estes dias que passam 752
Bom senso ou noção de ter ido demasiado longe?
mcr, 3-11-22
A Federação Russa voltou atrás no que toca ao acordo de saída de cereais da Ucrânia suspenso após uma operação de retaliação ucraniana sobre os vasos de guerra da esquadra do Mar Negro.
Sabe-se pouco, quase nada, dos estragos que o porto de Sebastopol realmente sofreu e do estado dos navios atingidos. A seu tempo conheceremos a verdade sobe um acto de guerra absolutamente legitimado por várias razões. A Ucrânia (cujas instalações de energia eléctrica e de fornecimento de água tem sido alvejadas danificadas o que eventualmente poderá ser considerado “crime de guerra”) ripostou a bombardeamentos vindos da Crimeia e de barcos estacionado entre o corredor dos cereais e a península da Crimeia.
A Rússia finalmente terá percebido que desta feita a sua atitude prejudicaria violentamente países africanos e asiáticos que até à data ainda não se manifestaram contra, abstendo-se nas votações mais cruciais.
De todo o modo, a absurda ameaça do autocrata do Kremlin está na lógica sequência de uma gigantesca série de acções e proclamações que denotam um avançado espírito de fuga à realidade.
Ainda me recordo (vantagens, parcas vantagens da idade a que cheguei) que na Espanha do tardo-franquismo se falava no “bunker” tentando comparar essa situação com as últimas e enlouquecidas semanas de Hitler no seu esconderijo berlinense.
E dizia-se (diziam-me amigos e resistentes anti-franquistas em Madrid onde fui muitas vezes ) que o ambiente do último reduto do Generalíssimo era semelhante à irrealidade nazi.
Ora, já nos estertores da URSS, se recorreu a semelhante imagem, a de alguém que já não consegui vislumbrar a realidade e menos ainda ripostar aos acontecimentos, aliás nem sequer os percebia bem.
A famigerada operação militar especial já foi resultado do autismo que a autocracia sempre provoca. Quando os ditadores criam à sua volta o deserto das opiniões, fácil é darem com os burrinhos na água. Um passeio de duas semanas, com o Pópulo “libertado” a uivar de alegria transformou-se numa guerra que no tereno está a ser perdida diariamente depois da surpresa inicial.
Se o Ocidente que (excepção feita dos americanos) nunca acreditou numa aventura militar, tivesse fornecido desde o primeiro dia as armas que agora vão chegando, nunca os russos teriam ocupado o sul e o corredor de M. ariupol. Isto, mesmo sem o gigantesco arsenal de mísseis e a aviação russa que, obviamente sempre foram uma vantagem para o agressor. É a infantaria que ocupa o território e aqui as diferenças entre agressor e agredido estão clamorosamente à vista. O soldado russo não percebe o que está a fazer num sítio onde tudo lhe diz que não é benvindo. Sobretudo esse soldado maioritariamente proveniente das repúblicas pobres e não russas não se identifica com o sentimento pan-russo, com a igreja ortodoxa . Nada o motiva e sobretudo a morte espreita e os mortos amontoam-se em vagões frigoríficos que nenhuma autoridade russa aceita receber e levar para as famílias enterrarem os seus mortos e fazerem o seu luto. Por muita censura que afecte os meios informativos sempre funcionou o chamado “telefone árabe”. Com mais outro inconveniente para a nomemklatura de Moscovo: É que qualquer boato, sempre desfavorável, circula nesses meios como verdade indiscutível.
A “opinião ilustrada” russa mesmo a mais saudosa dos tempos do triste império soviético, começa a compreender o que se está a passar. E as centenas de milhares de auto-emigrados para as zonas vizinhas acentua esse sentimento.
Por uma vez, alguém, no Kremlin terá conseguido chega à fala com Putin o que, com a intervenção da Turquia e de Recip Erdogan, acabou com a perigosa ameaça de suspensão do transito de navios carregados de cereais que, de resto, ao que sabemos, nunca se deteve, num desafio claro aos poderosos meios navais russos.
É claro que este súbito acesso de bom senso deveria e poderia ser continuado. É duvidoso que isso se verifique. O inverno que aí vem vai ser penoso, duro, terrível para os civis ucranianos mas as tropas russas também irão padecer. E ainda não se começou a pensar na hipótese da Ucrania retaliar a atingir instalações eléctricas no Donbass, em Lugansk ou na Crimeia
E não devem faltar, no país agredido, vozes a pedir uma resposta olho por olho dente por dente...Aliás se isso ainda não ocorreu foi apenas porque o governo da Ucrânia querer manter a postura de país europeu e civilizado face ao bárbaro invasor.
Esta guerra joga-se em muitos tabuleiros e no da opinião pública mundial (pesar da rapaziada russistas que por aí se manifesta) que é, cada vez mais, algo de importante ou até de decisivo.