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Incursões

Instância de Retemperação.

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Instância de Retemperação.

estes dias que passam 579

d'oliveira, 22.03.21

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Saída precária 8

TPC para adultos

mcr, 22 de Março

 

Se algum/a leitor/a  não souber o sentido das iniciais eu explico porque também não sabia: trabalhos para casa, ou seja, aquilo com que os senhores professores chateavam as crianças depois de longas horas de escola. Parece que a mania continua, pobres miúdos. E pobres pais...

Ora, para enganar a pandemia e estadia forçada entre quatro paredes, mesmo que a casa seja (e é) grande, tenho-me dedicado a pequenas modificações nas estantes.

Em boa verdade o que eu precisava era de mais uma sala com estas de parede a parede mas agora só está livre o quarto de dormir e as casas d banho. E a CG que, de quando em quando resmunga contra a invasão livreira era capaz de se zangar... No caso das casas de banho sempre fui contra mesmo se entre amigos e conhecidos houvesse um largo par de adeptos de leitura “sanitária” (ou seja na sanita). Havia mesmo um padrinho do Quim Pais de Brito que tinha, segundo o afilhado, uma estante carregadinha até mais não e muito à mão. Que livros leria não faço ideia. O meu tio Marcos dedicava uma boa hora pela manhã a aviar os grandes clássicos franceses. O Balzac há de ter durado mais de um ano nessa releitura higiénico-matinal. 

Eu nunca fui adepto dessa prática mas longe de mim condenar esses exacerbados leitores que conseguem o pequeno milagre de fazer duas coisas ao mesmo tempo.

Voltemos, porém, aos nossos lavores (esta vi para um leitor gentilíssimo  que me elogiou “a fluidez da escrita”. Obrigadinhos e continue a ler-me que eu não escrevo para a gaveta), os trabalhos de casa no que toca à impossível tarefa de arrumar livros.

No afã de encontrar sempre mais um buraco para meter um livro, descobri há muito que nas estantes quando sobra espaço por cima da livralhada, há a possibilidade de criar uma estante suplementar onde se podem pôr livros deitados.

Todavia, numa das estantes do escritório nº 2, tanto a olhei que verifiquei duas coisas. A primeira é que o Voltaire (eu sou, como um primo afastadíssimo e alentejano, padre de profissão, aliás duplamente padre pois além do seu múnus sacerdotal fez quatro filhos, o último dos quais foi baptizado com Deusdado, coisa que enfureceu o bispo que o quis suspender. A população que apreciava o primo que era homem de muitas artes, amigo de ajudar, compassivo e folgazão, não deixou o bispo vir à terra ameaçando de lhe fazerem coisas medonhas com o báculo. O pobre prelado recolheu a quartéis e o primo continuou a espalhar a palavra de Deus e a “força vital”.  Ora para além dos predicados mencionados, esse primo era “voltaireano” e lia o filósofo das luzes com o mesmo fervor com que lia o missal.

Infelizmente, algum descendente, crente fervoroso e reaccionário, vendeu ao desbarato os livros do senhor Arouet, se é que os não queimou...)

Estava muito para baixo, mesmo se as estantes de cima também tivessem outros favoritos, a saber algum Stendhal e Casanova. Entre as estantes, a ocupar espaços vagos estavam álbuns japoneses quase tudo gravura.

Entendi que se subisse todos livros talvez conseguisse juntar os japoneses que ainda por cima são quase todos altos, na prateleira de baixo, subindo também a colecção completa da “bibliothéque internationale d’erotologie”, uma publicação famosa do Jean Jacques Pauvert que lhe valeu a sessenta as autoridades não deixavam a libertinagem correr pelas ruas sem mais nem menos. E não é que não só conseguisse uma re-arrumação mais racional (Stendhal, Voltaire, Casanova e BIE) mas sobretudo consegui aumentar o número de japoneses tornando mais viáveis as estantes do lado também dedicadas ao Japão, uma mania!

Claro que nada disto evitou que os Casanova e os Voltaire não estejam em 2 filas. De todo o modo conseguem-se visualizar os de trás que, no caso de Voltaire até nem tem grande dificuldade. De facto, numa alfarrabista simpática e pouco propensa a ter compradores de livros franceses, encontrei praticamente toda a edição “plêiade” a dez euros ocada volume. Em estado novo, novíssimo, um brinquinho. Confesso que treze dos volumes albergam a “correspondência” de que lerei apenas uma que outra carta. Treze volumes, quinze mil duzentas e oitenta e quatro cartas! Arre! (cáspite! – esta é outra vez para o leitor da “fluidez”, ora tome lá e embrulhe!). E assim passei umas horas...

Antes isto do que ficar pandémico, stressado, histérico, com impigens, escrófulas, dor de cotovelo ou hidrartrose das criadas de servir (esta lia há muitos anos em “3 homens num bote sem falar do cão” de Jerome K Jerome e não sei bem  (nem mal...) a que se refere.

Na vinheta: a estante intervencionada ainda antes da súbita dos livros da Pauvert