estes dias que passam 653
A leste, o paraíso... (???!!!)
mcr, 23-o2-22
Em tempos que já lá vão, corria entre meios da Oposição não comunista um dito sobre o PCP que rezava assim: o PCP não está à Esquerda nem à Direita. Está a Leste!
Nós, e falo da gente que, como eu, tentava furar a espessa rede repressiva da época, indignávamo-nos, mesmo os que não eram militantes ou simpatizantes. Achávamos que aquilo era uma conspiração do velho “reviralhismo”, dos raros sobreviventes do socialismo, dos “democráticos” enfim do que restava de não-apoiantes do Estado Novo, dizimados por dezenas de anos de lutas inglórias, de prisão, de perseguição profissional.
Todavia, reconhecíamos (e mais reconhecemos a partir da “Primavera de Praga) que o PCP mantinha uma inalterável, rígida lealdade à União Soviética, a ”pátria do socialismo real”, o “sol” (ou o sal?) da terra.
A história pregressa depois de 1945, afirmava que a Guerra tinha sido ganha praticamente só pela URSS, que os Aliados pouco se tinham esforçado, que depois de ocuparem a Alemanha tinham feito tudo para derrubar a fantasmática RDA, que os acontecimentos do Berlin a 17 Junho de 1953 tinham sido fomentados por agentes da CIA (note-se que se está a referir uma maciça mobilização de mais de um milhão de pessoas num total de 16/ 17 milhões de alemães orientais), que a revolta da Hungria (1956) fora uma nova conspiração ocidental, que o 1º Ministro Imre Nagy fora sempre (mesmo enquanto militante e dirigente comunista !!!) um agente dos imperialistas, um contra-revolucionário, enfim o costume.
Em 1969, foi a vez da Checo-Eeslováquia invadida novamente por tropas russas. De nada valeu o facto de o Governo ser dirigido por militantes comunistas de sempre (Dubcek) e ser notória a incompetência do anterior governo.
Anteriormente, já a URSS se incompatibilizara com o governo da Jugoslávia, também ele acusado de tudo, inclusive de trotskismo, nota recorrente e infamante usada contra qualquer espécie de dissidente.
Em todos estes casos, o PCP foi sempre um incondicional apoiante da direcção do PCOS (Partido Comunista da União Soviética).
É verdade que, de longe em longe, e sobretudo nos anos que se seguiram à crise checa e ao conflito sino-soviético, aparecia um responsável comunista, desiludido e expulso do “partido” que criticava os métodos, as escolhas, o alinhamento cego do pcp com a direcção russa (ou soviética que quase o mesmo, ou até apenas o mesmo, basta compulsar os nomes e a “nacionalidade” dos mais conhecidos e mais influentes dirigentes do PCUS).
A implosão da União Soviética foi um drama duramente sentido para militantes mais ingénuos mas, ao contrário do que se passou em países onde os PC eram robustos, influentes e com forte implantação (França ou Itália, para não ir mais longe)
De certo modo, o PCP foi uma excepção no universo comunista ocidental mesmo se, como se vê a olho nu, o seu declínio seja constante ainda que lento. O pcp de 2022 ´é uma pálida e esbatida imagem do Pc dos anos 70/90. Mesmo tendo mais um deputado do que o BE teve menos votos e foi ultrapassado pelos dois recentes partidos da Direita que, no caso do Chega, até o atacam nos seus bastiões tradicionais.
Tudo isto vem a propósito do actual momento político internacional.
Se curiosamente se esperava uma certa posição recatada do Chega (sabido como é que Putin e a Rússia são olhados com indisfarçável simpatia pela Extrema Direita europeia (que eventualmente, aqui e al, vai beneficiando do apoio de Moscovo) que não aconteceu, eis que o PCP, através do seu “gabinete de imprensa” publica uma nota em que acusa a Ucrânia, a Nato, os EUA e a Europa de fomentarem uma agressão à Rússia que, coitada, contra-vontade teve de reconhecer a “independência” de territórios ucranianos onde milícias apoiadas, autorizadas, armadas pela Rússia estão desde há oito anos em claro estado de rebelião.
Quando se esperava (enfim alguns esperavam) que o PCP criticasse a visão distorcida da criação da Ucrânia por Lenin , crime lesa Rússia de sempre levado friamente a cabo pelos bolcheviques ,desesperados por uma oportunidade de se defenderem dos “russos brancos” (que curiosamente foram vencidos com o fortíssimo apoio dos nacionalistas ucranianos e dos corpos anarquistas de Makhno), verifica-se que os comunistas de cá engolem mais esse sapo, essa injúria sacrílega e cerram fileiras à volta do companheiro Vladimir Putin e eventualmente se fazem garantes de outra e renovada “muralha de aço”. É obra!
Ou, nem sequer isso: o PCP continua a louvaminhar a “democrática” Coreia do Norte, a olhar com ternura a Venezuela, a defender a indefensável Cuba e a entender que a China com o seu nutrido exército de multimilionários (sempre membros do PCC, obviamente) e a sua evidente política económica de fachada socialista mas mais capitalista e selvagem do que a de qualquer outro país dito capitalista, são exemplos de uma sociedade de futuro.
Tudo isto, esta postura de simpática compreensão pelas exigências russas levam os que ainda se lembram à recordação do estatuto do antigo Pacto de Varsóvia que assentava numa ideia de “soberania limitada” por parte dos países do leste europeu. Se observarem com alguma atenção é exactamente isso o que a Rússia exige à Ucrânia. E, pelos vistos, a todos os países saído dos ventre infecundo da antiga União das Repúblicas socialistas Soviéticas
*a vinheta :emblema do pacto de Varsóvia