estes dias que passam 412
Os dias da peste
Jornada septuagésima sétima
Posta restante
mcr, 3 de Junho
aproveito a ocasião para responder a alguns leitores que fazem o favor de me ler e, melhor ainda, de me interpelar.
Isto da escrita tem o que se lhe diga. Para já é um vício solitário no verdadeiro sentido da palavra pois mesmo num computador há que usar a mão, pelo menos um par de dedos...
Depois, nunca sabemos quem nos lê. Às vezes acontecem coisas extraordinárias como uma leitora bem mais velha do que eu (e, suponho ainda viva) que encontrei num encontro literário. Era uma senhora encantadora, inteligente e excelente conversadora. Por qualquer razão veio falar comigo num dia em que eu moderara uma mesa. Três observações de grande qualidade e a grande curiosidade em conhecer escritores levaram-me a convidá-la
Para jantar com a turbamulta escrevinhadora. Aceitou deliciada. Tivemos tempo de beber um aperitivo (para mim foi uma cerveja que eu em matéria de álcoois já só consumo, vinho, cerveja e três whiskies por ano (estes sempre na véspera de natal, com muita água do Castello, dose mínima da “água da Escócia” e gelo à fartazana. É que, durante anos o jantar demorava a começar, sei lá por que razões. Vários dos festejantes entretinham-se numa mesa grande com pinhões, caju, nozes, e mais não sei quantas espécies de frutos secos). A minha convidada pediu e obteve, um Martini que ela declarou estar bem servido (a expressão que usou foi “com todos os efes e erres”). Jantamos em alegre companhia, ela deliciada, e depois do jantar preparava-se para se retirar mas convencemo-la a ficar. Alguém se prontificou a levá-la a casa. Ora, nessa duas horas que se seguiram eu disse qualquer coisa em que usava a expressão “pedra no sapato”. E não é que a dama disse que tinha um livrinho com esse título e que se divertira muito. Aturdido, perguntei-lhe se recordava o nome do autor, e ela pimba!, na parte óssea da barriguinha! Um velho amigo meu que fazia parte do grupo, olhou-me e disse “olha encontraste uma leitora”.
A partir daí lá me confessei autor da obrinha em questão, expliquei o porquê do pseudónimo (na altura tinha alguns amigos metidos a críticos e eu temia, mais do que a condenação, alguma palavra elogiosa de favor. Além disso, o nome que arranjei homenageava uma avó paterna de ascendência alemã e um avô materno de Niza).
A minha leitora, deu ma conferência de dez minutos sobre aquela leitura e eu, nunca me senti tão atrapalhado e tão feliz ao mesmo tempo.
Esse talvez seja o motivo por que fico encantado quando um leitor me diz seja o que for. Se se deu ao trabalho de me ler, se, ainda por cima, entende que deve dizer o que pensa sobre o que leu, julgo ser imperioso (e não só por uma questão de educação) responder-lhe. Durante muito tempo, isso foi facílimo neste blogue. A malta escrevia, alguém apanhava a bola antes dela cair no chão e era um ver se te avias. Não sei porque razão as regras mudaram, eu aqui, limito-me a escrever e, por mim, continuaria essa velha e boa prática. Agora, pelos vistos, há uma série de filtros e é uma trabalheira responder. Eu respondo sempre, confiando que essa resposta atinja os correspondentes.
Todavia, suspeito que as coisas não são assim tão fáceis pelo que hoje ponho a escrita em dia. Um “anónimo” informou-me sobre o Carlos Fraga, autor da fotografia sobre a assembleia magna de 28 de Maio de 1969. Por acaso, eu tinha tido a ideia (ah, cabecinha pensadora!...) de ir por ele e, com algum trabalho, lá o encontrei.
Devo ao Carlos Fraga não só essa fotografia mas sobretudo o facto de, graças a uma entusiástica informação dele sobre a “Faculté Internationalle pour l’Einseignement du Droit Comparé”, ter frequentado essa instituição e assim ter não só completado o Cours Supérieur de Droit Comparé, como dois outros, um sobre Direito do Trabalho Comparado e um segundo sobre Instituições Europeias. A FIEDC tinha apoios em muitas universidades de toda a europa Ocidental, a sede em Estrasbugo e era reconhecida pelo Conselho da Europa. Para muitos dos seus estudantes (portugueses e espanhóis, de um lado e muitos provenientes das “democracias populares” por outro..) foi uma porta aberta para a democracia representativa. Curiosamente, tive sempre, também, professores russos e jugoslavos.
De todo o modo, caro “anónimo”, muito obrigado.
Um outro leitor, Joaquim Silva Rodrigues, também me espicaça por eu ter usado a expressão “tomar a febre” e pergunta-me gentilmente pelo Nuno Maria que agora, munido de umas enormes luvas de cozinha para apanhar tachos e panelas quentes, um boné com o dobro do tamanho da cabeça dele e uma mochila se passeia de triciclo pela casa disfarçado de homem da Uber!
E refere que nunca teve colegas de Direito. Claro! Não havia Direito no Porto pelo que se livrou dessa matulagem que era obrigada a ir às aulas e a fazer exame de algo de que não percebia patavina.
Uma leitora, desta feita toda “popular”, pergunta se alguma vez li as aventuras de Lagardere. Não só li como as tenho na edição Romano Torres. Outra escreveu qualquer coisa que começa em “bole” e que não percebi. Que é que “bole” quer dizer?
Um leitor pergunta-me o que é que tenho contra o cidadão Marcelo Caetano. Nada! Não me cai no goto! Não votei nele, não votarei nele mesmo se o acho um homem inteligente. Demasiado inteligente, por vezes. E populista até dizer chega.
O último presidente de que gostei chama-se Jorge Sampaio e faz o favor de ser meu amigo desde há muitos, muitos, anos.
Três leitores, três, corrigiram-me, e bem, uma burrice que escrevi quando situei Lavos na margem direita do Mondego. Eles que desculpem, mas eu sou canhoto de pata e de coração e por vezes troco os sentidos. Margem esquerda, obviamente. Margem esquerda sempre que possível desde que isso não se converta em obrigatório.
Finalmente, alguém manda-me um abraço e jura que se comoveu por causa do Zé Valente. Também eu, também eu me comovo sempre que o evoco. Tenho a comoção fácil e lacrimejo mais do que um crocodilo esfomeado. E começo a sentir-me perigosamente rodeado de defuntos, de sombras mesmo se deles tenha memórias alegres e vivíssimas.
Mas, como diz a cantiga, a saudade é um luto e com o passar dos anos, cresce nos interstícios da memória.
E, esta súbita intrusão da Faculdade de Direito Comparado, oh que tempos aqueles!, faz com que nos próximos folhetins eu republique algo já aqui postado há muitos anos. Se restarem desse tempo leitores, eles que me desculpem.
Na vinheta: ilustração do “Lazzat al Nisã” ou “Prazeres das mulheres” um fabuloso livro que, furioso pelo que gastei, descobri haver em edição barata na Amazon.
Os dias da peste
Jornada septuagésima sétima
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mcr, 3 de Junho