estes dias que passam 715
O que arde sem se ver
mcr, 15-7-22
Não é , seguramente, o fogo, todos os fogos o fogo (com permissão de Cortazar) que esse vê-se de todo o lado, por todo o lado.
O que arde é ausência de medidas estruturais que signifiquem verdadeiras opções contra os fogos que todos os anos nos afligem, nos empobrecem e, por vezes, nos matam.
É evidente que tais medidas demorarão no tempo mas não é menos verdade é que, depois daquele ano negro (e já lá vão cinco longos anos) já está mais que feita a autópsia dos males maiores que se abatem sobre este desgraçado país.
Também é verdade que o cadastro (ai o cadastro) é uma miragem, que o aquecimento global é uma débil voz no deserto e no negrume dos rescaldos, que isto e e que aquilo.
Isto não vai com empurrões com a barriga nem com o varrer as culpas para debaixo do tapete.
Todos nós vimos, vemos e veremos as paisagens a arder, os matos por todo o lado, à beira das casas como se nada fosse.
É verdade que dos terrenos de proprietários desconhecidos o fogo avança sobre os terrenos de gente que pouco tem, que pouco pode fazer, sobre vinhas, pinhal, pomares, hortas e jardins. Sobre colmeias preciosas por todas as razões e mais uma, que sem abelhas não haverá fruta que se veja.
São mais que muitas as casas abandonadas, em ruínas que agora são pasto das chamas e veículo ideal para fogos junto de outras casas essas habitadas por uma população envelhecida, exausta que resiste, que tent sobreviver.
Não há cadastro e muito menos vergonha. Não há uma merda de uma lei que declare perdido a favor do Estado, dos municípios, das freguesias aquilo que há muito está abandonado onde florescem os matos, e a madeira seca.
Eu ouvi o Sr Primeiro Ministro apelar aos eventuais proprietários um esforço para cadastrar propriedades que muito provavelmente eles ignoram. A raxões para crer que que de tão divididas as heranças sobre a cada um duas dúzias de metros quadrados desoladamente escondidos na mata que cresceu desordenada, onde os caminhos, se é que os houve desapareceram bem como quaisquer marcos ou sinais identificadores de posse.
A verdade é simples: em cinquenta/setenta anos as populações fugiram, desapareceram, morreram . Sobram raros velhos em aldeias fantasma ou perdidos na lonjura.
Nada fixou populações no interior sequer nas vilas e cidades. Nem o Estado ajudou quando, paulatinamente, foi extinguindo serviços públicos numa lógica que mostra bem que a famosa regionalização é apenas um verbo de encher em que nem sequer os seus apoiantes verdadeiramente acreditam.
O campo esvaziou-se e o que resta vazio estará baldio dentro de uma /duas dúzias de anos. A agricultura produtiva que virá, se vier, necessitará de muito pouca mão de obra. E serão jornaleiros, emigrantes trazidos de países exóticos a preço de saldo e sem qualquer vontade de se agarrar ao terrunho. Só meia dúzia de patéticos arautos de uma nova maneira de viver, urbanos até ao sabugo e desconhecedores de tudo o que é rural é que virão para os novos desertos.
É pessimismo isto?
Antes não fosse mas pelo andar da carruagem com o fogo a aquecer a aragem não se vê jeitos de a coisa ser diferente.
É verdade que a terá (e a Terra) é mais forte do que muitos apregoam, que a vida renasce a cada canto mas a criação de uma nova classe de médios camponeses que se sintam confortáveis a viver da terra, a cuidar da mata, a plantar as árvores que serão frondosas e úteis no tempo de filhos ou de netos não deitará raízes neste labirinto de leis morta de burocracia invasiva de descaso do Estado e de todas as restantes autoridades.
Estamos a meio de Julho, um Julho que, valha a verdade, é o mais quente de sempre (ou um dos mais quentes...) e já ha mais área ardida do que em todo o ano passado. E seria bom verificar se não há mais área ardida do que em todos os Julhos passados mesmo se ainda nos restam duas boas semanas.
Sem inocentar os governos sucessivos desta inditoso país, conviria, porém, lembrar que este Governo é o mesmo de há seis anos. Que assistiu à tragédia de Pedrogão; que jurou fazer e acontecer; que criou comissões, encomendou estudos ao desbarato; Tudo isto mais as compras de aviões, a nacionalizaçãoo do SIRESP as eventuais dotções de meios (sempre insuficientes – os famosos meios finitos daquele ministro penteadinho que sucedeu a Cabrita o que se gabava de ter vencido o fogo sem perceber que foi apenas a meteorologia que o salvou da sua reconhecida falta de qualidade e que permitiu uma trégua nesta “duvidosa batalha”.
Até a guerra na Ucrânia com o seu infinito cortejo de atrocidades, com a destruição total de cidades que demorarão anos a reconstruir, cos a gigantesca debandada de milhões de pessoas espavoridas (ainda ontem duas universidades, uma clínica, seis crianças fora os restantes vinte mortos mostram para que servem os mísseis certeiros da horda invasora que, desta feita os disparou de submarinos no mar Negro...) foi varrida para os cafundós dos noticiários televisivos que relatam, repetem, repetem as repetições num monólogo sinistro, e em maus português, o que poderia escorreitamente ser dito em dez minutos de verdade e limpos de narizes de cera .
Mas não, os pivots, os reporters no terreno extasiam-se na descrição repetida do horror, no pormenor, de uma chama, no lamento de um cidadão velho e subitamente ainda mais arruinado não percebendo que tanto drama, vezes sem conta repetido, tão mal tratado e servido, cansa o espctador mesmo o mais voyeur.
E nisso serviço público e privadas competem violentamente, espojam-se em notícias requentadas ao longo d o dia e das emissões. E ouvem o “povo”. E o “povo” agradecido lá diz duas banalidades ou duas asneiras que só o seu evidente sofrimento perdoa ou justifica. Lamento muito mas a reportagem de cinco minutos sobre “A das vacas de cima” com dois pardieiros a arder e uma mulher a correr com um balde na mão e um fundo de fumarolas ameaçadores a descer pelas ladeiras da serra não me informa nada, não me ensina nada. A mim e a qualquer outra pessoa que se sinta solidária, responsável mas impotente.
Nada nos é poupado, sequer um desgraçado cão resgatado pelos bombeiros e deixado morrer pela indiferença de uma megera que era a dona e que deixava para o dia seguinte o tratamento urgente do pobre bicho que, aliás, estaria preso num barracão sem possibilidades de fugir... O cão morreu por falta de ida urgente a um veterinário. Eis uma metáfora esclarecedora do país que temos, do país que somos (they shoot dogs do’nt they ?”- desculpa lá Horace Mc Coy o enviesado da citação do teu magnífico título- )...
Alguém me virá brandamente (ou não!) avisar que há fogos em Espanha e em França. E na Grécia ou na Turquia. É verdade mas esperem-lhe pelas estatísticas finais e depois comparem. E logo se verá quem é que perdeu mais tendo em linha de conta a superfície do território