estes dias que passam 342
Os amigos de Angola
Angola ou, melhor dizendo, a sua cleptocrática classe dirigente tem amigos à fartazana: ainda há dias um inócuo protesto contra o julgamento de Luati & camaradas presos, morreu na praia do parlamento pelos votos contra da Direita e da Esquerda.
Parece, diziam uns, que tal voto tornaria difícil a vida dos trabalhadores portugueses lá expatriados bem como a das empresas nacionais que lá operam. Outros atinham-se à profunda amizade e camaradagem que os liga ao “revolucionário” MPLA de extinta e pouco saudosa memória.
No meio disto tudo um só naufrágio: a vaga e perdida ideia de que os nossos políticos defendem os Direitos Humanos onde que que seja. Sinais desta torpe situação desde sempre os tivemos: o inenarrável regime venezuelano tem cá apostados defensores (mesmo que não tenham – como corre – apoios financeiros aos respectivos partidos; a insistente presença da Coreia do Norte nas festas do Avante como se naquele país esfomeado corressem os bíblicos leite e mel.
Nunca ninguém, ou melhor: nunca ninguém com responsabilidades políticas se atreveu a questionar a imensa fortuna da senhora Isabel dos Santos (por acaso filha do presidente perpétuo de Angola, José Eduardo dos Santos) ou as outras imensas fortunas dos ministros, ex-ministros, generais, membros influentes do partido quase único (ou até único no que toca à tomada de decisão política) que gere desde sempre com mão de ferro o país.
Angola, para boa parte dos nossos media, é intocável. Durante algum tempo, ainda pensei que a coisa tinha a ver com os remorsos da colonização. Em Portugal temos sempre imensa vergonha do nosso passado sobretudo porque com uma fatal e atrevida ignorância o vemos sempre com os olhos do presente.
Lembro-me sempre do dr Mário Soares a pedir desculpa por um pogrom ocorrido em Lisboa por alturas do reinado de D Manuel. Em breves palavras a história é a seguinte: dois inflamados frades lembraram-se de afirmar que um cristão novo teria tentado profanar ou simplesmente teria duvidado de um milagre ocorrido no Convento de S Domingos. À conta disso uma multidão exaltada percorreu as ruas e chacinou enre duzentos e quatro mil judeus, cristãos novos ou simples pessoas que os tentaram defender. Ao saber disto, o rei ausente no Alentejo mandou juízes À cidade e castigou com exemplar severidade os amotinados (houve várias condenações à morte) e privou os procuradores da cidade de vários e antigos direitos políticos. O próprio convento e a sua congregação sentiram a mão pesado do Rei e se bem recordo o convento chegou a estar encerrado. Ou seja: a um incontrolado movimento de uma população ignorante, estúpida e fanatizada correspondeu um castigo juridicamente tutelado que só honra quem governava. É o gesto do rei que representa de jure a Nação Portuguesa e não o desvario de um bando de arruaceiros cheios de vinho e de ódio.
Todavia, com a melhor das intenções mas desapoiado de um mínimo de conhecimento histórico, o dr Mário Soares entendeu cobrir a cabeça de cinza e penitenciar-se por algo ocorrido vários séculos antes como se os portugueses da segunda metade do século XX herdassem os costumes, o fanatismo e as ideias do ano de 1504!!! É obra!
Voltando às nossas devoções: também agora, em pleno sec. XXI, ao falar de Angola, vem-nos à pobre (des)memória a colonização, a escravatura, a ocupação de Angola (sobretudo entre o quarto final do sec.XIX e o quartel inicial do séc. XX que foi quando de facto se construiu a actual Angola) e desse cocktail mal digerido vem a ideia peregrina de que tudo se deve perdoar aos actuais e angélicos ricos dirigentes de Angola.
Lamento muito: não somos responsáveis de perto ou de longe pela actual situação angolana. Não somos responsáveis pela medonha guerra civil que teve mais mortos do que toda a façanhuda ocupação portugusea; não somos responsáveis pela repressão das gentes de Nito Alves que terá custado mais de 30.000 vítimas. Não somos responsáveis pelos delírios do dr Agostinho Neto, pela poesia admirável do dr Jonas Savimbi (mimosamente editado pelo seu incondicional admirador e editor, sr. João Soares. Não somos responsáveis (mesmo se o toleramos e dele nos aproveitamos) do súbito enriquecimento da srª Isabel dos Santos e restantes colegas.
(Convém, no entanto, anotar que quando entre as esferas do actual poder se põe a hipótese de “arrenegar” da banca espanhola para, em vez dela, pôr tal senhora ao leme de bancos portugueses, não parece descabido lembrar que tal operação mais parece uma tentativa de legitimar uma lavagem de dinheiro do que outra coisa menos tristonha. E, pior: manter a nossa banca em mãos tão estranhas quanto ávidas. Ou ainda: trocar de donos mas não de coleira!).
Angola, pede ajuda ao FMI. Ainda estou por perceber por que é que os prestimosos PCP e BE sempre prontos a denunciar os malefícios do capitalismo não propõesm aos seus amigos de Lunda a nacionalização imediata dos bens da extremosa filha do Presidente edos restantes cavalheiros que escandalosamente se apresentam com gigantescas fortunas.
Não é a baixa cotação do petróleo que avaria o sistema angolano. É o roubo e a corrupção generalizados e bem patentes que atiram o país para o fundo. É a falta de direitos elementares; é o desprezo por noventa por cento da população que vive miseravelmente; é a cumplicidade que vários governos mantêm com os senhores de Angola e o tolerar inacreditável com os editoriais do jornal oficial de Angola que, ao menor pretexto, ladra contra adversários de dentro ou de fora; é a incapacidade de uma classe dirigente para gerir decentemente um país. Angola estende a mão ao FMI. Vejamos se este se comporta com ela com um rigor pelo menos idêntico ao que usa com outros países em dificuldades.
Mesmo se, como julgo, só uma revolução sério, possa eventualmente salvar Angola.