Estes dias que passam 376
As opiniões do meritíssimo
mcr 8.8.2018
Eu não me posso confessar como um entusiasta das polícias por muito civis e civilizadas que elas sejam. Por trás desta minha má vontade há toda uma vida, toda uma história. Tudo começou num fim de tarde bracarense (também eu, me quoque- ora tomem lá latim shakespeareano me passeei mesmo se brevemente por Braga a idolátrica) nos idos de 1958. Saía de um filme, eventualmente “Uma ilha ao sol” (R Rossen, realizador com Harry Belafonte e Dorothy Dandridge, música sublime) quando uns policiais cavernícolas entenderam que aquilo, aquela multidão que saía de um cinema, constituía uma manifestação de apoio ao General Humberto Delgado. Vai dái foram-nos empurrando à bastonada para a “Avenida” onde, de facto, havia centenas de adeptos da “oposicrática” que esperavam o candidato às eleições presidenciais.
Não gostei de sentir os meus jovens lombos acariciados rudemente pelos cassetetes da “bófia”. Dois ou três anos depois, por ocasião de uma farsa denominada eleições para deputados (1961), fiz parte, consciente dessa vez, de uma manif que protestava contra a proibição de um comício no Teatro Avenida em Coimbra. (Recordo-me, como se fosse hoje, das instruções do advogado Alberto Vilaça ao reduzido grupo de agitadores no qual eu era ainda caloiro). Foi em plena Portagem em Combra que percebi que tinha uma desgraçada predisposição para ser espancado pela polícia. No ano seguinte, o ano da crise académica de 1962, voltei a levar traulitada das forças da (des)Ordem. E nunca mais acabou este circo de protestos, corridas, e bordoada avonde. Eu não falhava uma manif e a polícia quando eu não me conseguia escapulir, não me falhava o magro corpinho. Em finais de 60, inícios dos setenta internacionalizei-me. Paris em 69, Berlim em 70, Madrid em 75 e Pescara (Itália) em 72.
Paralelamente, comecei a minha via crucis de prisões e cárceres variados quase todos na pátria madrasta com uma excepção aliás curtíssima , duas horas na fronteira espanhola, onde fui brevemente detido como “passador” clandestino. A polícia desconfiou que eu me dedicava à rendosa tarefa de passar uns desgraçados que abalavam para as franças e araganças em busca de melhor e mais bem pago trabalho. De facto, eu passava fugidos políticos, no caso em apreço uma querido amigo que recorreu aos meus préstimos para uma viagem só de ida a Paris.
Deste rosário de desditas na minha “juventude, divino tesoro”, vem a ojeriza a fardas mormente policiais (mas extensiva a outras, desde militares a contínuos e porteiros disfarçados de almirante ou de groom de hotel de várias estrelas. Também fiquei farto de batinas religiosas ou seculares e estudantis, mas isso é para outro momento).
Todavia, cedo percebi que nem todos os polícias são brutos como portões de quinta e que podem ter uma função importante nas sociedades em que nos movemos.
Ler a espantosa declaração de um senhor juiz Neto de Moura de que todos os polícias mentem em tribunal, sobretudo em casos de violação do código da estrada raia o ridículo, acaso a indecência e seguramente a mais completa falta à verdade. Uma afirmação dessas mesmo no caso de defesa em tribunal (onde a vivacidade de linguagem e agressividade verbal parecem campear) parece-me mesmo sinal de irresponsabilidade o que só é atenuado por clara falta de inteligência. Em qualquer caso condenável sobretudo se vinda de um magistrado judicial
Saber que, num tribunal de 2ª instância essa sua posição foi considerada e que daí não só tenha decorrido uma anulação do primeiro julgamento mas uma condenação de três polícias ao pagamento de multa por denúncia caluniosa de uns milhares de euros que acresceram à depauperada bolsa do senhor juiz, faz-me pensar se não estaremos a viver numa Venezuela alucinada onde as botijas de gás que explodem assumem a forma de drones manipulados pelo senhor José Manuel Santos, actual presidente da Colômbia...
Suponho, mesmo se isso me interesse pouco (o senhor Neto de Moura é-me absolutamente indiferente enquanto ser vivente e só entra neste folhetim por ser juiz) que o meritíssimo juiz não conheceu as polícias a que, acima, me referi. Gostaria bem de o ver dizer o mesmo naquela altura mesmo se suspeite (dadas outras declarações, desde os considerandos sobre o adultério até às surpreendentes citações bíblicas –que diabo de Bíblia a criatura terá lido?- ) estaria de bico muito fechado, mais calado do que uma carpa no seu tanque de água lodosa. A democracia permite a qualquer um dizer os dislates que muito bem entende sem que disso decorra qualquer pena.
Já Joaquim Namorado (poeta, 1914-1986) citava o seu famoso “Código Civil ( artº 1 e único: é proibido ser estúpido; parágrafo único: fica revogada toda a legislação em contrário) combatia esta perversão da palavra e da civilização propondo a pena de riso incontrolável perante as tolices que a cegueira nos obriga a dizer.
O problema aqui é, porém, outro. Este magistrado está no activo, vai continuar a julgar, vai não restam dúvidas, usar os seus critérios morais e os seus códigos linguísticos na apreciação de causas que lhe caírem à mão. Que confiança poderemos ter num tribunal em que este juiz seja julgador? Que confiança poderemos ter num tribunal e nas pessoas que o compõem que desobriga um juiz reu e carrega violentamente sobre os vários polícias (no caso GNR) que o acusam? Como é que um tribunal pode considerar mancomunados três ou mais agentes? Será necessário fazer acompanhar cada patrulha de uma máquina de vídeo? E será que o tribunal não duvidará de manipulação da mesma? Poderá a opinião pública acreditar que a sentença que dá razão ao juiz (antes condenado) não se deve a mero (mas provável) favoritismo?
Haja quem responda.
*a ilustração Honoré Daumier "Tribunais"