estes dias que passam 334
Lisboa, sempre, o Porto de vez em quando
(e os arredores excepcionalmente)
mcr 7-10-19
As eleições acabaram, o país respira de alívio, os comentadores gargantearam a preceito e a confusão estabeleceu-se quanto a vitórias e derrotas.
Quem ganhou?
O PS teve mais deputados e mais votos (120.000, números redondos). Ganhou, portanto. Todavia ficou aquém da maioria absoluta por que lutou denodadamente. E agora? Vai “gerigonciar”? Com quem? O “Livre” e o “PAN” não chegam, o PC não arrisca e o BE, guloso, vai querer um dote condigno.
Assim sendo, esta vitória sabe, “a poucochinho”. E, no entanto, tudo parecia correr sobre rodas, a conjuntura externa e o milagreiro Banco Central Europeu, a cordura sindical nas ruas, a patuleia instalada no PPD/PSD, as hordas de turistas sobre o país indefeso a permanente paciência dos portugueses face ao descalabro do SNS e de mais uma boa meia dúzia de serviços públicos. A quatro, cinco semanas das eleições a maioria absoluta estava “no papo”. Ontem andou ausente e em parte incerta.
No BE, ao que se via nas televisões, o ambiente parecia festivo. Sorrisos e palminhas, muitas palminhas. Celebrava-se o quê? Os 50.000 votos desaparecidos mesmo se o número de deputados se manteve? E para onde foram esses votos? Quiçá para o Livre, jamais par o PC e eventualmente para o PS. A ouvir os comentários (ai os comentários!...) a grande vitória do BE está no facto da maioria absoluta não ter sido atingida pelo PS. Como quem diz “com o mal dos outros posso eu bem”.
Ontem, alguém afirmava que o “Iniciativa Liberal” fora buscar a sua base de apoio aos “bairros chiques”. E o BE foi onde? Às zonas de exclusão, aos bairros da lata, aos cintrões industriais? Não me façam rir que tenho cieiro...
O PAN quadruplicou o su número de deputados. É obra! Sobretudo porque depois da absoluta mediocridade das prestações do seu líder, convenceu quase mais noventa mil eleitores. D repente, um número apreciável de portugueses acordou “ecologista” ou algo do mesmo género. A pergunta que se impõe para este súbito entusiasmo pelo planeta (num país desenfreadamente “plástico”, beatas na rua, cocó do cãozinho em todas as esquinas e abandono galopante de animais domésticos) pode ter alguma resposta no facto de nestas últimas e decisivas semanas se ter realizado a grande e anual discussão sobre os efeitos nefastos da actuação humana sobre o clima. Que o perigo é evidente e diário já se sabe mas que a sua discussão neste momento ajudou não me restam dúvidas. Todavia, a pergunta permanece: que vai o PAN propor sobre praticamente todos os grandes temas a que não respondeu ou respondeu mal durante a campanha?
Dentre os vencedores estão obviamente os três recém chegados ao parlamento. Curiosamente, as reacções divergiram. A chegado do “Livre” e do “Iniciativa Liberal” não causaram um décimo do alvoroço da entrada em cena do “Chega”. O “comentariado” estabelecido e com tabuleta para a rua, encheu o peito e uivou condenações. Pelos vistos as dezenas de milhares de eleitores que (outra vez em Lisboa) levaram o senhor Ventura ao parlamento são uns réprobos ou, no mínimo, uns imbecis catatónicos. Tudo pelas declarações cuidadosamente escolhidas daquela gentinha. Pessoalmente, dou tempo ao tempo e espero para ver, como no poker. Em toda a europa há gente bem pior, representada nos parlamentos e as instituições lá vão funcionando, às vezes bem melhor do que cá. Que eles se anunciam populistas não há quaisquer dúvidas mas ainda os não vi apregoar o partido único o lager ou o gulag, a polícia política, a limitação das liberdades públicas ou a proibição dos outros partidos.
O Chega é segregado por minorias localizadas idênticas ás que deram origem ao “Livre” ou até à “Iniciativa Liberal”.
E se quisermos levar com rigor esta pesquisa a cabo verificaremos que excepção feita aos chamados partidos do “arco da governação”, até o PCP carece de uma implantação nacional equilibrada... para não falar no BE e no PAN que não saem de parte do litoral entre Porto e Setúbal...
Neste grupo de pequenas formações o caso mais inesperado é o da “IL” que ao fim de poucos meses consegue atrair o número necessário de portugueses para (batendo o Livre) entrar no parlamento. Ontem acusaram este novíssimo partido de ter gasto uma fortuna. Só pelos cartazes imaginativos valeu a pena.
