estes dias que passam 337
O que faz correr Costa?
(E os outros?)
Não vale a pena cair na tentação de acusar António Costa de falta de carácter. O percurso sinuosa da criatura, de há uns anos a esta parte, é suficientemente claro: Ainda Seguro estava a balbuciar e já Costa ameaçava avançar. Por razões evidentes, apesar dos apelos para tal, Costa “borregou”, como vários apoiantes da altura afirmaram. Receou perder o combate que ele próprio anunciara. Foi preciso que Seguro(depois de ganhar umas eleições autárquica) vencesse – mesmo que sem grande expressão – as eleições europeias, para o actual Secretário Geral num raro golpe da audácia criticar a “vitória que sabia a poucochinho”. Daí à ascensão ao poder foi um rapidinho. Costa, amparado em previsões de vitória nas próximas legislativas, expulsou Seguro que, em boa verdade, era um adversário frágil.
Durante o corrente ano, tudo lhe predizia um futuro risonho e cor de rosa. Como bom autista, Costa não duvidava da vitória. A coligação tinha sido tão causticada, os portugueses tão sacrificados, que só um optimista fanático dava uma qualquer vantagem à dupla Passos/Portas.
Todavia, uma coisa é o vozear partidário, a estridência sindical e a fúria apocalíptica dos comentadores, outra é a percepção dos cidadãos comuns, dos paisanos, dos que ao fim e ao cabo votam (ou não).
A partir do início do Verão, começaram a verificar-se dois fenómenos. Costa parecia paralisado nas sondagens e a Coligação lá ia subindo a ladeira, deixando para trás o precipício para onde alguns, mais atrevidos ou menos prudentes, a tinham atirado. Indicadores económicos e sociais teimavam reaccionariamente em desmentir os profetas da esquerda radical. Na Europa, essa agora hedionda Europa, Varufakis ia à vida, Tsipras ganhava o referendo e perdia apoios e acabava por passar sob a as forcas caudinas de um acordo mais duro do que aquele que recusara. Radica aqui a deserção de Costa (e do BE) do grupo efusivamente apoiante do Syriza. (Os amigos, vê-se, são para as (boas) ocasiões). Nem Costa o “ponderado” nem as “meninas” do BE dantes tão, tão, tão amiguinhas do Syriza e de Tsipras tinham antes pensado com algum bom senso na impossibilidade de vitória da política aventureira de Tsipras e do inefável Varufakis, que se sentia “odiado” por todos os restantes colegas da U. Este académico via o mundo desde uma nuvem, ou, na melhor das hipóteses da sua magnífica residência com vista para a Acrópole. Convenhamos que, em termos de esquerda caviar, Varufakis reeditava com agravante e (e pequeno-burguês) exibicionismo, a impudente aventura dos rapazes ricos com ansias de protagonismo social. E que bem que lhe ficava o blusão de couro!.. E o cachecol da Burberry... Chique, proletariamente chiquérrimo!...
Deixemos estas bizarrias greco-lusitanas e passemos à vaca fria:
Não vale a pena recordar aqui os epítetos que, durante a pré campanha (e a campanha) foram atirados ao PS pelos seus, agora tão generosos e entusiásticos, apoiantes. De Costa e dos socialistas disse-se o que Mafoma não disse do presunto.
E as sondagens a continuar a recusar ao PS a vitória. Pior: a começarem a concede-la à Coligação.
O discurso de Costa, que já não era muito claro, começou a tomar a forma de um patético ziguezague em que valia tudo e o seu contrário. Foi isso, e a inabilidade medonha da campanha acentuada pela critica cada vez mais corrosiva da Esquerda comunista e bloquista, que deu corpo à derrota do dia 4.
Todavia, costa já era fracote há muito tempo, pese o seu ar pesado e lento. Nada tenho contra os desvarios juvenis que nele se manifestaram com uma adesão à JS aos tenros catorze aninhos. Com essa mesmíssima idade cometi um medonho soneto e colaborava num jornal enviando enigmas para uma página onde tinham moderado acolhimento. Devia haver uma falta danada de autores da especialidade.
A Costa sucedeu-lhe aquela acne política: a JS. Perdoa-se sem esforço esta jornada a menos que, o convertido na estrada de Damasco venha constantemente relembrar aquela lança em África (como ocorreu em plena noite eleitoral: pelos vistos a criatura continua a ver-se num espelho deformantemente épico. Arre!)
