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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 663

d'oliveira, 10.03.22

 

 

 

 

 

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Justificar o injustificável

Defender o indefensável

Mcr, 10-2-22

 

 

No jornal que leio há um princípio que não contesto: dar a palavra a quase toda a gente. Por mero acaso(?) só a Direita pura e dura carece de representante/comentador. No resto do leque partidário há para todos os gostos (e desgostos)

Não serei eu quem critique esta opção que, todavia, não me satisfaz particularmente. Aliás, e desde que me interesso por estas coisas, procurei sempre conhecer o pensamento dos meus adversários. Confesso que nunca consegui levar o meu rigor ao ponto de ler o que dizia a extrema direita, mesmo no ponto de vista cultural. Em tempos que já lá vão, enterrados e bem enterrados, cheguei a ler os primeiros números de “Tempo Presente” uma revista animada pela Direita salazarista (e até anti-salazarista, no sentido em que alguns dos seus corifeus glorificavam  algo semelhante ao fascismo). Desisti ao fim de três números e ficaram por ler os restantes vinte e quatro. Aquilo extinguiu-se por falta de leitores e assinantes, ao mesmo tempo que a “Vértice”, a “Seara Nova” e mais tarde “O Tempo e o Modo” conseguiam sobreviver e manter-se por muitos e bons anos que acabaram já depois deAbril de 1974.

Parte da minha geração ainda lia o francês pelo que eu além do “Le Monde” mantive forte fidelidade ao “L’Éxpress” que, malgrado o seu honroso passado a favor da Argélia, se foi tornando um semanário relativamente conservador, melhor dizendo de centro-direita. Com os anos, fui consumindo mais imprensa internacional a começar pelo “Paese Sera”, jornal conotado com o Partido Comunista Italiano. Quando apareceu “Il manifesto” substitui o anterior por este e mais tarde passei ao “La Republica.” Em Espanha comecei por ser leitor da excelente revista “Triunfo” e depois desta terminar passei (logo que apareceu) a “El país”que agora já cá não chega. Juntamente com este, e apenas por causa do suplemento de cultura  comprei sempre “ABC” que entretanto desapareceu da circulação em Portugal (pelo menos a edição com o suplemento).

Tudo isto para dar uma ideia incompleta das minhas fontes noticiosas. Além desta meia dúzia de títulos tenho que confessar que durante anos e anos me enchi de revistas culturais, italianas, francesas e, sobretudo, espanholas. Vi morrer muitas, perdi o rato a outras sobretudo porque não aparecem por cá. Quando saio para Espanha, França ou Itália, é um regabofe, venho carregado com leitura para meses ou anos!...

Nos finais de 60 e nos setenta e oitenta (inícios) li com alguma atenção uma boa série de jornais ditos “esquerdistas” franceses e italianos.  E li-os quase até ao último suspiro deles, devo dizê-lo. Não por especial simpatia mas porque a minha curiosidade pelos ínvios caminhos da Esquerda me obrigava atentar perceber o estado da arte.

Em Portugal a oferta foi sempre escassa, nem sempre feliz e demasiadas vezes medíocre no que toca a imprensa de Esquerda.

Todavia, e era aqui que queria chegar, raras vezes encontrei textos recheados de má fé, de mentirolas, de descaramento.

Volta e meia, aqui fui dando conta, dessa estranhíssima cruzada de comentadores que misturavam alhos com bugalhos, defendiam o indefensável e tentavam aproveitar a ignorânciahistórica dos leitores para alavancar os seus argumentos.

Hoje, no Público, e como de costume, um cavalheiro que pelos vistos presume de sociólogo  e que se distinhuiu como mais chavista que Chaves e mais madurista que Maduro,  entendeu vir sustentar uma tese que além de falsa, é miserável e infame.

Entende essa criatura que no momento actual um encontro entre russos e ucranianos é inútil e que seria muito mais útil ocorrerentre A Russia de um lado, a Europa, os EUA e a NATO por outro.

