estes dias que passam 553

Os dias da peste, 186
O direito à burrice supina
mcr, 24 de fevereiro
O poeta Joaquim Namorado afirmava que. com ele, o problema do Código Civil se resolveria em duas penadas. Convém esclarecer que Namorado, homem culto, corajoso e inteligente, era matemático pelo que a sua visão do Direito poderá parecer “simplista” então era assim:
Artº 1º é proibido ser estúpido
- único: fica revogada toda a legislação em contrário.
Mais do que o regime vigente, a perseguição de que era alvo (inclusivamente não lhe era permitido ensinar salvo como explicador –e que explicador era! Até lhe chamavam “o endireita de Celas”: aluno que o procurasse era aluno que acabava por triunfar!), a censura e tudo o resto, incomodava-o a alarvidade, a burrice, a incapacidade de perceber, compreender.
Morreu há já largos anos mas eu (e seguramente muitos mais) não esqueço a sua perseverante luta pela cultura, pela poesia, pela liberdade. Devo-lhe os primeiros escritos publicados a que me atrevi, a sua crítica generosa, a sua exigência, a sua amizade.
O Joaquim enganava-se na sua divertida descrição do novo código mas nem ele, atento observador da condição humana, levava muito a sério aquela piada.
Muito menos quereria cortar o direito à palavra que qualquer imbecil pode querer mostrar.
Eu, pobre de mim, também não quero perseguir opiniões obtusas muito menos corta a palavra a quem a usa desbragadamente.
Todavia, quando a ignorância, a incultura a espertalhice saloia se aliam, sinto vontade de me transformar numa espécie de Joãozinho das Perdizes (leitores olhem com olhos bem abertos e críticos esse Júlio Dinis, morto demasiado jovem que poderia ter sido o nosso Balzac ou, pelo menos, a nossa melhor testemunha das mudanças que o liberalismo introduziu na sociedade portuguesa, mormente na rural) a varrer feiras com um cacete de boa e rija madeira de marmeleiro.
Tudo isto me vem ao dedo com que avio esta prosa diária porque li um artigo de Maria João Marques, economista e colunista do “Público” onde ela refere a proposta de um deputado que entendia que o Padrão dos Descobrimentos deveria ter sido demolido em 74 (e porventura também hoje) ao mesmo tempo que na mesma zoada lamentava que no 25 A não tivesse corrido sangue. Correr correu mas pouco, felizmente. O regime caiu de podre, não tinha quem de facto o quisesse manter. Até nisso lembrou o “28 de Maio” que se limitou a uma vagarosa passeata de tropas desde Braga até Lisboa, enquanto a 1ª República se desfazia sob o aplauso de muita e boa gente desde a “Seara Nova” até aos sindicalistas que ela perseguira duramente.
A criatura a quem se devem estes dislates não será aqui nomeada. Quem quiser que vá por ela à internet como eu fui. Pelos vistos, deputa desde o início do século, havendo a suspeita que será essa a sua principal tarefa. Terá nascido em meados dos anos sessenta pelo que nada conheceu (e, menos ainda, percebeu se é que o tentou e se, pior, teria capacidade para perceber) do anterior regime.
Também pouco, nada, perceberá do que à falta de melhor chamarei de tentação icónica da História cuja tradução mais simples é a que consiste na erecção de monumentos celebrativos de momentos chave do percurso de um povo e de um país.
Não sou um especial fã do Padrão que foi erigido depois da comemoração dos centenários (fundação e restauração) depois de ter figurado na famosa “Exposição do Mundo Português”.
Já agora, seria bom recordar que esta exposição mobilizou tudo quanto havia de artista plástico, de cineasta, de arquitecto. Curiosamente, colaboraram pessoas de todas as cores políticas provavelmente porque a circunstância o exigia e o António Ferro quereria domesticar com encomendas alguns adversários políticos.
De todo o modo, o padrão lá está, perto da Torre de Belém (outro marco claramente comemorativo das descobertas) dos Jerónimos (idem, aspas, aspas) da praça do Império (do Império !!!) do Jardim Tropical Colonial (!!! , outra vez o passado, desta feita científico da “Expansão”).
O pobre diabo cujo nome não refiro porque de minubus non curat praetor, volta que não volta puxa da esferográfica e bota artigo. A conhecida indulgência do “Público” que não segue a teoria de Namorado lá o publica para deleite dos leitores mais animosos que assim percebem que os limites da vacuidade e da tolice são como os caminhos do Senhor.
Não me lembro de nessa zona de Belém ter alguma vez visto os brasões das cidades ultramarinas. Tais brasões, terão sido um re-arranjo do dito jardim e por lá estavam sem que daí viesse mal ao mundo. A fim e ao cabo, não muito longe dali há uma coisa chamada , se não erro, “união das cidades capitais de língua portuguesa” que é mais outro verbo de encher com que, como bons neo-colonizadores (que nem sequer conseguimos ser) pretendemos mostrar-nos ao mundo. Suponho que boa parte dos brasões em buxo pertenceriam a essas cidades.
Parece, pelo menos é essa a desculpa, que os brasçoes estariam mal cuidados (coisa comum a mais de metade dos jardins portugueses!...) e que seriam pouco perceptíveis pelo público. Vai daí toca de os arrancar e de os substituir sei lá por que tipo de canteiros. Algumas pessoas, ciosas da chamada “memória histórica” protestaram. Outras, defensoras do não retorno ao passado, contradisseram as primeiras. A coisa meteu mesmo um vereador camarário de Lisboa que, à falta de obra mais significativa em prol da cidade, tomou como missão da sua vida insignificante, dar este contributo `à botânica imperial.
O demolidor dos símbolos imperiais teria aqui muito trabalho pela frente. Até os museus contíguos ao Jerónimos estão cheios de peças “coloniais” ou a lembrar a medonha colonização. Já agora, que estenda a sua obra aos coches museografados também perto (como símbolos do elitismo dos privilegiados portugueses que, qual sanguessugas, viviam às costas do bom povo). E à Cordoaria Nacional, exemplo típico do que foi preciso fazer para mandar navios para essas terras longínquas que os portugueses desalmados estragaram.
A segunda opinião da criatura, a que pede mais sangue no 25 A há faz-me temer que à mínima hipótese de sobressalto político o homenzinho saia para a rua de metralhadora em punho à caça de mal pensantes, vulgo adversários políticos.
Conheci, ao longo de uma vida já pesada em anos, muita gentinha como esta personagem. Tive oportunidade de os ver bramir enormidades e de os ver recuar até se lhes ver o dito cujo, quando um modesto rafeiro lhes ladrava às canelas.
Agora saber que este expoente da mais saloia ignorância anda pelo parlamento, pago por nós todos há já quatro legislaturas é que me custa. Bem sei que para fazer um mundo é preciso um pouco de tudo mas devia haver algum limite.
Por exemplo pôr em execução, por uns dias, o código de Joaquim Namorado.