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Os dias da peste 189
A TAP: para a crónica de um elefante branco
mcr, 27de Fevereiro
Já fui a Paris de carro, de autocarro, de comboio e de avião. Falta-me ir de balão e de barco. A primeira hipótese seria tentadora mas desconfio da passagem dos Pirenéus. A segunda parece-me inviável a menos que o barco seja de tamanho reduzido próprio para navegar no Sena mas duvidoso quanto ao mar que é muito e (como diria o dr. Rui Rio) pouco confiável.
Tirante o avião, todas as outras alternativas de transporte tem o comum defeito de demorarem um largo par de horas. Ainda por cima, parece que já não ligação ferroviária com vagons-lits, que a comida a borda se reduz a umas sanduiches miseráveis, enfim, um castigo. Vê-se que de Lisboa a Paris não há nenhum “occident-express”. Uma tristeza!
Portanto, o avião. Duas horas de voo mais a chatice dos tempos de espera antes do embarque e dos da ida de Orly para o nosso destino que, no meu caso, é, desde há quase sessenta anos, o sexto bairro que ainda conheci voluptuosamente cheio de livrarias, alfarrabistas, lojas de discos e cafés. Hora nem metade das livrarias subsistem, as lojas de discos reduziram-se a quase nada, os pequenos bistrots são uma saudade e reina uma vera corrida às lojas de luxo que aniquilam outros espaços e estão sempre vazias. O sixiéme virou bairro de luxo, os pequenos hotéis estão iguais mas muito mais caros e apareceu uma infinidade assustadora de restaurantes fast food.
De todo o modo, burro velho não aprende línguas, e eu permaneço fiel a uma zona que conheço a palmo e onde poderia passear de olhos fechados.
Durante anos, usei a TAP não por exigência patriótica mas porque a alternativa era mais cara. Depois, verifiquei que havia companhias que me levavam a melhores horas de modo a que saído de manhã pudesse estar a horas decentes diante de uma pratada imensa de moules mariniére. Eu já terei aqui confessado o meu imoderado gosto pelos mexilhões.
Na Galiza, em férias, como sempre, como entrada, uma farta dose deles, normalmente ao vapor. Meti o vício na CG que, logo que eu falo em Paris, pedincha, desnecessariamente, “vamos aos mexilhões?” Claro que vamos, homessa, então iríamos substitui-los por filetes de pescada?
Durante muitos anos, era no bd de St Germain a caminho do 7º bairro que eu me amesendava a mexilhoar. Era um pequeno mas simpático bistrot que tinha um lote magnífico de cervejas belgas e uma pequena esplanada. Até lá vi, boa parte de um campeonato do mundo de rugby à compita com entusiastas de muitas e desvairadas partes, discutindo méritos da Nova Zelândia, da África do Sul, da Austrália, da Argentina, sei lá de que mais países. Torcíamos cada qual pela equipa que lhe agradava (eu sou todo “all black” e quando ela excepcionalmente falha vibro pela África do Sul.) mas no fim do jogo trocavam-se dicas sobre bares e restaurantes, clubes de jazz enfim coisas boas e excelentes.
Esse bistrot acabou, ou tem nova gerência pelo que nos últimos dez anos optei pelo “Leon de Bruxelles” uma franchise que também tem local no mesmo boulevard. Não é exctamente mesma coisa mas os mexilhões são excelentes e as “frites” de primeira. A CG que não está para itinerários sabe o caminho de cor!
Voltando à vaca fria, Paris e os aviões. Desarrisquei-me da TAP por vergonhosos motivos de economia e de horário. E não perdi nada com a troca.
Quando começou a discussão sobre a necessidade de Portugal ter uma companhia aérea de bandeira, comecei por ficar intrigado. Vários países europeus com prestigiosas companhias tinham, face aos pesados custos destas, abandonado a ideia de terem uma companhia de bandeira. Mesmo quando tinham muitos mais destinos e rotas que a TAP!
A TAP, perdido que foi o império colonial, começou sistematicamente a perder dinheiro e passageiros para esses destinos tradicionais que eram um pouco a sua razão de ser. O Estado, seu único accionista, entrava com o cacau necessário para cobrir o desastre e pronto, tudo como dantes quartel general em Abrantes.
A coisa foi-se tornando cada vez mais evidente, o Estado, sob diferentes Governos, começou a reparar que aquilo era um saco roto e, consequentemente, começaram a surgir, com cada vez mais insistência, apelos a que se transferisse a companhia para o sector privado.