Ou seja, um Estado sobrano, reconhecido por todos, com uma presença (discutível mas aceite) na ONU desde o fim da 2ªGuerra Mundial, é obliterado pelo comentador  a exemplo, diz ele  do que ocorreu entre os Estados Unidos e a URSS aquando da crise dos misseis em Cuba! E acrescenta ou pergunta se Fidel de Castro foi chamado a essas conversações.

Só  por grosseira interpretação da história desse período é que esta afirmação poderia ser usada.

É verdade que a crise dos mísseis existiu, que os EUA fizeram parar e retroceder uma frota soviética com mais mísseis para instalar em Cuba e nas negociações que se seguiram retirar os misseis que estavam instalados a menos de 100 quilómetros  da costa americana. Misseis com ogivas nucleares, já agora.

Também é verdade que, os EUA estabeleceram um  bloqueio a Cuba que em muitos aspectos ainda dura e que só acentuou a dependência deste país em relação à URSS. E o desastre que se sucedeu quando a URSS implodiu.

Não é menos verdade que a administração republicana anterior à eleição de Kennedy preparou , mal e porcamente, uma invasão de Cuba (Baía dos Porcos) que se saldou numa estrondosa derrota  dos invasores.

Eu não me lembro de ver o denodado cruzado madurista a protestar nesse tempo contra esta aventura imbecil e criminosa. E tenho não só boa memória como fiz parte dos que protestaram  com os parcos meios da época. Pessoalmente e durante o curto espaço de tempo que durou fui leitor de muita imprensa cubana distribuída pela embaixada (e recordo com saudade e admiração alguma imprensa cultural da altura, sobretudo a revista “Bohemia” rapidamente suicidada pelos dirigentes cubanos, com boa parte dos seus redatores presos ou exilados)

Os acordos, russo-americanos, foram um êxito para os soviéticos, uma  felicidade para Cuba e para Fidel e sobretudo pouparam a ilha às atrocidades que agora se podem ver na Ucrânia

Os EUA entraram depois em várias guerras  e, em todas , que me lembre estive contra, disse-o alto e bom som, coisa que não recordo do sociólogo madurista que lá foi prosseguindo a sua vidinha, à sombra do Estado Novo, do funcionalismo deste sem problemas nem dramas.  Nem perseguições de qualquer ordem, sorte que não tive, porventura por ser um mau carácter.

Nesta questão crucial para a Europa e sobretudo para Ucrânia (quiçá para a Moldávia e eventualmente para outros ex-satélites da URSS ou antigos membros dela (p.ex. a Geórgia) o artigo miserável do sociólogo torna indistinta uma questão: a Rússia invadiu (ao invés dos americanos durante a crise dos mísseis) , matou, metralhou e faz ultimatos irrazoáveis.

Nao se prova que a NATO tenha andado a acirrar a Ucrânia, a armá-la,a propor que esse país desafiasse a Rússia que, entretanto e desde 2014, lhe ocupou território, armou, financiou e apoiou de todas as formas as “repúblicas independentes” do leste.

Enquanto que, na América de Kennedy a imprensa e todos os meios de comunicação relataram a crise, ouviram os adversários (como mais tarde no conflito vietnamita o fizeram a pontos de haver uma forte percentagem de comentadores que afirmam que os Estados Unidos perderam essa guerra em casa graças às televisões americanas, O que hoje vemos da agressora russa é que não só foram fechados meios vagamente independentes de comunicação como a invasão é nos comunicados oficiais é obrigatória e modestamente apelidada de intervenção especial. O processo de silenciamento interno, de justificação mentirosa, de proibição de notícias é, aliás, idêntico ao que o regime de Maduro impôs à Venezuela, como se sabe.

Não admira que os prosélitos deste último sejam agora os justificadores de Putin. Veremos o que amanhã dirão de Bolsonaro ou de outras personagens do mesmo jaez. É só esperar...