Aliás, ontem, embevecido pela vitória, o coordenador do Livre afirmou que, entre outras virtudes, o partido só tinha gasto 10.000 euros. Deve esquecer-se da sua tribuna trissemanal no “Público”, das vezes que é entrevistado nas televisões e dos anos que passou no Parlamento Europeu, à boleia do BE, primeiro e como “independente” depois.
Passemos aos vencidos.
Do dr. Santana Lopes, esse cavalheiro que “anda, há anos, por aí” não vale a pena falar. A criatura no seu ziguezagueante percurso político apenas conseguiu ferir com alguma gravidade o PSD/PPD. Ainda ninguém percebeu porque saiu e ao que vem. O resultado foi o que se viu, nem 40.000 votos, apenas um pouco mais do que os amigo do sr. Tino de Rans!
Os restantes (incluindo o inefável MRPP que já tinha idade para ter juízo e direito à reforma por inteiro) são meros ajuntamentos de amigos de que não vale a pena fazer a destrinça. Desta vez faltou-nos o POUSque também já não comparecera em 2015. Curiosamente estes doze grupos averbam muito menos votos que o somatório de brancos e nulos. Ou seja, houve dumais de 200.000 portugueses que se deram ao trabalho de ir testemunhar nas urnas que se não queriam os grandes também não queriam os pequenos!
O CDS deu à costa como o S Macaio. Todavia, ao contrário daquele quase ninguém se salvou. Naufrágio completo com perda de pessoas e bens (de 18 deputados passa para 5 o que também resulta do facto de os seus eleitores estarem estarem dispersos por quase todo o país Se sofressem da mesma concentração do PC ou do BE poderia ter elegido mais 3 ou 4). Quase se diria que por pouco não morria na mesma semana do passamento do seu fundador. Este que teve um percurso pelo menos bizarro (até ministro de Sócrates foi!!!) vingou-se além túmulo do partido que mandou, despeitado mas com alguma razão, a sua fotografia para o Largo de Rato. Assunção Cristas teve o bom senso de se demitir que o caso não é para menos. Regressa o fantasma do táxi e, pior do que isso, tornaram-se mais opacos o programa e a ideologia deste partido.
O CDS entrou em modo de espera.
O PCP perde um terço dos seus deputados (incluindo aquele senhora Apolónia, verde por fora e vermelha por dentro) e quase um terço dos seus eleitores. A lei natural da vida estará, um pouco, na base desta perda. O “partido” não atrai jovens em número suficiente para colmatar a morte dos velhos e dedicados militantes. Parafraseando Churchill, isto “não é o princípio do fim mas o fim do princípio”. Todavia, mantém a sua máquina sindical, a rígida disciplina interna qua abafará as acusações ao apoio à geringonça e, se acaso se puser fora desta, tornará a rua insegura par o PS.
E o PPD/PSD?
As más línguas afirmam que teria perdido 500.000 votos. É não contar com os que vinham do CDs com ele coligado na PAF. Mais líquido é o facto de ter perdido 22 deputados, mesmo se este resultado não tem em linha de conta as perdas derivadas de não existir coligação alguma.
Rio, ontem, era um derrotado calmo ou mesmo “aliviado”. De facto há um mês o PSD andava a arrastar-se pelos 20% e acaba ultrapassando os 27%. Também é verdade que, mesmo sem o beliscarem muito, a Aliança, o Chega e a Iniciativa Liberal podem ter-lhe arrebatado entre 80 e 100.000 votos. A oposição interna pode ter desviado para a abstenção mais uma boa fatia de votantes habituais, enquanto o efeito Costa/Centeno terá arrebatado um númeo grande dos chamados eleitores “móveis” que não obedecem a nenhuma disciplina de voto. Até o PAN lhe pode ter retirado vozes.
O estado de guerra civil larvar no PSD/PPD não é uma novidade mas, desta feita, a verdade é que Rio só agora controla a frente parlamentar e poderá eventualmente enfrentar os seus numerosos (e nem sempre conhecidos) adversários internos com alguma vantagem. No meio da derrota pungente obteve uma vitória pírrica: tirou a maioria absoluta que esteve à mão de Costa. Esse mérito só a ele cabe. Nem o PCP, nem o BE nem a dr.ª Ana Gomes, sempre desassossegada, se podem gabar do mesmo. Os dois partidos perderam cerca de 150.000 votos de 2015 para 2019 pelo que a campanha por eles desencadeada contra a maioria absoluta morreu na praia. Foi Rio quem, perdendo votos, não perdeu os suficientes – como há um mês alguém previa – para assegurar a Costa o tapete vermelho. Neste capítulo, rio, ao perder ganha qualquer coisinha e torna a constituição do futuro Governo mais insegura, mais difícil e menos estável.
