estes dias que passam 552

Os dias da peste 185
Nem tanto ao mar...
Mcr, 22 de Fevereiro
Sou um medíocre apreciador das televisões nacionais. Limito-me a um telejornal das 20.00 h, a algumas entrevistas, fujo das tertúlias, não vejo nenhuma telenovela, muito menos os programas ditos populares e o canal mais frequentado deve-se apenas (actualmente) ao facto de estar a passar a série “o jovem Montalbano” (eu vou a tudo o que cheire a Camilleri). Uma que outra vez, dou comigo a ver um programa “360” e por aí me fico. Em suma, não sou de um grande patriotismo televisivo.
Ora isto vem a propósito de um abaixo-assinado que li no “Público”. Acontece que entre os subscritores estão vários velhos amigos, uma prima e um monte de conhecidos. Chama-se a coisa “Carta aberta às televisões generalistas” e, em substância, critica a superabundante (e ultra repetitiva!!!) insistência na pandemia, em números que muitas vezes (isto digo eu) não levam a nenhuma conclusão que valha a pena. Os subscritores também entendem que há uma “excessiva duração dos noticiários” (há anos que me queixo disso e há anos que isso ocorre sem, até hoje, comover ninguém.), que há uma insofrida competição dos media usuais que temem a concorrência de outros. meios informais (redes sociais, p. e.)
Os subscritores indignam-se, insurgem-se, contra o tom “agressivo”, “inquisitorial” usado em certas entrevistas; “não aceitam a obsessão opinitiva destinada a condicionar a recepção da notícia” e também “não admitem o estilo acusatório de vários jornalistas” pois “não podem aceitar o apontar incessante de culpados” e “os libelos contra responsáveis do Governo e da DGS”...
Como já disse, tenho entre estes abaixo-assinantes amigos antigos que comigo, muitas vezes, recorreram a idênticos meios para, nos anos difíceis, denunciar vícios da informaçãoo, da policia, da justiça de então.
Verifico, porém, que o retrato apocalíptico que traçam não deixa pedra sobre pedra. Por um lado, a informação televisiva sempre padeceu de algum excesso “opinativo” e para tal, basta sair do conforto nacional edoméstico e ver como é que os jornalistas e os comentadores americanos, ingleses, italianos, espanhóis e alemães conduzem as suas entrevistas. E apenas refiro os telejornais, entrevistas e noticiários que consigo seguir e compreender sem especial dificuldade.
Depois, mesmo que a realidade televisiva nacional (que apesar de tudo vou seguindo distraidamente) sofra desta doença infantil da informação isso não se aplica sem mais a toda a informação , a todas as entrevistas, a todos os comentários e a todos os comentaristas. Tenho visto, mesmo em dose homeopática excelentes jornalistas cautos e sensatos, comentaristas que falam do que sabem, especialistas que mostram um profundo conhecimento do que trazem até ao público.
Em segundo lugar, conviria relembrar que o Governo fez p possível e o impossível para estar sempre no retrato mesmo se essa persistente acção o possa, à vista desarmada, pôr na berlinda. A senhora Directora Geral da Saúde passou meses e meses a mostrar-se no pequeno ecrã e a dizer nada ou muito pouco. E a contradizer-se uma que outra vez. E a opinar politicamente e, custa-me dizer, a fazer o frete aos que mandam. O Governo, na pessoa da senhora Ministra da Saude, apareceu continuamente, desnecessariamente e imprudentemente
(as famigeradas referências ao sector privado, p.e....) O senhor Primeiro Ministro apadrinhou uma boa dúzia de vacinações a pontos de alguém poder esperar vê-lo a ele a dar a injecção salvífica a um médico, um bombeiro, uma velhinha ou um doente terminal Ainda há dias, aquele senhor Ministro que foi tão parco de palavras sobre o assassínio de um emigrante, tão tardio a pedir em nome do país desculpas à família desse desgraçado, teve a desfaçatez de ao fim de mais um voto do estado de emergência vir criticar não as forças políticas que votaram contra mas o principal sustentáculo da, aliás avisada, política de manutenção do confinamento.
A pandemia cevou-se alegremente em Portugal durante a segunda e terceira vagas. Contra a opinião esmagadoramente maioritária de cientistas, médicos, comentadores e jornalistas, o Natal foi o que se viu. E os resultados (pior país do mundo durante várias semanas) foram o que foram.
