estes dias que passam 668
Desconversando...
mcr, 17-o3-22
os amigos do profeta da “purificação da Rússia” (sic) à falta de melhores argumentos vem agora, pela calada, sorrateiramente reerir o facto de os refugiados (já passam dos três milhões!...) da Ucania estarem a ser alvo de atenções que se recusaram a outros que também vieram bater às portas do Ocidente.
É verdade e percebe-se bem o porquê: para já fogem de uma guerra que não poupa ninguém e a que assistimos pela televisão quase em directo. Depois são vizinhos, partilham valores, religião e civilização comuns ou muito próximas. É verdade que são brancos, melhor dizendo são brancas na medida em que 90% doas entradas são de mulheres e crianças. Polacos, checos, eslovacos e moldavos são ou eslavos ou fortemente aparentados com estes refugiados. Línguas próximas, quase mais próximas do que o português e o espanhol.
Aliás, e nos países fronteiriços com a Ucrânia (Roménia exceptuada) nem sequer havia a tradição de aceitar emigrantes mas estes, actuais, tem uma longa tradição de vida em comum, desde os tempos da federação polaco-lituana que abrangia grande parte da Ucrânia ocidental, até ao facto, piedosamente esquecido (ou maldosamente ocultado) de terem durante quatro décadas partilhado o duplo peso do socialismo à maneira de Stalin e o pacto de Varsóvia que permitia às tropas russas intervir (como sempre o fizeram nesses anos de “felicidade socialista”) a todo o momento nas nações colonizadas e satélites da URSS.
Em terceiro lugar, por exemplo em Portugal, existe desde à muito uma forte colónia ucraniana, perfeitamente integrada, que chegou a ter oitenta mil membros. Em Espanha, o número era muito maior mas a convivência e aboa reputação eram iguais.
Em quarto lugar, e à diferença dos refugiados do Médio Oriente, de certos países africanos islamizados ou do Afeganistão, não são de temer fanáticos islamistas que deixaram nos países de acolhimento um rasto de violência que nem Portugal escapou como estarão lembrados.
De todo o modo, só para referir Portugal, este país tem sido ponto de chegada e de acolhimento de dezenas de milhares de africanos sobretudo, mas não só, dos PALOP. Seria interessante lembrar que, inclusive, se acolheram a Portugal, vários antigos líderes independentistas mormente de Angola e da Guiné. Que Portugal tem uma forte colónia indiana que não vem só dos antigos territórioso coloniais mas também de zonas limítrofes. Que muitos desses residentes são de confissão muçulmana e tem demonstrado por múltiplas maneiras integrarem-se bem.
A grande diferença entre muitos emigrantes africanos e asiáticos e os prófugos dos ex-países de leste está, para além da religião e da cor, na educação e na escolaridade. E na facilidade de aprendizagem da língua portuguesa. Basta ouvir os porta-vozes da comunidade ucraniana para o perceber.
Portanto a acrisolada defesa que ora se faz de gentes vindas de outros horizontes não tem especial sentido nem sequer permite criticar os mais recentes chegados. Não tenho quaisquer dúvidas que os europeus ocidentais se sentem muito mais à vontade com emigrantes que partilham religião, história e cultura com eles mas seria bom chamar à colação as enormes comunidades muçulmanas de França, a turca na Alemanha, os provenientes de certas zonas de África em Itália ou a fortíssima concentração de gente vinda do antigo império britânico na Inglaterra.
Eu, aliás, gostaria de saber se algum dos recentíssimos críticos teve alguma vez qualquer relação (já nem falo de amizade) com emigrantes anteriores mormente africanos ou asiáticos. Se a imensa maioria dos “amigos de África” (ou de Peniche...) sabe qualquer coisa sobre esse continente que muitos portugueses palmilharam desde há séculos. Se sabem das línguas, da cultura, da história, da música ou da literatura africanas. Não receio afirmar que 90% dessas agora caridosas almas são incapazes sequer de estabelecer com alguma qualidade as actuais fronteiras herdadas do tempo colonial. Quanto ao que foram os antigos impérios (onde existiram) africanos aposto que a percentagem é de 99%:
Todavia, essa ignorância crassa das realidades africanas de ontem e de hoje, não impediu um punhado de alminhas de tentarem recriar por c´s alguns dos logans e imitar algumas das acções que a televisão lhes fornecia direamente da América. Não é caso único, infelizmente. As modas e as pseudo-modas culturais externas encontram terreno adubado num país onde pequenos grupos urbanos tentam iluminar um dia a dia cinzento com uma imitação do que se passa “lá fora”. Foi assim que se vandalizou a estátua do Padre António Vieira, defensor de índios e de humildes, perseguido pela inquisição, justamente a mesma ou parecida com a que séculos depois o condenava por colonialista! Idêntica manobra foi tentada a propósito de uma representação cultural onde a decisão de um júri independente (que o Estado já percebeu que meter-se nesses trabalhos só lhe traria chatices) foi vilipendiada por não ter em linha de conta o sexo e a cor de uma concorrente que não foi a escolhida!!!
Nos “bons velhos tempos” havia gentinha (e não era pouca) que tentava chamar a atenção da polícia, de certa polícia, para as acrividades ou a s postura ou as opiniões de pessoas que invejavam ou de quem não gostavam. E a polícia lá ia arquivando minuciosamente essas “informações” quase sempre anónimas em processos que mais tarde poderiam ou não ser usados contra os mal pensantes. Estão na Torre do tombo ainda inacessíveis aos visados graças a uma lei iníqua que, em nome dos brandos costumes e da tolerância permitiu aos denunciantes escapar impunes às consequências das suas canalhadas. Quando os arquivos forem abertos (se o forem) já os denunciados estão mortos e enterrados como aliás os denunciantes que, entretanto gozaram de uma fama de bons e leais portugueses obviamente resistentes ao salazarismo quando não com um toque de perseguidos políticos!
Anda por aí muito figurão que, no dia 26 de Abril de 1974, virou a casaca e exigiu em alta grita um lugarzinho ao lado dos escassos milhares de portugueses que nunca pactuaram com a anterior “situação”.
É tudo farinha do mesmo saco...
Na vinheta: duas imagens de crianças refugiadas. Origens e cor diferentes mas a mesma tragédia.