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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

estes dias que passam 323

d'oliveira, 19.03.15

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Carta a um ilustre advogado

 

Prezado Colega

 

Permita-me a mim, um já velho e reformado jurista, vir, desta forma felicitar V.ª Ex.ª pela coragem demonstrada ontem, urbi et orbe, graças à Televisão quando saía do Supremo Tribunal

Vi, claramente visto, como dizia o nosso imortal zarolho, como um advogado enfrentava uma multidão de jornalistas que, como ele próprio mais tarde explicitou, mais parecia uma matilha a cercar um nobre javali.

Na minha curta vida de advogado nunca tive de lidar com gente tão impaciente e ululante mas os tempos eram outros e o saudoso governo do Professor Marcello Caetano, mesmo não morrendo de amores pela classe dos advogados, não permitia excessos jornalísticos fossem eles quais fossem. A libertinagem nos media começa de mansinho e acaba sabe-se lá onde.

Mais tarde, desempenhando outras funções, travei conhecimento com um jornalismo mais impetuoso já sem o açaime (permita-me esta enviesada citação a partir dos seus desabafos) da censura governamental ou outra.

A democracia é neste aspecto perniciosa para quem tem de prestar declarações.

E pouco respeitosa!

Como calculará, apreciei imoderadamente o facto de V.ª Ex.ª ter declarado a uma jornalista assanhada que ela “cheirava mal” (bom faro, caro Colega, bom faro...) e o conselho (Vá tomar banho!).

Nem entendo como é que a criatura se sentiu atingida! Tomar banho é uma actividade normal que atinge o seu mais alto grau lúdico quando é numa piscina decente ou no mar salgado que, como é sabido, é feito de imensas lágrimas de Portugal. Nos restantes casos (duche, banheira ou qualquer recipiente de plástico mais modesto) sempre releva a higiene e é bom que o lembremos.

Recordará V.ª Ex.ª que nos deveres do filiado da saudosa Mocidade Português avultava um que expressamente declarava que “o bom filiado é aprumado, limpo e pontual”.

Não sei se V.ª Ex.ª se dedicou às actividades obrigatórias da MP que eu, vergonhosamente, ahimé!, pouco segui e sempre de má vontade. No caso de ter briosamente cumprido as carreiras de lusito, infante e vanguardista (ou, até, cadete) terá tido contacto com esta e outras máximas de elevado valor social e patriótico. E que deixam marcas: valha por exemplo o seu conselho generoso e amigável à citada jornalista.

No que toca à MP, confesso que nem farda tive nos primeiros tempos e que, já em África, descobri, maravilhado, a existência de uma quase clandestina “secção de cinema” onde durante três anos fabricamos uns escassos centímetros de desenho animado. A minha colaboração consistiu em desenhar umas pavorosas palmeiras ou coqueiros que mais pareciam borrões verdes e castanhos a fingir de vassouras erguidas na vertical. Gostaria de dizer que era já o meu espírito revolucionário a manifestar-se mas devo confessar que era apenas falta de jeito para a coisa.

Todavia, na cartilha do bom filiado da MP não constavam referências a animais domésticos, particularmente cães, com mau cheiro ou não. E muito menos a cadelas...

Confesso igualmente que lá em casa vigorava um sistema educativo um tanto ou quanto severo e, se a família me ouvisse comparar alguém a um cão, certamente me arderiam as bochechas para já não falar nas nádegas. Era o método Montessori versão CR.

Fui, portanto, uma vítima envergonhada de jornalistas mal educados a quem respondi sempre com evangélica paciência ou com um espesso silêncio se a coisa descambava. No meu íntimo chamava-lhes tudo mas, cá para fora, arreganhava a dentuça num rictus que, só por boa educação, se poderia considerar sorriso.

Ai o que eu passei!

Porém, ontem, V.ª Ex.ª vingou-me e a todas as vítimas do assedio jornalístico.

Ah, aquela referência elegante, espirituosa e tão popular à “canzoada” que se tem que aturar! Nem o nosso falecido colega Eça de Queirós seria capaz de uma metáfora tão inteligente e educada! Como diria o saudoso Thomás “só tenho um adjectivo: gostei!”

Esperamos ansiosamente outras versões de grupos de jornalistas: “então lá temos que aturar esta vara de suínos” ou, mais requintado, “temos de aturar estes oxiúros?”. Noutro tom: “que récua de criaturas!”

Obviamente não se prevêem alusões a enxames, cardumes ou, mais aereamente “que bando de estorninhos!” Falta de nervo e escassez de ironia.

Nós portugueses somos tímidos e demasiadamente educadinhos. E incapazes de escorraçar a “canzoada” a pontapé ou brandindo o argumento sólido e contundente de uma vara de marmeleiro.

De tudo o que a televisão fartamente mostrou só me ficou um engulho: se não vi mal, V.ª Ex.ª ia carregado com uma volumosa pasta, . Porque razão não desatou à “pastada” contra aquele gentio inquisitivo e perturbador? A pasta seria demasiado pesada? Temeu V.ª Ex.ª por algum computador nela guardado? Ou receou que o couro antigo e polido da nobre pasta fosse estragado por piolhos, lêndeas, carraças e demais bicheza que certamente habita as cabeças maldosas dos jornalistas?

De todo o modo a reportagem da TV foi sem dúvida um momento alto neste inesperado mas contundente percurso da já longa carreira jurídica de V.ª Ex.ª

Já tínhamos um Araújo, aliás Carvalho, como modelo de herói nacional. Acrescenta-se agora, um João, novo cavaleiro andante “sans peur et sans reproche” das causas dos inocentes relativas aos perseguidos pelo fero juiz Carlos Alexandre.

Bem haja!

Seu profundo admirador

mcr

 

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