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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 716

d'oliveira, 20.07.22

“Les temps sont difficiles”

mcr, 20-7-22

 

 

recorro a um título de Léo Ferré, cantor que me acompanha desde os anos sessenta, poeta admirável embora , de quando em quando, cedesse ao panfleto e à facilidade daqueles anos em que (palavras suas) “a poesia estava na rua”. Convém, no entanto, dizer que mesmo nessas piscadelas de olho à espuma dos dias e a uma revolução pedida mas não partilhada pela mesma “rua”, havia humor, invenção talento  nada que se comparasse com a vulgata “cançoneteira”  de outros alegados arautos  de um mundo novo que se confundia com um outro bem mais velho e pouco recomendável. 

Foi por acaso que escolhi o título. De facto meti uma “pen” carregada de música no carro e saiu-me o Ferré. (eu agora tenho uma dezena de pens carregadinhas com todo o tipo de músicas e de géneros, tudo a esmo, para ouvir enquanto guio. ) 

Ora a discussão do “estado da Nação”, umas páginas de jornal sobre o mesmo tema deram-me, de bandeja, o título do folhetim. Valha a verdade que Léo Ferré tem pelo menos três canções com este título todas inspiradas nos anos 63 a 65 em França e, obviamente, críticas da política então seguida. 

E, então o dito estado da pátria madrasta?  Pois, na verdade, não encontrei melhor comentário que a tira de Luís Afonso  na última página do Público. Duas figuras perguntam-se sobre o tema e o barman anuncia que vai ligar para saber. Do outro lado do fio sai-lhe uma “unidade de cuidados paliativos”.

De facto, se pusermos de lado a pipa de massa que está a chegar da Europa para o famigerado PRR, as notícias sobre a Nação não são especialmente risonhas e futurantes.

É bom dizer, mesmo sem querer defender o actual Governo que mostra já as fissuras evidentes que se anunciavam desde o primeiro dia, que em cuidados paliativos temos andado desde o século XVIII , caindo aqui, tropeçando mais adiante, titubeando quase sempre, amparados aos ouros do Brasil, às remessas de emigrantes, a voraz e breve cornucópia de algum investimento estrangeiro. A “crise” endémica e instalada resistiu a tudo e os indígenas também a atribuíram a tudo excepto a eles próprios. Foram as invasões francesas, o ingratidão do Brasil, a guerra civil, a carta constitucional, o ultimato, a reacção contra a república,  a guerra, a crise internacional, a ditadura, outra vez a guerra (desta feita lá fora...) o corporativismo, a emigração, outra vez a guerra (agora em África de onde, valha a verdade pouco ou nada trouxemos mesmo vendendo panos aos “pretos” e vinho a martelo. A África imperial, nacional e nossa estava ocupada fracamente por umas dúzias de companhias estrangeiras de que apenas éramos vagos gerentes. De resto a nossa presença nesses sertões durou cerca de um século pois antes aquilo não passava de um punhado de feitorias perdidas na costa onde se trocava pouco por coisa nenhuma. Os 500 anos de acção civilizadora – ou colonial – nunca o foram de facto.  ) 

Feita a revolução, e passada a efervescência revocionaristisca, começou-se a tentar ir para a Europa (coisa que sempre os nossos emigrantes fizeram, aliás e com algum sucesso). 

É verdade (e nunca o devemos esquecer) que 74 nos trouxe a liberdade e a democracia mas, no que toca ao desenvolvimento do país,  as coisas não melhoraram significativamente. E agora é o que se vê, se sabe ou se pressente. 

Há uma díivida pública excessiva, uma classe política irrelevante mas ambiciosa, um empresariado frágil e, em larga escala mal preparado, trabalhadores pouco produtivos e sempre mal pagos, interior abandonado e um litoral sobre-ocupado que tenta viver do turismo de pé descalço e de umas dezenas de campos de golfe. 

Como de costume, os últimos dez/quinze anos foram assinalados como crise, troika, reversão mais crise, mais precariedade, mais dinheiros vindos de fora e uma emigração menos evidente do que há sessenta anos mas contínua e sobretudo  levando gente mais preparada. 

Agora, uma vez passada a pandemia descobrimos que falta mão de obra no turismo, nas empresas agrícolas, nos aeroportos, na TAP. Ai Jesus como é que vamos receber os camones que chegam nos low cost e querem ser servidos? 

Também há hospitais a rebentar pelas costuras, multidões nacionais a fugir para as seguradoras de saúde, escolas com falta de professores e comboios que não andam devido ao calor, à falta de ar condicionado e a mais dez razões entre as quais, as greves  que não são só as do guardas florestais em plena época de fogos. 

