estes dias que passam 348
Uma vitória, duas derrotas
Eu sei que as eleições francesas já deram o que tinham a dar. Macron ganhou, diz-se (e é gloriosamente verdade) e basta. Não, não basta. Não basta por toda uma série de razões: Macron neste momento já vai nos 66, 1 contra 33,9 de Le Pen. Ou seja já está quase no dobro da adversária. É uma derrota pesada, pesadíssima para esta, digam lá o que disserem.
Mesmo com uma crescente abstençãoo, Macron ganha folgadamente, o que significa não apenas a rejeiçãoo da adversária mas também, que diabo!, a aceitaçãoo de algumas das suas propostas.
Os arautos da insubmissão (e amigos da Maduro, convém lembrar) não conseguiram impedir esta limpa vitória, sequer ensombrá-la. Das duas uma: ou os seus eleitores menos próximos desobedeceram às vergonhosas recomendações de voto branco (e estou em crer que foram bastantes) ou outros antigos abstencionistas perceberam que isto não era a feijões e que a tese ultra imbecil do “quanto pior melhor” tresandava.
Há uma certa ironia histórica nisto. Em tempos não demasiadamente recuados (Alemanha nos anos 30) o forte KPD (Partido Comunista Alemão, obedecendo ao Komintern, lançou a política “Klasse gegen Klasse” (classe contra classe) atacando com a máxima virulência o SPD (Partido Socialista) que foi considerado a “vanguarda da reacção”, um bando de social-fascistas e outros mimos do mesmo género.
Foram baldadas as tentativas de criar uma frente comum anti Hitler, e o resultado foi devastador. Uma vez no poleiro o “pintor de paredes” ilegalizou o PC e mandou os seus deputados e dirigentes para os campos de concentração entretanto inaugurados. O PS não demorou a seguir este destino mas por uma causa nobre: os socialistas negaram votar os “plenos poderes” a Hitler e foram, por sua vez, reduzidos à prisão e ao exílio.
Quando a classe contra classe morreu já era tarde. Todavia, logo que a guerra eclodiu, os partidos comunistas, mais uma vez em obediência cega às directivas da 3ª Internacional, condenaram as potências democráticas e declararam-se neutrais. Em França, levaram o atrevimento impudente a solicitar das entidades ocupantes, licença para voltar a publicar”L’Humanité”. Os alemães recusaram.
Foi preciso que a Alemanha invadisse a URSS para, então, os comunistas ocidentais se proclamarem anti-fascistas e combatentes!...
Felizmente, anda restava em França alguma memória destes tempos miseráveis em que os comunistas silenciavam as atrocidades do ocupante e o servilismo de Vichy. (para memória: logo que a ocupação alemã se tornou efectiva, Paul Nizan, destacado intelectual comunista, recusou a directiva da Internacional. Foi acusado pelo servil Thorez, dirigente do PCF, como traidor e polícia!...Assim se vê de que lado estava a inteligência e em que fossa nadava o colaboracionismo dos pseudo-revolucionários vermelhos. )
Voltando às eleições francesas, depois desta digressão infelizmente necessária dada a ocultação da história recente: A vitória de Macron é também a vitória de quem vê o mundo actual tal como ele é e está, contra os saudosos do passado. Queira-se ou não, 2017 não é 1917, 1870 ou 1789. O mundo em vogam inocentemente os Mélenchons e os seus amiguinhos e amiguinhas portugueses, não existe, não volta. Se importa mudá-lo convém, para já, compreendê-lo, explica-lo.
E para tal, é necessário rearmar a ideia de Europa, desta comum Europa que, pela primeira vez na História está em paz há mais de setenta anos. Em França ou cá, onde também, quatro tristes agoureiros (ou agoureiras) pretendem convencer-nos contra a mais plácida e visível evidência de que o euro, a Europa, o cosmopolitismo, são a doença e não a cura. Há que melhorar as coisas? Claro! Há que democratizar as instituições comunitárias? Sem dúvida! Há que repensar a política internacional e interna? Absolutamente (e aqui vai uma dica: conviria pensar num parlamento nacional eleito mais democraticamente sem se elegerem deputados à molhada. Seria bom podermos chamar à pedra o fulano (ou fulana) que elegemos para ver se não se escondem na multidão que vota sem ligar nenhum aos eleitores).
A vitória de Macron é, sem qualquer dúvida, uma vitória sobre a direita, nacionalista, autoritária e xenófoba mas também sobre uma esquerda identicamente autoritária, igualmente nacionalista e, graças à sua diabolização da mundialização e do espaço europeu, recorrentemente xenófoba também. Digam eles o que disserem. Para caricaturas de Maduro, já chega o “Podemos”, não precisamos do pobre Mélenchon.
Paz à sua alma. Amén!
* na gravura duas bandeiras: a francesa e a europeia. É assim que se pode fazer a História. Assim seja.