Eu nunca votei no dr. Rio fosse pra que cargo fosse. Aliás, não o conheço nem me apetece conhecê-lo. Porém, estando na mesma cidade, interessando-me pela poítica local e pela nacional, cedo percebi que a criatura tem uma qualidade: é “resiliente”, teimosa e violentamente “resiliente”. A primeira vítima disto foi o dr. Fernando Gomes que, depois de uma disparatada e inútil incursão ministerial a convite de Guterres, tentou regressar à Câmara Municipal do Porto. Na altura, um parceiro meu de bridge e militante desapaixonado do PPD informou-me sobre Rio. “O gajo é um chato, só arranjou complicações enquanto Secretário Geral, indispôs os militantes ou os sindicatos de militantes que tinham a mesma direcção postal e só apareciam como homens de mão para votar nas eleições partidárias internas”. E acrescentou: “no partido anda tudo entusiasmado com a candidatura à Câmara. O Gomes vi esmaga-lo e o rio deixa de chatear o indígena. E chega de política que estamos aqui para um bridge sossegado!”
Fernando Gomes regressou ao Porto e ao saber quem tinha pela frente terá pensado que nem valia a pena dedicar demasiado tempo à campanha. A Câmara era PS, estava lá, mesmo que zangado, um testa de ferro dele e os portuenses, pensava Gomes, na sua inocência de nativo de Vila do Conde, são pessoas agradecidas. Talvez sejam, digo eu, mas também gozam de uma memória de elefante. E, na cidade, caíra mal o abandono da Câmara e consequente ida para um ministério ridículo em Lisboa. E Rio ganhou (42 contra 38%) tornando-se assim Presidente da Câmara e obtendo depois maiorias absolutas. Ao sair, conseguiu eliminar da corrida, Luís Filipe Meneses vindo da Câmara de Gaia, mesmo que isso tivesse como consequência entregar a cidade a Rui Moreira (que também é Rui, é tripeiro e tem a frieza suficiente para, de certo modo, continuar o legado de Rio, resumindo, contas à moda do Porto).
Este longa excursão sobre um homem do Norte, que na política sempre preferiu um par de princípios aos jogos malabares, teimoso e chato como a espada de D Afonso Henriques, tido por bom gestor, pouco dado a salamaleques, não explicam tudo, porventura até muito pouco, mas tentam provar que Rio, ao contrário de muitos outros, anda por ali sabendo bem o que faz. E a prova provada foi a sua campanha que deixa a de Costa a milhas. Ao ponto de um comentador, dos encartados, afirmar que com mais quinze dias o PPD reduziria bastante a diferença com o PS. Eu não iria tão longe que do nariz de Cleópatra não me ocupo, mas faço parte da pequena tribo dos macacos de rabo pelado e nunca achei que, mesmo não simpatizando, se devia subestimar Rui Rio. Se vai ou não levar de novo o PPD/PSD à terra onde corre o leite o mel não sei pois, como ele, prudente e avisadamente, afirmou, em cima da realidade portuguesa, há a conjuntura internacional, o Brexit, as guerras comerciais EUA- China, e tudo o resto.
E no rol dos perdedores poderia constar aquele PS que sonhou – e com razão!- com a maioria absoluta. Isso era (é) a única maneira de governar sem estar dependente dos “humores” ou da chantagem dos parceiros daquela vaga frente popular. Governar “a la carte” pode significar ter de fazer acordos com os vencidos de ontem, umas vezes, e com o BE (e eventualmente com o PCP) . As experiências passadas (e o auge foi atingido com a coligação do queijo Limiano! ) não são entusiasmantes. Se a geringonça paralisou o país no que toca a investimento público não será agora que, de súbito, a bolsa do Estado se poderá dedicar às necessárias (aliás urgentes) tarefas que se anteveem.
Não é o impacto da entrada de meia dúzia de deputados dos pequenos partidos que torna a situação mais melindrosa. É a falta de uma maioria estável e robusta (e ousada!) que vai condicionar a nossa vida nos próximos quatro anos (ou dois se tivermos em linha de conta a enigmática frase de Costa, cuja explicação é imperiosa.
A ver vamos, como dizia o cego...