Parece que, mesmo no seio dos apoiantes do Governo há indícios cada vez mais estridentes de desconforto com a dr.ª Temido, a criatura da Agricultura, o abencerragem das infra-estruturas e por aí fora. 

É sabido que o dr. Costa detesta remodelar seja o que for, pelo que é duvidoso que estas criaturas sejam devolvidas à mediocridade de onde nunca deveriam ter saído. 

As reformas ditas estruturais não avançam como se sabe mas em contrapartida voltou a regionalização que, fora criar mais uns centos de empregos para boys & girls nada de novo trará.  E isso mesmo já foi claramente expresso há uns anos quando a proposta foi rotundamente recusada. Agora com a população cada vez mais concentrada no litoral volta a surgir o mesmo fantasma sem sequer se perceber que uma simples mas profunda descentralização administrativa, uma nova relevância dada aos municípios e freguesias resolveria melhor e com maior proximidade praticamente tudo o que atirado para cima da regionalização. Há quem ainda não tenha percebido que, num país de dez milhões de habitantes, cinco regiões (e falo do mínimo proposto)são de mais. 

Dir-se-ia que por vezes há problemas que extravasam o município. Claro que há e para isso já de há muito se propuseram acções plurimunicipais e o pouco que fez provou que isso era viável, simples e –mais uma vez – próximo das pessoas. 

Em Portugal olha-se demasiado para o exterior sem cuidar de saber se as receitas de lá vindas se aplicam à nossa realidade histórica, social e cultural. Há uma ideia – peregrina – de fazer tábua rasa de tudo – para reinventar um país que nunca existiu e que provavelmente nunca prosperará. 

A famosa luta contra o centralismo parece ignorar que os deputados em vez de representarem verdadeiros círculos eleitorais e eleitores que a todo o momento os poderiam chamar à pedra, são eleitos à molhada e por isso mesmo irresponsáveis perante os eleitores. A ideia simples da eleição nominal foi postergada por medo ao caciquismo e trouxe como consequência o poder esconso, escondido dos aparelhos partidários, a multiplicação de deputados paraquedistas que são eleitos em zonas onde nunca puseram os pés, onde não provaram nada . Daí o triste espectáculo de um areópago onde 90%dos preopinantes apenas serve para levantar e sentar o dito cujo, às ordens da “direccção da bancada parlamentar”. ..

Não admira que os mais capazes se recusem à aventura parlamentar e que a maioria dos cidadãos ignore as suas identidades quando não despreza os poucos que conhece. E que são eleitos no fundo das listas  premiando assim serviços miúdos, obediência canina e fidelidade a  toda a prova. 

E qual é o resultado de tudo isto? Pois uma taxa de abstenção que ronda os cinquenta por cento nas principais eleições (as legislativas) e sobe ainda mais noutras (por exemplo as europeias). Desinteresse das  pessoas? Não. Apenas falta de alternativa interessante na escolha. Umas dezenas de milhares de eleitores ainda se dão ao trabalho de irem às urnas para votar branco, um sinal terrível de desconfiança no “produto” que lhes é proposto. 

Claro que para os males de que todos se queixam há sempre desculpas (mau anterior governo, uma qualquer troika malvada, alterações climáticas, seca severa, fogos florestais, , senhorios malvados e ambiciosos (cfr declarações recentes de uma criatura  que é desde há sei lá quantos anos o presidente de uma fantasmática associação de inquilinos. A pobre criatura afirma que com o aumento dos combustíveis, se torna impossível pagar as rendas das casas. Este representante de inquilinos deve ser algo idêntico ao representante dos utentes da ponte 25 de Abril, idem dos idosos e reformados, e por aí fora. Gente que se autopromove à custa de um grupo de amigalhaços e frente à indiferença de todos os restantes cidadãos na mesma situação que fogem deste tipo de associações como o diabo da cruz. Curiosamente, ou talvez não, vai-se a ver e vem tudo do mesmo pequeno sector  político, minoritário mas capaz de fingir grandes mobilizações  quando convém  a quem o dinamiza.  

E o país à espera. À espera dos dinheiros da bzooka, dos fogos florestais, cunha atempada e salvadora, dos bombeiros, das férias de Verão, dos subsídiozinhos c com que se lhes vai entretendo as carências e do totoloto ou da raspadinha onde se gasta dez vezes mais do que em qualquer outra necessidade premente. 

E no fim vai-se a ver e a dinheirama cai na estranja ..

Quem achar que estou a ser um velho do restelo só tem um caminho: ir ver as discussões que começaram hoje sobre o estado da Nação. Depois digam qualquer  coisinha...