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Incursões

Instância de Retemperação.

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estes dias que passam 437

d'oliveira, 29.06.20

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Os dias da peste

Jornada centésima terceira

recado às meninas do bloco

mcr, 29 de Junho

 

 

 

juro que nada me move contra as jovens senhoras do Bloco de Esquerda, bem pelo contrário. Haver um partido que tem como porta-vozes quatro mulheres é qualquer coisa de refrescante. Estou a referir-me a Catarina Martins, a Marisa Matias e às duas manas Mortágua, como é evidente.

Provavelmente também poderá haver algum cavalheiro capaz de aparecer perante a tv e os restantes media mas são elas que normalmente aparecem.

Só lhes chamo “meninas” porque provavelmente poderiam ser todas minhas filhas, dada a diferença de idades.

De certo modo, também assim as apodei porque suponho que não conheceram nem viveram no antigo regime que, pobre de mim!, aturei até aos 33 anos, a famosa idade de Cristo.

De certa maneira, alguns dos tiques mais “esquerdistas” que julgo ver nelas, lembram-me gente do meu tempo de menino e moço, melhor dizendo de conspirador. Nessa época, não era incomum encontrarmos os antepassados dos modernos “activistas”, na altura apodados de “contestatários”, vulgo “contestas” que ruidosamente se manifestavam contra muitas coisas e, sobretudo, tomavam por “burgueses” os que pacientemente lá iam tentando meter uma farpa no pescoço imenso do touro governamental.

Não vou, nem vale a pena, fazer o processo desses maximalistas que agora estão respeitáveis como, por mero exemplo, o dr. Durão Barroso para não falar de um tal Vilar , dito o “1001” que ainda conheci na versão fundibulária de secretário geral de um pequeníssimo agrupamento “comunista” e logo a seguir como mentor menor de alguma gente do PPD.

Toda a gente muda, ou quase e não é contra isso que venho. Eu, ao longo destes últimos quarenta e tal anos, verifiquei que alguns mudaram muito depressa e sempre para melhor, para a carninha da perna bem assada e com batatinhas à volta.

Nos tempos em que vociferavam, as coisas eram diferentes mas eles afirmavam que se devia cortar a eito, sem apelo nem agravo. O PC, que já tinha da matéria largo e antigo conhecimento, baptizou-os de “esquerdelhos” e meteu-os no mesmo saco de muitos outras esquerdistas menos faladores mas mais produtivos. E, aos olhos da restante e reduzida opinião oposicionista matava dois coelhos de uma só cajadada. Por um lado ao misturar uns e outros deixava entender que aquilo era tudo uma balda, por outro fazia com que os militantes da esquerda não comunista (ou não comunista de obediência – cega – soviética) parecessem uns tontos irresponsáveis.

Mas, deixemos estas águas passadas e voltemos ao recado que titula o folhetim de hoje. Pelos vistos, e segundo uma comissão do Conselho da Europa, as mulheres portuguesas tem remunerações inferiores em 16/17% (para trabalho igual) às dos homens.

Confesso que, quando li a notícia me admirei pois, velho do Restelo que sou, julgava a situação ainda pior.

Eu faço parte daqueles que julgam as quotas um mau princípio mesmo que seja imposto para tentar equilibrar as coisas. É que a quota dá sempre a ideia de que a mulher (ou o preto, ou o cigano) está no lugar em que está por favor e não por mérito próprio, naturalmente.

Na minha vida profissional e enquanto dirigente de instituições onde havia mulheres, descobri que, mesmo quando estas estavam em larga maioria, era exígua e quase só ornamental a existência delas em escalões de comando, mesmo nos mais modestos. Numa entrevista que terá causado escândalo, e na qualidade de presidente de uma instituição em que 80% dos trabalhadores eram mulheres não chegava a 10% os cargos de chefia a elas atribuídos. Numa entrevista, de que infelizmente não guardo cópia, afirmei que aquilo parecia um galinheiro onde uma dúzia de galos governava a seu bel-prazer.

Querem saber que no rol dos indignados (desde o ministro da tutela e principais auxiliares aos meus subordinados) estavam muitas, uma multidão das minhas subordinadas. “que não eram galinhas, não senhor”, “que eu era um esquerdista disfarçado e bem vestido (sic)”, um “menino da Foz” (no Porto daquele tempo havia quem considerasse isto um terrível insulto, coisa que não aquecia nem arrefecia os jovens privilegiados habitantes daquela zona).

E pouco a pouco, de mansinho, com cautelas mais que muitas, fui promovendo mulheres sobretudo ao nível das chefias de secção. E nem sempre, ou pelo menos uma vez, acertei. Mas que introduzi um princípio, disso, agora, ninguém que recorda esses anos contesta.

Aliás, ainda era estudante, e já tentava melhorar, ao nível de organismos académicos onde estava inserido, a percentagem de mulheres. Nessa época a coisa era assim. Na direcção havia sempre uma mulher (e só uma) num conjunto de sete elementos. Nos restantes organismos directivos cada um com três lugares primavam pela ausência.