É evidente que o Governo sozinho não pode ser o único culpado. Houve muitos outros, a começar pela multidão imprudente que se amontoou à beira mar, em família, nas ruas, ao sol nos hipermercados nos dias de balda que não foram poucos.
Houve organizações políticas que contestaram ferozmente o confinamento, que, em nome das liberdades constitucionais e dos direitos políticos, deram o espectáculo de concentrações de pessoas que, mesmo com todas as precauções, poderão ter passado a mensagem errada.
Houve desmazelo quase geral, imprudência a mais no Verão, pedidos incessantes durante meses para mais liberdade. Em nome do turismo inglês que não apareceu, do turismo outro que também não deu grande ar da sua graça. O Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros, com o aplauso de todos os agente s económicos turísticos e para-turísticos, “lamentou”, ficou “surpreendido” quando Portugal foi incluído em listas de risco. Chamou a atenção para a injustiça de só se considerarem “certos factores” e não outros que, na sua esclarecida opinião e vasto conhecimento médico, atestavam que o país, este, era seguro.
Em boa verdade, toda a gente, isto é toda a gente que conseguia guinchar a pontos de ser ouvida, fez o que pode para tornar uma situação semi-controlada descontrolável.
Na altura, e aqui falou-se disso com alarme, não apareceram abaixo assinados a contestar a impudência, a imprudência, a impreparação, a falta de medidas antecipatórias para o que poderia aí vir. A comissão das vacinas começou a ser preparada quando todos os outros países já tinham tudo pronto. O seu principal rosto, desfazia-se em palermices, em tomadas idiotas de posição política e foi pelo menos duas vezes obrigado a recuar. Até se demitir ingloriamente por razões que nada tinham a ver com a missão mas que demonstravam ad nauseam que o cargo de presidente do Hospital da Cruz Vermelha era exercido sem cuidado nem responsabilidade. Ainda lá está!...
Uma pandemia afecta tudo. A resposta, melhor dizendo as respostas divergem, os consensos são difíceis e exigem ponderação, tolerância e sentido de Estado. E prudência. E sacrifício momentâneo de algumas prerrogativas cidadãs que constituem o cerne da democracia.
Mas exigem também um forte espírito crítico e um constante questionamento político, técnico e ético das medidas tomadas.
E uma informação rigorosa como se verificará facilmente vendo certos noticiários estrangeiros onde os governantes não se põem em bicos de pés sempre a correr atrás dos acontecimentos. Isso poderá dar votos mas não modifica os dados sanitários do país. Muito menos permite a chicana política de que a discussão orçamental deu abundantes e tristíssimas provas. Que se repetiram, em mais caricato durante a campanha eleitoral recente.
O que mais me arrepia é não ver da parte de pessoas que estimo, que respeito, que tem passado uma condenação do estilo jornalístico no que toca a um partido unipessoal que foi entusiasticamente queimado na praça pública. Pelo que fazia e não fazia, pelo que dizia e não dizia. Até ao patético momento em que uma senhora política veio pedir a revogação do estatuto partidário ao arrepio do parecer do Tribunal constitucional. A Democracia defende-se nas urnas, na discussão séria nunca na secretaria.
O estilo jornalístico, as patologias opinantes não são de agora mas de sempre. Todavia, pelo menos e pela minha parte prefiro este vozear duro ao coro de balidos a que durante uma boa vintena de anos fui sujeito. Aí não havia libelos senão os dos tribunais plenários, os jornalistas não acusavam e o Governo augusto da Nação não era incomodado. Reinavam a paz e o silêncio.
Mal por mal antes esta actual cacofonia caótica que, aliás nem sempre, bem pelo contrário, atinge o Governo.
Governe este mais e melhor, apareça menos, muito menos, nos noticiários e parte da verve maldosa dos jornalistas perderá sentido e oportunidade.
E ao contestar este tsunami de desencontradas opiniões é bom que não deite fora com a água do banho a criança que lá se lava.
* a vinheta não pretende caraceizar a carta aberta mas apenas prevenir contra o regress o de fórmulas que, em nome dos "melhores" princípios informativos tenderam a obliterar toda e qualquer opinião. Cá ou na China ou na antiga URSS (e na moderna caricatura russa do mesmo) ou em várias e desvairadas latitudes onde o jornalismo e a opinião livre são suspeitos.