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Incursões

Instância de Retemperação.

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estes dias que passam 599

d'oliveira, 27.10.21

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A  História, sempre ela

mcr, 27/10/21

 

Tratamos a História à nossa maneira. Como

nos agrada. No anonimato...

Sentados ao sol, à mesa do café, abrimos

As páginas. Da História que fazemos

 A citação é de um poema de Eduardo Guerra Carneiro,  que dá título ao livro em que foi publicado em 1973 (´”é assim que se faz a história” Assírio & Alvim, )

Era ainda o antigo Estado Novo, na altura a cair da tripeça, definitivamente afastado do mundo e, pior, da realidade. Os poetas tem um 6º/7º/8º ou 9º sentido que os faz entrar no real tão profundamente que o leitor mais desprevenido pensa que o autor enlouqueceu ou que está a divagar.  Nada disso, o poeta sabe, como os gatos, o futuro e di-lo sem rebuço mesmo se o que escreve parece algo que nada tem a ver com a vida..

Sobre o actual momento, vejo todos os dias comentários que parecem não ter em conta a História. Ou que, criaturas não poéticas de todo, pensam ser poesia ou, pior, a realidade.

Assim, António Costa, cavalheiro seguramente inteligente, que há de ter lido algum livro, algum dia, repete, e acredita  (!!! ???)  que derrubou um “muro de Berlin, à portuguesa”.

Eu não sei se o homem viu sequer o  verdadeiro muro em toda a sua sinistra infâmia ou, alguma vez, vendo-o, o atravessou submetendo-se ao delirante ritual de busca a que os “Vopos” se dedicavam afanosa, materialista e dialecticamente, na entrada do “lado de lá”. Pareciam serafins a guardar o paraíso dos trabalhadores (em boa verdade os trabalhadores demonstravam que essa maravilhosa pátria deles era um inferno de onde se tentava fugir de qualquer maneira. Isto quando não se erguiam em protesto violento como no 17 de Junho de 53 com o seu cortejo de vítimas, de presos e condenados a duríssimas penas de prisão. É incalculável o número de fugitivos que ainda não tinham pela frende o execrando muro).

Seria interessante buscar na História as razões do desencontro entre comunistas e socialistas. À falta de melhor, lembraria a criação da 3ª Internacional (Komintern) em  1920.

A começar pelo facto de nessa reunião quase clandestina de 51 delegados (dos quais só 36 tinham direito de voto deliberativo)  e onde não compareceram quaisquer membros dos grandes partidos socialistas tradicionais mas apenas russos e estrangeiros residentes na Rússia, quase todos militantes do PCR.

Depois, as famosas 21 condições de adesão à recém formada organização. Tais condições suscitaram de imediato a rejeição da grande maioria dos partidos socialistas e tiveram mesmo o seu lado caricato no caso da constituição da secção francesa da internacional comunista onde de 21 se passou a 23 condições, sendo que uma delas era a proibição absoluta de entrada de um neto de Marx!

O Komentern tinha uma estrutura pública onde predominavam os russos e outra mais clandestina e que era constituída pelos seus agentes dentro de cada partido filiado. Ou seja, cada partido, além da Direcção conhecida e eleita em congresso tinha uma outra, bem mais forte que fazia a ponte entre o partido nacional e a internacional. Os dirigentes “legais” nacionais estavam sob a orientação dos enviados  de Moscovo. E toda a política dita internacionalista tinha como principal missão defender a pátria dos trabalhadores ou seja a recém criada URSS.

A partir dessa altura, o confronto entre socialistas e comunistas tornou-se público, violento (a famosa teoria do “Klasse gegen Klasse” muito em voga na Alemanha  pré hitlerianae que durou até acabarem todos nos campos de concentração. Todos não, porquanto, a direcção do PC alemão conseguiu fugir para URSS de onde só regressou no fim da guerra.