O primeiro problema foi o de não parecer haver uma multidão de interessados, Nem um grupo mais reduzido, nem quase ninguém. E a TAP com falta de aviões, com aviões antiquados e com poucas rotas lá foi ter à mão de um cavalheiro vagamente brasileiro, vagamente israelita e vagamente americano que associando uma empresa sua deu à TAP uma espécie de segunda vida com mais aviões, mais rotas e um associado português para inglês ver.
E começou o coro de lamentações: que a pátria dos egrégios avós maila nação valente e imortal não podia deixar de ter uma companhia de bandeira! Uma vergonha, um Alcácer Quibir do orgulho nacional!
Apontou-se o dedo aos Migueis de Vasconcelos, vulgo Passos Coelho & comandita, réprobos que vendiam a pátria em prestações a quem mais desse.
Veio o Governo da Geringonça e, fazendo peito, “reverteu” a situação, adquirindo 50% da companhia.
E a TAP mesmo com todo o turismo do mundo não mudou, nas encheu a bolsa, bem pelo contrário. O prejuízo, tradicional, de sempre, não só não desapareceu mas cresceu.
A solução, sempre estas bizarras soluções à portuguesa, foi surpreendente. O Estado correu com o usurário privado que comia a carninha da perna da actividade aérea nacional e comprou tudo por cinquenta milhões de euros. Uma pechincha!
Mas o prejuízo que, como se sabe é absolutamente avesso a patrioteirismos e jogos malabares, não desistiu. E cresceu.
Com a pandemia, o que era mais que previsível sucedeu. A TAP está absolutamente falida, Ou melhor, só não está porque o Estado meteu-lhe mais umas milhardas. Estas mesmo não chegando, resolveriam a situação a curto prazo desde que se vendessem umas dezenas de aviões (resta saber se há comprador) e se despedissem muitos trabalhadores, fora a dispensa dos que não eram efectivos e que já foram pelo cano.
Depois, como isto também era pouco inventou-se um corte nos salários dos trabalhadores que, no caso dos pilotos pode chegar aos 50%.
Saliente-se que a TAP, na nebulosa hipótese de se safar daqui a uns anos, precisará de pilotos, trabalhadores raros, de custosa preparação e provavelmente já noutras empresas concorrentes.
Entretanto, uma companhia pertencente à TAP, a “Groundforce” não tem dinheiro para pagar os ordenados deste mês. Está pendente de um eventual empréstimo de 30 milhões que o Estado avalizará ou não. São 2600 trabalhadores o que deve significar cerca de cinco, seis, sete mil pessoas contando com as famílias. Sem um tostão em 27 de Fevereiro. Com a vaga esperança de lá para o dia 15, haver uma solução também ela vaga e pouco crível.
Ontem, os últimos sindicatos a aceitar o plano draconiano do Governo que faz depender da anuência em aceitar uma significativa baixa de salários e limitar o total de despedimentos que, todavia, sempre ocorrerão.
Sem isso, advertem, em alta grita, os decisores da TAP, a companhia não sobreviverá a mais dois meses iguais aos últimos cinco, dez meses. r
A ironia disto, se é que alguém de bom senso e honrado, pode achar um desastre irónico, é que tudo isto era previsível há seis, dez meses. Que tudo isto poderia ter sido mais cuidado, que poderia ter havido um plano, qualquer coisa, que fizesse reflectir (se é que a criatura é capaz disso) o Ministro responsável que. “tão de esquerda!” assiste, contribui, para o despedimento de um grande número de trabalhadores, corta no salário dos restantes, vê mais dois mil e seiscentos desamparados.
Claro que a culpa vai ser toda da pandemia. Que a chantagem exercida sobre as duas últimas classes de trabalhadores (pilotes e tripulantes de bordo) e que se traduzia nesta simples decisão “ou aceitam estas condições ou aplicamos condições ainda mais duras”, é apenas um apelo “ao bom senso e ao patriotismo” dos interessados.
Note-se que, no caso dos pilotos a aceitação do xeque-mate, foi resvés Campo de Ourique.
A História deste medonho naufrágio apenas começou. Já se sabe que as medidas tomadas não chegam. Que vai ser preciso mais dinheiro. Não se sabe por quanto tempo a companhia andará num estado de vida suspensa, no limbo das operações aéreas.
Sabe-se, no entanto, que a TAP perde diariamente três milhões de euros. Três milhões!
Faço parte das pessoas que não apostam um cêntimo na conclusão airosa da crise. Mas isso é para outras núpcias. Só há uma certeza; o ministro vai continuar impertérrito no seu posto, De vitória em vitória até à derrota final . E a culpa será sempre nossa.