estes dias que passam 499
Sobre um suelto de um camarada de blog
mcr, 20 de Novembro
JSC diz, e com inteira razão, que a televisão nacional se repete nos noticiários e que estes são deprimentes.
Não poderia estar mais de acordo com uma ressalva. Os noticiários, ainda por cima, são longos, longuíssimos.
Desde há muito, habituado a ver noticiários estrangeiros, sempre me espantou verificar que demoram, no máximo, metade do tempo dos nossos.
E penoso ouvir os noticiários do meio da manhã. Resumem-se a repetir tudo oque já havia sido dito na noite anterior.
As notícias, diz JSM, são deprimentes. São, caro confrade, e serão. Todavia, isso já não pode ser imputado ao mensageiro.
A televisão nacional, sobretudo a pública, noticia o que lhe é permitido e nisso apenas foca o desastre de uma política que andou vários meses a gabar-se do “sucesso” do 1º confinamento.
Eu já nem vou discutir esse arrepiante sucesso que nos fez passar o tempo a ver os senhores Dupont e Dupond a felicitarem-se mutuamente. Refiro-me obviamente ao senhores Presidente da República e Primeiro Ministro que, para quem os não conhecesse de antes poderia julgar que se tratava de irmãos siameses separados há pouco.
Nenhuma destas altíssimas e reverendíssimas personalidades reparou que entre Maio e Outubro se navegou à bolina.
Já nem vou falar no caso das vacinas contra a gripe e na falta que se verifica agora. Dirão que este ano aumentou exponencialmente o número de pessoas que entenderam – e bem, muito bem!!!- vacinar-se. Cautelas e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Qualquer pessoa de mediano bom senso, habituada a viver em Portugal entendeu que não valia a pena juntar dois riscos, a gripe e o covid.
Só a dr.ª Graça Freitas, coitada, é que agora anda por aí a resmungar que muitos dos que foram pela vacina nõ precisavam especialmente dela. Eu nem me vou dar ao trabalho inútil e penoso de aconselhar a criatura a um pouco mais de moderação na faladura e a perceber que o receio dos portugueses (que a têm como anjo da guarda!..., credo!!! Cruzes, canhoto!) é amplamente justificado.
Como dizia o meu amigo Manuel S. “os gajos andam perdidos...”
A outra luminária da saúde continuou a sua desbragada campanha contra os “inimigos” do SNS. A criatura odeia os “privados” “gananciosos” que querem assassinar o SNS. E neste épico combate usa as fake news com a mesmíssima habilidade do horrendo Trump. Que os privados se negavam a colaborar, que não respondiam ao que ela, coitadinha, lhes implorava. A verdade é que nunca quis falar com o sector privado, sequer com as misericórdias e só agora, com a corda na garganta e por interposta pessoa (por exemplo a ARS Norte é que veio pedir batatinhas. Nunca mencionou que logo em Março foram oferecidas camas, ventiladores e colaboração. Deve pensar que ao omitir isto não mente.
Ouvir a criatura perorar como uma matraca na televisão sobre as excelências da sua acção faz irresistivelmente lembrar os tweets do alarve de cabelo alaranjado.
A mansidão nacional, a resignação com que as pessoas marcharam para o confinamento, os cuidados que tiveram, explicam por si sós o pequeno êxito de há um par de meses. E quando falo da generalidade dos portugueses não falo obviamente de grupos políticos organizados que, à boleia de direitos políticos, fizeram, fazem e farão a triste figura que se sabe. Por mim, podem covidar-se todos uns aos outros e fingir que as magnas reuniões onde se juntam para aplaudir soluções velhas e cozinhadas no segredo dos pequenos grupos dirigentes, são importantes. Não são. Não são porque a imensa maioria da sociedade não lhes dá qualquer papel relevante na condução dos destinos do país. Não são porque tudo o vai ser dito está há anos na cassete, conservada em formal como a múmia da Praça Vermelha.
Uma pessoa tenta ouvir os porta-vozes e espanta-se pelo tom monocórdico geral, pelo vocabulário idêntico seja qual for a criatura ao microfone. Aquilo mais parece um exército de robots do que gente com sangue nas veias. Há naqueles discursos um eco antigo de realidades que já são pó, de ideias que já provaram a sua tremenda ineficácia. De políticas monstruosas que sacrificaram várias gerações (e nem sequer falo os gulags mas apenas da vida cinzenta e quotidiana pontuada de privações, impedida de conhecer outras realidades para já não referir a inadmissibilidade de qualquer dissenso político. Ouvir estas criaturas falar de democracia, de liberdades públicas, de direitos humanos e individuais prova que o “Admirável Mundo Novo” era apenas e afinal uma ficção cor de rosa que mascarava uma realidade bem mais espessa e pesada.
Deixemos porém isto para voltar à realidade que a televisão se esforça sem êxito de noticiar.
As notícias são deprimentes porque a realidade o é. Contam-se por dezenas de milhões os infectados. Os mortos são bem mais dos que se consegue noticiar. E falo apenas dos mortos pelo vírus. Em muitas partes do mundo, não há sequer a possibilidade de estabelecer uma mínima destrinça nos óbitos.
Por cá já sabemos que, em comparação com o ano passado, já vamos com mais cinco ou seis mil mortos do que seria esperado. As pessoas morrem porque as consultas foram adiadas, o medo afasta-os dos hospitais, os centros de saúde estão barricados atrás de telefones que tocam, tocam e ninguém atende.
Nem quero falar dos lares e sobretudo da perigosa conjunção do inverno, da gripe e do covid. E da solidão, da angústia, da lonjura dos entes queridos. Um romance italiano de um grande neo-realista, Elio Vitorini tinha um título aterrador: “consideram-se ,ortos e morrem”. Li-o há demasiados anos mas o título ficou. E, na verdade, morre-se também assim, ajudado pelo descuido, pelo desamor, pela indiferença, pela absurda e infame solidão de quem foi abandonado numa instituição para não chatear mais o pagode.
Há dias, outra notícia deprimente, soube-se que havia nos hospitais mais de mil e quinhentos velhos já com alta cuja família desaparecera ardilosamente. Mil e quinhentas camas!
Isto não é uma novidade. Mas. neste momento, é pior. Ou melhor, é melhor que, pelo menos nos hospitais estão relativamente seguros, são tratados, comem todos os dias, não tem frio nem doenças que não sejam logo tratadas.
Consta que as vacinas estão por um fio. Lá para Janeiro já cá poderão chegar. Aguentem, portugueses, aguentem que não vale a pena morrer na praia.
Aguentem e rezem para que uma vez chegada a vacina haja organização, distribuição e bom senso. E, já agora, que não haja filhos e enteados, ou seja que, por uma bendita vez, a instituição nacional da “cunha” não funcione a pleno vapor.
Será pedir muito?
Deprimo-me só de pensar nisso...
* na vinheta: um hospital medieval (Hotel-Dieu?)