Data dessa altura a “fusão” entre comunistas e socialistas na RDA, criando o Parido Socialista Unificado alemão (SED) Do lado ocidental, obviamente não aconteceu tal união pelo simples facto de não haver um exercito soviético a ocupar o país.

É verdade que, durante curtíssimos períodos houve “frentes populares” em alguns países, nomeadamente a França. Todavia, essa unidade artificial foi sempre breve e basta lembrar que, uma vez ocupado o país, os comunistas, tentaram, de resto sem êxito, recomeçar a publicar legalmente “L’Humanité” dado considerarem que o pacto entre A Alemanha nnazi e a URSS os colocavam como parceiros leais dos invasores.     

  A famosa resistência do partido dos “mártires e dos fuzilados”, só começou em 1941 depois da invasão da União Soviética, mesmo se alguns militantes se tenham oposto aos alemães desde o princípio. Mas também é verdade que os mais conhecidos dentre eles foram, por isso mesmo, expulsos do partido!

Em Portugal, desde o início da Ditadura houve adversários do Estado Novo em todos os sectores políticos (republicanos, socialistas, anarquistas e comunistas). De todo o modo, a unidade de acção também foi sobretudo episódica, por curtos períodos de tempo e terminou sempre pelas mesmas razões: a tentativa comunista de hegemonizar e dirigir unilateralmente a luta política. 

O 25 de Abril pareceu, durante escassas semanas, produzir alguma acção unitária que se desfez com rapidez, desde a luta contra a unicidade sindical até ao Verão quente e ao cerco do parlamento.

E mesmo o apoio a Mário Soares na eleição presidencial (precedido de uma significativa agressão na Marinha Grande) foi, como bem disse Álvaro Cunha, algo tão difícil como engolir um sapo ou um elefante!

Portanto, o muro de Berlin (em versão nacional) foi derrubado não exactamente por Costa mas sobretudo por Jerónimo que entre dois males -um novo Governo da Direita e outro do PS- preferiu sem entusiasmo a segunda hipótese. Porém, sempre que houve possibilidades, e sobretudo em épocas eleitorais, o PS foi mais maltratado pelo PC do que o chouriço por Mafoma.

(os leitores repararão que evitei usar o termo chantagem que agora irá ser gasto até nada significar. As discussões orçamentais foram como as campanhas eleitorais terreno fértil para exigências, denúncias, ameaças e calúnias. Pelos vistos é a isso que chamam “discussão democrática”)

 

Não vou tentar encontrar razões para estes anos de acalmia nas ruas mas também não vou ignorar que o PC está a ser alvo de um profundo desgaste que se traduz em clara diminuição do seu peso eleitoral e da sua influencia na sociedade.

E não é apenas a concorrência do BE que o afecta – e apenas nas cidades importantes e nos media. É a cada vez mais distante ideia de que o “o verdadeiro socialismo” propõe uma sociedade melhor, mais justa e mais feliz, a recordação ainda viva do anquilosamento das sociedades comunistas desde a soviética, à cubana, com passagem pela coreana ou pelo social-imperial capitalismo chinês (Hong-Kong ou Macau aí estão para mostrar que o espírito da repressão na praça Tien-an-men está vivo e persegue, prende e faz desaparecer os opositores).

Estas linhas estão a ser escritas antes de de conhecer o destino da votação de hoje, se é que já ocorreu. Com o OE chumbado ou salvo por algum milagre da santinha da Ladeira, o que acima está não muda uma vírgula.

É que a História não se faz a la carte...

(nem Lenin acabou por morrer graças às sequelas de um atentado de socialistas revolucionários que ele persegui com denodo e violência  e contra a História comum). 

* na vinheta: um cartaz da época da sinistra ideia-força "klasse gegen Klasse". eu tenho ideia de um poema curto de Brecht que diz mais ou menos isto: num muo está escrito "viva a guerra". quem o escreveu já está morto. 

Também os adeptos desta trágica e estúpida mensagem acabaram quase todos em campos de onde poucos voltaram