Estes dias que passam 330
Impressões a quente
Neste exacto momento ninguém se atreve a avançar números sobre a manifestação de Paris. Para quem conhece Paris e viu o percurso Republique Nation completamente entupido, para quem viu que a abertura de percursos complementares até à Bastilha de pouco serviram, para quem viu engarrafamentos de gente em todas as ruas que convergiam para este enorme triângulo do 11º bairro, também não é possível fazer contas.
Entre muitas imagens dadas pela longa reportagem da TV5 (e algumas eram extraordinárias) fica a sensação da grande serenidade dos manifestantes, do empenhamento cidadão (e vários entrevistados diziam isso mesmo (on est ici comme citoyens, voilá!), do apelo constante à recusa da mistura entre Islão e terrorismo radical islamista (e a este propósito uma imagem belíssima de duas mulheres muçulmanas que ocultavam os seus cabelos num véu azul, branco e vermelho. Uma delas trazia ao colo o seu bebé e tudo nelas transmitia a ideia de que eram francesas, se sentiam bem em França e que isso as obrigava a estar ali dizendo isso mesmo.
O mesmo se poderia dizer de uma portuguesa chamada Olga que trazia um filho pela mão e que fortemente comovida explicou com clareza porque ali estava. (Aliás é bom recordar que se viram inúmeras bandeiras portuguesas na manifestação, sinal de uma comunidade integrada e bem adaptada).
Os jornalistas começam a apostar entre milhão e meio e dois milhões de manifestantes em Paris a que se juntam outro milhão e meio de manifestantes na “província” (e ontem já se teriam manifestado mais de setecentas mil pessoas).
Que seis horas depois do começo da manifestação ainda haja cerca de trezentos mil a marchar na noite fria dá que pensar.
E anima, convenhamos.
Poderá, afinal, não ser tão próxima a entrada triunfal de Marine Le Pen no Eliseu. Assim seja!
A propósito desta harpia moderna a quem uma burka não ficaria mal para nos poupar o espectáculo duma valquíria deslavada a quem Cabu chamou numa imortal caricatura “o homem do momento”, é bom lembrar algumas das suas propostas (abolição de Schengen, restabelecimento da pena de morte e deixo-vos adivinhar o resto) , recordemos a declaração do excelso pai (Desolé je ne suis pás Charlie: lamento mas não sou Charlie) que soaria a provocação mas não passa de uma trivialidade. Aliás, alguém respondeu Se ele dissesse que era Charlie eu passaria a afirmar-me imediatamente “Le Pen”.
Deixemos todavia estas fétidas presenças e passemos à habitual canalhice nacional, nossa: um descerebrado pensando ser a encarnação do cruzado Osberno escreveu na parede da mesquita de Lisboa a data da conquista da cidade aos mouros.
Como provocação é ridícula, como História é uma imbecilidade. Desde que Portugal é Portugal sempre houve muçulmanos entre nós (basta recordar as “mourarias” em numerosas terras do Sul, as lendas da “mourinha encantada” (essas em todo o lado) e, desde que Portugal se afirmou como império, sempre houve vassalos muçulmanos, nomeadamente em Moçambique desde o século XVI.
Durante a guerra de África, houve mesmo quem aclamasse os muçulmanos contrapondo-os ao traidores indianos. Na AR (e antes se não estou em erro, houve um que outro deputado muçulmano mormente da Guiné). A comunidade muçulmana portuguesa não é numerosa mas tão pouco é ignorada. Ainda neste Natal, se bem lembro, a mesquita abriu-se a muitos portugueses sem abrigo para um jantar de Natal numa manifestação de tolerância, respeito e piedade que honra um dos cinco pilares do Islão, o socorro aos mais necessitados. Querem melhor prova de tolerância inter-confessional?
O palerma que foi vomitar o seu ódio na parede da mesquita é apenas isso: um fenómeno do Entroncamento no que toca a estupidez. Tem vocação de oxiúro, está tudo dito!