Cheguei a inventar um argumento que pensava ser arrasador: as organizações estudantis viviam debaixo da apertada vigilância da polícia e das autoridades académicas locais e ministeriais. A guerra apertava nas colónias e um bom castigo para quem saía da casca era ser incorporado, fazer Mafra e seguir para os cenários de guerra como “atirador especial” (já não estou seguro se este era o nome da especialidade). Para os mais perigosos havia ainda o expediente de os enviar para um batalhão disciplinar e depois embarca-los como soldados rasos ou quase para o quentinho dos trópicos. Mas, regra geral, bastava enviar o relapso como aspirante miliciano para uma das três frentes africanas. Também havia o bambúrrio de ser enviado para os pequenos paraísos (Cabo Verde, S Tomé ou Timor) mas isso requeria muito pouca gente. Portanto, o grosso dos aspirantes milicianos iam para carne para canhão, no caso, canhangulo.

Ora, argumentava eu, para evitar chatices de chamada antecipada para Mafra, nada como começar a pôr mais mulheres na direcção dos diferentes organismos estudantis pois elas não podiam ser mobilizadas! Querem saber que nem assim? Os meus amigos não prescindiam do seu direito “natural” de serem dirigentes e muitas da minhas amigas achavam que aqueles cargos estavam destinados aos homens.

Houve mesmo uma colega minha que quando eu referi a injustiça da distribuição de lugares de direcção num organismo a que ambos pertencíamos, me chamou “marialva”. Perdoei-lhe porque percebi que ela nem percebia o que aquilo queria dizer.

Voltemos, outra vez, às senhoras deputadas do BE pois eu bem que esperava que esta notícia as fizesse mexer, indignar-se publicamente, denunciar a situação. Pelos vistos nada disso aconteceu. Pode sempre dizer-se que está na ordem natural das coisas a crítica a esta injusta situação, que já houve as necessárias denúncias, que não vale a pena chover no molhado, enfim tudo o que quiserem.

Todavia, esta notícia da condenação de Portugal (e de mais uma boa dúzia de países europeus...) é fresquinha e sempre dá pano para mangas. E variava-se das questões “fracturantes” que podem estar na moda para algumas raras criaturas mas nada dizem à maioria das pessoas. Aqui a coisa é clara, claríssima: as mulheres ganham menos, tem muito menor acesso a lugares de direção e, mesmo no Parlamento são minoritárias quando na população geral do país são quase 55%!

O recado às “meninas” do BE poderia ser extensível à senhora da CGTP mas, tenho o vago pressentimento que ela não o ouvirá, tanto mais que a denúncia vem de um organismo europeu “burguês” e, eventualmente, inimigo dos mais “amplos direitos dos trabalhadores e proletários portugueses, bem como de amplas camadas populares” etc., etc...

E por aqui ficamos. Com mais esta medalha de mau comportamento. Com covid e sem turistas ingleses. Que injustiça!

 

Um livro fresquinho, fresquíssimo: saiu uma tradução da Eneida feita por um conceituado professor da Universidade de Coimbra.

Olhem que vale muito a pena, quanto mais não seja porque Virgílio conta muitos acontecimentos que, por razões de toda a ordem, não constam da “Ilíada” e que fazem parte da grandiosa série de mitos com que a nossa cultura europeia se construiu. E Camões não só leu o romano como se baseou nele para escrever os Lusíadas. Logo no princípio as armas e os varões assinalados vem direitos de arma virumque cano com que se inicia o poema latino.

Nunca recomendo um livro que não tenha na minha biblioteca. No caso, o que por cá há é uma antiquíssima tradução publicada na Sá da Costa e outra maravilhosamente ilustrada mas francesa (ed Diane de Selliers): o texto latino, à parte, é ilustrado por miniaturas do códex “romanus vaticanus latinus 3867. A tradução para francês traz copiosas reproduções de frescos romanos. Todavia, a obra é pouco manejável pelo tamanho, 34x27 e consequente peso.

Obviamente, já encomendei o livro que, se calhar vai comigo para férias.

 

Gostaria de poder dedicar este pobre folhetim a duas mulheres. A primeira chamava-se Maria Helena Rocha Pereira e foi professora catedrática em Coimbra e teve a gentileza de me permitir assistir às suas aulas de cultura clássica. É autora de alguns livros fundamentais sobre o tema que estão felizmente reimpressos. Já morreu.

A segunda, felizmente viva e muito viva, chamava Elvira Fortunato, é cientista e ao que consta há quem pense nela para o Nóbel da Física. Já tive oportunidade de a ouvir em diversas entrevistas televisivas e, agora de a ler, via Expresso. Adorava conhecê-la pessoalmente. Talvez me conseguisse encasquetar neste bestunto velho algumas noções de física que sempre me desesperaram pois parece-me que tem o supremo dom de tornar simples o que é complicado. Vou de seguida ouvir Serge Reggiani cantar “les loups sont entres dans Paris” onde perpassa a “charmante Elvire” de Regnard.

E assim já temos um disco para propor

 

* na vinheta: Cipriano Dourado: “vindima” serigrafia (ou gravura tintada?) exemplar 73/100, assinado da obra indicada. Acho que foi a primeira obra de arte que comprei e não foi assim tão barata... pelo menos para o bolso de um jovem advogado! 

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