estes dias que passam 554
Os dias da peste 187
Onde para o “El País”?
mcr, 25 de Fevereiro
Já aqui o disse várias vezes: sou um leitor compulsivo, incluindo nisso jornais.
Desde que me lembro consumi jornais, quanto mais não fosse os suplementos infantis.
Recordo-me, como se fosse hoje, as disputas com o meu irmão para ver quem é que todas as terças feiras ia à loja do sr. Bracourt, buscar a “Modas e Bordados” de que a nossa mãe era uma fiel.
Nós da M & B só queríamos o suplemento infantil que se chamava “joaninha”. À volta da loja o feliz comprador já vinha embrenhado nas histórias em quadrinhos. Já só me lembro de duas. “Sem família” o clássico de Hector Malot que durou anos de publicação e “Aninhas e Ró-ró” as aventuras de uma menina e do seu cão. Dessa só me lembro do nome.
Os jornais diários também traziam aos domingos um pequeno espaço para a miudagem. Foi n’ “O primeiro de Janeiro” que tomei contacto com o Príncipe Valente que agora anda a ser publicado em volumes que, pelos vistos, durarão até meados do próximo ano. Obviamente, no meu pequeno círculo de amigos, houve, desde o primeiro dia, três assinantes( o Manel Sousa Pereira que Deus tem à sua mão direita em animada conversa com o Corto Maltese, o Manel Simas Santos que tenta justificar-se dizendo que compra para os netos e eu que não apresento nada em minha defesa).
Quando entrei na Universidade, passei a comprador constante do “Diário de Lisboa”. Pouco depois, estreei-me no jornalismo estrangeiro através do “Le Monde” que publicava (e publica) um resumo semanal das notícias mais importantes. Com “L’Express” era a minha porta aberta para o mundo.
Com o passar dos anos diversifiquei as minhas leituras jornalísticas para não falar nas revistas de que sempre fui leitor. Até ao 25 A, assinei religiosamente a “Vértice”, a “seara Nova” e “O tempo e o Modo”.
Logo que o “Expresso” apareceu, tornei-me (e continuo) seu leitor. O mesmo sucede com o “Público” para o qual me transferi de armas e bagagens logo no primeiro número. O mesmo sucedeu com “El País” mesmo se me limitava a um dois exemplares por semana.
“La Reppublica” teve um tratamento idêntico mesmo se a compra do jornal dependa muito dos acasos da distribuição. E com ela uma série de revistas de diferentes procedências mas sempre versando temas literários, artísticos e história. Estou afogado em papel!
Mas tudo isto vem a propósito do inesperado desaparecimento do “El País” dos quiosques portugueses. Só me apercebi do facto segunda feira passada quando fui pelo exemplar de sábado, o que traz o suplemento literário “babélia”. De facto o meu quiosque está fechado ao domingo e o jornal chegava tão tarde no sábado que eu adiava para segunda a leitura.
Comecei por pensar que o facto se devia a uma mudança de distribuidor mas, pelos vistos, agora só há um distribuidor de jornais e revistas (VASP). Terá sido alguém dessa empresa que comunicou que o jornal abandonava Portugal!
Eu não faço a mínima ideia sobre o número de leitores que por cá o periódico teria. Todavia a sua ininterrupta presença durante dezenas de anos pressupunha que alguma audiência teria.
Será que éramos tão poucos que os gestores do jornal se fartaram de perder dinheiro com tão ruim freguês?
Seria assim tão grande o descaso dos portugueses sobre a vida espanhola, a política e a cultura vizinhas?
Em boa verdade conheci alguns intelectuais portugueses, gente séria e interessada que, porém, em lhe cheirando à língua de Cervantes ficavam hirtos e emburrados. Um que muita falta faz acompanhou-me a mim e à namorada dele à livraria Michelena em Pontevedra. A livraria era excelente e espaçosa. Ia de uma rua à outra, paralela, com salas e corredores pejados de livros. As estantes de poesia tinham duas dúzias, passante, de metros lineares. Tudo carregadinho de livros numa prodigiosa desarrumação que indiciava a passagem de muito leitor que não resistia a abrir e folhear um livro. E a pousá-lo no primeiro sítio à mão de semear.
Como eu tinha por hábito fazer férias de Verão a cerca de vinte quilómetros da Pontevedra, na praia de Areas, volta que não volta , à mínima ameaça de chuva, desandava para Pontevedra e para a Michelena, Enchia o carro de livros, almoçava num dos muitos restaurantes da cidade especialistas em marisco e peixe fresquíssimo e voltava para o remanso da praia.
Entretanto, a livraria passou por forte crise, fechou e agora terá reaberto mas com uma fórmula diferente no que toca ao seu fundo de livros. Ainda lá não voltei e muito me temo que o raio da pandemia tenha feito naufragar o projecto.
Mas prometo voltar, assim que passe este desastre.
Esta digressão livreira tinha apenas por finalidade ilustrar o extraordinário caso de um intelectual de mão cheia, uma personalidade cintilante e curiosa que, neste reino dos livros em espanhol parecia um zombie. Nunca percebi como é que ele tinha um tal complexo com uma língua quase irmã, musical cheia de expressões maliciosas para já não falar no léxico gigantesco de palabrotas, injúrias que deixam qualquer tradutor aflito e invejoso.
Será que essa sua ojeriza, melhor diria, incapacidade, é mais generalizada do que eu suspeitava e que seja por Aljubarrota, seja pelos Filipes, seja pela guerra das laranjas, alguns, muitos, de nós portugueses fugimos de Espanha de onde não vem bom tempo nem casamento?
Todavia, no caso da Galiza, por exemplo, sabe-se que todos os anos largas dezenas de milhares de portugueses atravessam a fronteira e passam férias em Sanxenxo e nas vinte e tl praias que a cercam. Que só ali há centos de hotéis que se enchem de portugueses. Aliás, na Galiza, ninguém precisa de tentar o portunhol. Os galegos percebem perfeitamente o português.
Ou quase. Uma amiga minha achava que os turistas portugueses não deveriam tentar espanholar. Ora um dia, entendeu demonstrar-me que fa lan do de va gar to dos a en ten diam. E pe diu “por fa vor um chá”.
Nada!, raspas de nada!. O empregado quieto e em sentido aguardava ordens. E ela repetia chá, por favor. A quarta tentativa, compadecido mas triunfante, atirei com “té, hombre, un té pa’ la señorita! E cinco minutos depois, a minha amiga, compungida e zangada, bebia o chá e garantia-me que os espanhóis deveriam ser colonizados por mais uns séculos até aprenderem a falar uma língua de gente!
Nada disto, contudo, me consola. Onde está o meu jornal de tantos e tantos anos? Onde para o “El Pais”?