estes dias que passam 654
Ukraína...Ukraína!...
mcr, 25-02-22
A D. Alexandra é uma das empregadas de minha Mãe e teria como tarefa dormir cá em casa (estou na casa materna) mas desde que chegou há já quatro ou cinco anos ainda não o faz. A old lady, do alto dos seus cem anos (!!!) endtende que ainda não ´altura e continua a viver sozinha. A D Alexandra aparece pelas 10 e sai depois do almoço . Contrato melhor não há, visto que já recebe como se passasse também as noites.
Esta senhora é moldava e ainda por lá tem familiares embora a filha, genro e neta já sejam praticamente portugueses sem qualquer desejo de voltar à antiga pátria.
Ontem, quinta feira suspirou, murmurou o ue serve de título . Usou uma voz amortecida como se nos quisesse dizer que teme pela independência do seu país natal. Ela abe que, se a Ucrânia for anexada, a Moldávia engrossará o império russo, num abrir e fechar de olhos. Também lá há uma minoria russófona (cerca de 10%) o que é mais que suficiente para Putin.
Não serei eu quem discorde da negra profecia da D Alexandra. Aquele território (e sobretudo a Bessarábia) já anda em bolandas desde o século XIX ora pertencendo à Rússia, ora caindo para o lado romeno, logo que o Império turco se desfez (aliás até antes...) Há, mesmo, uma coisa chamada Transnistria que se proclamou república independente depois do fim da URSS e que só a Rússia (e algum aliado espúrio desta) reconhece.
Devo acrescentar que, até ontem, apenas temia, como hipótese meramente académica, um ataque da Rússia. Direi que tal ataque o visualizava como algo de limitado aos territórios de leste (Donetz e Lugansk) porquanto a rebelião pró-russa não os ocupara inteiramente.
Vê-se que, apesar da idade, apesar do que vi durante a minha já longa vida, continuei a ser um incorrigível e ingénuo optimista.
Afinal, os americanos não eram assim tão alucinadamente alarmistas como por aí alguns, os do costume, afirmavam.
A invasão estava a ser meticulosamente preparada, as frentes de ataque a ser identificadas desde o satélite bielorrusso até à Crimeia ocupada há vários anos.
(eu sobre esta península já aqui disse que, de certo modo é verdadeira a expressão “ a Crimeia está empapada de sangue russo” -aliás na maior parte das vezes ucraniano porquanto as tropas imperiais de Ptemkin eram recrutadas localmente-
Deveria ter acrescentado “ e de sangue tatar (ou tártaro) pois eram estes os primitivos habitantes da zona e nela permaneceram depois da conquista russa. Durante o infame consulado de Stalin, e sobre as ordens de Beria, cerca de 200.ooo (ou seja a quase totalidade desta população) foram deportados para o outro extremo da URSS. Estima-se em 30.000 o número de mortos logo no primeiro ano.
Foi já durante a soberania ucraniana que alguns tatars conseguiram regressar. Em má hora o terão feito pois sujeitam-se a ser reenviados para o lugar onde penaram pais e avós deles.
Voltando aos propósitos da invasão em grande escala, não me atrevo a futurar seja o que for.Pelos vistos, o propósito anunciado por Putin é triplo, desarmar completamente a Ucrânia, impedir a sua incorporação na União Europeia e, especialmente, na NATO, criar na região um governo “amistoso” que perceba o quão russos e ucranianos são “irmãos”.
A irmandade russo-ucraniana iniciou-se pouco depois da formação da URSS, aquando da constituição forçada de kolkhozes. Para além de umas dezenas (ou centenas) de milhares de deportações, a colectivização brutal dos meios de produção e da terra levou a um autêntico genocídio. Morreram, pela mais baixa estimativa três milhões de ucranianos. De fome!
É notar que nada fazia prever esta tragédia. Os ucranianos da recém proclamada República foram aliados inestimáveis d Exército Vermelho e sozinhos liquidaram vários exércitos “brancos” que foram forçados a retirara derrotados para a Polínia.
Mais tarde, durante a 2ª Guerra se é verdade que houve mutos ucranianos que a princípio não hostilizaram (ou mesmo festejaram) os invasores alemães, mais tarde foram também ucranianos a suportar o peso das contra-ofensivas soviéticas. Estima-se que um terço dos soldados soviéticos mortos fosse de origem ucraniana.
Conviria ainda recordar que o território ucraniano foi durante muito tempo pertença da Polónia ou da Lituânia ,mesmo se Kiev tenha sido um do berços da Rússia.
A tese revisionista de Putin sobre a História recente omite que mais de 80%do território russo é de conquista recente, a famosa marcha para leste.
Mesmo o Cáucaso só entrou na soberania russa tardiamente, em pleno século XIX e, como ocorreu em vários dos seus territórios foi sempre trado como colónia (a começar pela Tchetchénia cuja última rebelião foi sufocada por dezenas de milhares de mores e destruição maciça de boa parte do país e a terminar na Geórgia, pátria de Stalin, que já foi amputada de dois territórios (agora repúblicas fantoches: Ossétia e Abkásia)
Em face deste panorama, desta história recente e menos recente (sec. XX) é impossível adivinhar qual o fim desta situação de guerra, totalmente criada pela Rússi.
Para quem viveu toda a “guerra fria”, viajou um pouco no paraíso leste europeu (Hungria e Polónia, sem falar na RDA e na Jugoslávia), viu “in loco” quais a miseráveis condições de vida existentes (a ponto de o Portugal dos anos 6.0 parecer um país rico!...) o futuro daquela região é pelo menos, dramaticamente duvidoso.
Entretanto na Rússia, ontem ainda, já se contabilizavam 1190 detenções de pessoas que protestavam. Par um só dia é uma média honrosa mesmo num país que conheceu a NKVD e o KGB (de que Putin foi alto quadro...)
Voltando ao lamento da D Alexandra apenas posso dizer que não sei como a consolar ou acalmar
*o título reflete, tanto quanto possível, o nome do país que, só em português (?) é que soa diferente
** a vinheta d+foi escolhida por mero acaso. De todo o modo, é terrível ver que a vida destas pessoas cabe toda numa mala !