Costa, o tomba gigantes, foi sendo conhecido não tanto pelos ministérios em que, sem rasgo nem vexame, oficiou. De facto a fama, o conhecimento público veio-lhe (fora de Lisboa e da sua sofrível passagem pela Câmara) da “Quadratura do Círculo”. Nesse palco sangrento em que um renovado esquerdista Pacheco Pereira combatia, sem descanso, o direitista Lobo Xavier, Costa sentado do outro lado assistia calado e no fim tirava as castanhas do lume, nisso revelando bom senso (ou oportunismo, a escolha é dos leitores) e inteligência. Pacheco desbravava o caminho e havia até quem o supusesse porta voz do BE ou do PC tanta era a vis furiosa com que atacava o Governo onde o “seu suposto” partido estava amplamente representado. Dizem-me que Pacheco (ou o seu agigantado ego) não suportou a ideia de se ver pessoalmente suplantado por um rival que não tinha os seus pergaminhos (esquerdismo puro e duro nos fins de sessenta, mais esquerdismo logo depois de Abril, adesão, nos oitenta, a uma fantasmática “esquerda liberal”, fundação de uns “estudos sobre o comunismo” que cedo se finaram e triunfante entrada no PPD por onde foi eleito eurodeputado (ai quem me dera tal sorte!...) e finalmente conselheiro em chefe de Manuela Ferreira Leite.
(no intervalo, justiça seja feita, foi publicando uma biografia política de Cunhal que está encalhada no 3º volume, muito embora se anuncie –como já há um ano!.. – a iminente saída do 4º tomo. Cá o espero, lidos que foram os anteriores mas duvido, com pesar sincero, que a empresa chegue ao fim)
Costa, de novo: engrandecido pela presença televisiva que, em Portugal, faz milagres e até ameaça produzir Presidentes da República, ei-lo a disputar umas eleições que deviam ser canja. Costa assim o pensava e dava-se a poses de estadista sem perceber que não convém calçar sapatos de defunto antes deste estar piedosa e definitivamente enterrado.
Do que foi o ziguezague propagandístico da penosa campanha socialista nem vale a pena
falar. Costa percorreu solitário e tristonho um país apático ou foi acompanhado (como para mal dele ainda o é) por gente do género Lacão ( como bom turista na Galiza, tenho por certo que Lacão só com grelos; o resto e uma perda de tempo. A criatura foi, é e será sempre medíocre e, neste momento, parece ser o ponta de lança dos idiotas úteis) ou a excelsa Maria de Lurdes Rodrigues, outro robusto talento que deixou o programa de construcções escolares falido, incompleto e absurdo. Em tempos parece que foi alvo de um inquérito que, como todos os outros levantados a políticos, acabará por morrer de arquivamento torpe.
Dessa campanha baça e inverosímil, resta apenas a combatividade do BE, a contínua guerrilha do PC, o gesticular atarantado de meia dúzia de gentes esquerdistas que acreditavam no menino Jesus e numa representação parlamentar, e campanha de retirada queimando a terra da Coligação. Coelho e Portas fingiam que nem ouviam Costa e iam angariando os votos possíveis nas zonas em que este último produzia a sua fanfarronice. Tiveram algum resultado, temos de convir.
Foi um homem triste e derrotado que apareceu na noite da derrota. Todavia, mesmo descontando a sua consabida lembrança da JS em idade infanto-juvenil, Costa fez um discurso (será dele?) que parecia não só reconhecer a derrota mas abrir uma porta de diálogo com o restante campo europeísta e atlantista.
Parecia..., mas foi sol de pouca dura. Por instinto de mera sobrevivência política, Costa resolveu cavalgar a onda (logo ele que nem perfil de surfista tem) e apostar numa cambalhota política que, se não me engano, vai criar um berbicacho tremendo no PS e uma insofrida vaga de triunfo nos dois partidos de esquerda que já se sentem, nos seus 20% de votos obtidos, os grandes vencedores destas eleições.
Não é a “frente popular”, claro mas é o seu arremedo em calão. Não é um projecto sólido de governação, longe disso, mas tão só uma coligaçãoo negativa em que os coligados estão de acordo no amplo desacordo quanto às suas posições mais simples. Não é uma estratégia mas tão só uma pequena táctica que vê as árvores e desconhece a floresta.
No meio disto tudo, o PS é uma nave de loucos (guiados por cegos) num mar cor de vinho entre Cila e Caríbdis. Ou de como o PC irá conseguir, ao fim de anos de vã tentativa, o seu antigo mas real objectivo: reduzir o PS a uma pequena e inoperante força política, pouco maior mas tão insignificante quanto o partido verde que traz no alforje.
Leitores não desanimem: o terceiro resgate está a caminho.