordoada no lombo, de prisões, de proscrições de perseguições que só findaram em 74, tinha eu já trinta e três anos de idade. Militei, antes e depois de 74, em organizações políticas Data do final dos anos setenta a minha última participação partidária que rapidamente me revelou o estado já aparelhista e cadaveroso da última organização em que, inocente e iludido, me filiei. Votei sempre à esquerda e, por duas vezes. no BE: uma por simpatia outra por desespero.  Até perceber que aquilo era “dar água sem caneco”. Votar no BE era votar numa irrelevância, numa adolescência retardada, no não sistémico e na completa ausência de sentido da realidade. E ingressei na hoste crescente dos que votam em branco ou nulo. Até ver se há luz ao fundo do túnel).

A história pregressa do BE é de per si uma contradição. Ao principio era o verbo inconciliável (pelo menos teoricamente...) de três grupos distintos: ex-militantes do PCP, trotskistas e a UDP, ela própria um cocktail de diversos maoísmos nascidos de contínuas cisões, expulsões e outras divergências anónimas. De toda esta boa gente, só a UDP conseguia ter representação parlamentar, reduzida é certo, mas existente. Para sermos mais precisos. Era em Lisboa, a Lisboa das velhas tradições setembristas, carbonárias, republicanas, que a UDP conseguia votos suficientes para eleger um solitário deputado.

Às tantas, vá lá saber-se porquê, perceber-se como, alguém lembrou que todos juntos (mesmo assim ficavam de fora o POUS e o MRPP) conseguiriam resultados mais animadores. E assim foi. O BE estendeu o seu raio de influência e conseguiu apesar de tudo um minguado grupo de eleitos. Rapava um bocadinho ao PCP, recolhia algum resquício mais inconforme do PS e com os descontentes restantes compunha o ramalhete.

E, mais importante, parecia ser a voz da indignação e da pureza revolucionarias. Mesmo  se, e este “se” é importante, lá fora, no mundo das pessoas vulgares, tudo estivesse a mudar rapidamente. E ainda, mesmo se as vozes eram mais dos que as nozes, no caso das propostas fracturantes...

Todavia, como projecto de futuro, como breviário para uma vida diferente, nada. O BE era um bunker, fechado sobre si próprio, com um discurso para os raros crentes, incapaz de tocar novos cidadãos. E, em todas as tentativas em que participou para se alargar apenas conseguiu, rápida ou lentamente, fazer perceber aos inocentes úteis que se reuniam que ali havia mão de aparelho escondido. As variadas tentativas de convenção ou algo semelhante que se levaram a cabo nos dois últimos anos foram isso mesmo. Com uma consequência: espantaram a freguesia e induziram, em alguns sectores minoritários e internos, uma crescente frustração. A montanha não vinha a Maomé e este nem sequer punha a hipótese de ir à montanha.

Mais próximo do real, mais disciplinado, menos dado a fracções (ou melhor: com horror a fracções, opiniões, tendências seja lá o que for) o PC reconquistou o escasso terreno perdido, apostou na gestão dos seus sindicatos, das suas câmaras, das suas colectividades e ofereceu aos descontentes do BE uma réstea de esperança e de actividade pública, cultural, social ou política. Ou, por outras palavras: o PC mostrou que, de facto, o “esquerdismo” é uma “doença infantil” do comunismo à portuguesa.

SE o BE, ou os seus intelectuais enfatuados, ao menos estudasse os “clássicos”, levasse a sério uma investigação do ideológico, talvez tivesse percebido isto. Mas pedir aquelas raparigas e rapazes  (mesmo se já com rugas ou cabelos brancos) tanto esforço e estudo parece demais. Como de costume, e à portuguesa, a coisa ia apenas com slogans e gritaria. A famosa “análise concreta condições concretas” pedida por Lenin era demasiada areia para a camioneta bloquista.

A própria etimologia da palavra “bloco” e as circunstâncias difíceis que presidiram à sua fundação exigiriam que numa primeira fase houvesse especial empenho em diluir os grupos, chegar a consensos internos e tentar unificar de uma vez por todas o que era possível unir. Nada disso ocorreu. O BE falava a três vozes e, mesmo sem estar lá dentro percebiam-se as tensões e  as resistências herdadas do momento federador. 

Não sei se foi a morte de Miguel Portas que abriu a porta mas é verdade que, desde então, se multiplicaram os rumores e os exemplos notórios de divergência interna. E, concomitantemente a “bunkerização” do ajuntamento, a negação das evidências e, por arrastamento, a negação do real.

O discurso bloquista (quer o vindo da direcção bicéfala, quer o dos comentadores próximos nas diferentes televisões) começou a ser cada vez mais redondo, mais para onsumo interno, mais cassete, enfim uma mistela que arrepelava mesmo os mais entusiásticos simpatizantes exteriores. E foi o que se viu: ao discurso ineficaz votação decrescente, um balde de água fria.

Agora, com a estridente chegada do Verão do seu (deles) descontentamento, a coisa implode por todos os lados. Uns saem, outros esperam o seu momento, a direcção faz que anda mas recua, o sector maioritário afirma a sua diferença enquanto se fragmenta (Fazenda já não se entende com vários ex-UDP) e, cá para fora, sai a habitual mensagem, ouvida vezes sem conta, desde que a Esquerda é (ou tenta ser) Esquerda: o Partido fortalece-se enquanto se decanta e depura. De vitória em vitória até à debandada final.

Alguém comentava doloridamente que aquilo nem parecia coisa do dr João Semedo, uma pessoa tão experiente, tão afável, que fala baixo, que é cortês e, vejam lá, até tem uma profissão a sério, que tudo devia ser obra da drª Catarina Martins, tão impulsiva e estridente.

Lamento muito desapontar este disfarçado sexismo comentador: não afasto a hipótese da excelente senhora ser um pouco impulsiva, as mulheres nesta lide política têm de se mostrar com mais veemência para poderem ser ouvidas mas isso não é (ou pode não ser)  sinal absoluto de radicalismo. A drª Martins não será uma teórica como a finada Rosa Luxemburgo mas está por provar que os seus camaradas sejam sequer vagamente espartaquistas, máxime revolucionários e com um projecto para Portugal.

No que toca ao dr Semedotambém não bastam as apregoadas virtudes que ele provavelmente terá. A verdade é o que o seu discurso não “passa”, o seu passado de militante inflexível do PCP não o recomenda excessivamente e não se consegue vislumbrar que ele tenha autoridade moral e política suficientes para coordenar o bloco.

Vir agora proclamar que não quer ser muleta do PS é uma frase que não pega nem o justifica: sem o PS não há governo de Esquerda em Portugal por muito que, como eu, se pense que este PS de Sócrates a Seguro será tudo o que quiserem excepto uma alternativa à Direita que governa. Mas o problema dos ps portugueses não é só de cá. A esquerda europeia parece uma pescadinha de rabo na boca.  Salva-se a imagem de Renzi mas para já  o melhor é esperar para ver: tem seis meses e presidência europeia e, sobretudo, outros tantos de governo na Itália para mostrar de que farinha é feito.

Ao negar-se a muleta do PS o BE apenas diz nada. Que se saiba nunca o PS lhe pediu fosse o que fosse... et pour cause. E agora, em plena deliquescência, o BE não só não é fiável como aliado mas também é corrosivo se não venenoso.

 A balbúrdia pega-se como se pode ver até no caso GES/BES. E as consequências estão à vista. No grupo económico há evidentes e preocupantes sinais de naufrágio o que não augura nada de bom para este desgraçado país que assiste desde há cem anos ao espectáculo pouco atraente do apetite incontrolável de uma estirpe de financeiros. No BE, pelo menos, as consequências não são relevantes. Aquilo  é como a acne juvenil:passa com o tempo e não deixa saudades.

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