estes dias que passam 754
Mais outro operário sui generis
mcr, 7-11-22
convenhamos: a indicação do nome do futuro Secretário Geral do PCP apanhou toda a gente de surpresa, militantes comunistas incluídos.
Queira-se ou não o sr. Paulo Raimundo é para o publico um perfeito desconhecido mesmo que se saiba (agora) que é uma personagem de peso no Comité Central do partido e que tenha desempenhado várias tarefas importantes sempre dentro do aparelho dirigente.
Vejamos: militante da JCP aos 15/16 anos funcionário aos 20 tendo no intervalo sido padeiro, carpinteiro e “animador cultural”. Com 46 anos de vida, 26 são passados no serralho comunista e não, como alguns pretenderão, cá fora junto à vida normal, quotidiana dos portugueses, mesmo dos trabalhadores portugueses ou, até, dos filiados no partido.
Não sei se alguma vez os meios de comunicação o referiram especialmente, o mesmo é dizer se o tornaram conhecido da gente que se esforça por discutir política.
Claro que nada disto é formalmente grave. Primeiro porque é (ou seria) o partido que pode escolher quem o deve dirigir;
Depois porque o facto de as luzes da ribalta apontarem para meia dúzia de militantes muito conhecidos poe terem desempenhado cargos importantes no interior do partido, na Ar, no Parlamento Europeu, na CGTP, nas autarquias ou como candidatos a diferentes cargos electivos nacionais, regionais ou locais, não significa eventualmente que o seu nome seja sufragado num partido que tem tiques especiais (a famosa regra de ouro é um deles). O PCP não é um partido como os restantes com assento na AR (ou até fora dela) rege-se por estatutos próprios que nem sempre são percebidos como razoáveis pela opinião pública.
Isto de uma criatura ser escolhida no mais absoluto dos segredos por uma instância pequena e posteriormente eleito por outra (o comité Central) que também não é enorme poderá parecer algo de esdrúxulo para a maioria dos portugueses mas está nas leis internas do partido desde sempre. O famigerado “centralismo democrático” tem destas consequências mas isso “é com eles” que o aceitam e defendem.
Ver-se-á (se é que teremos esse privilégio...) como é que a votação decorre. No caso de ser por mão ao ar, arrisco-me a dizer que a votação do nome será esmagadora. É essa a prática dos partidos comunistas, pelo menos no pouco que se consegue ver (sirva de exemplo o recentíssimo congresso do partido chinês onde a única novidade no meio dos aplausos frenéticos e sempre prolongados só uma nota destoou: a retirada não demasiado pacífica do antigo Secretário Geral que saiu da sua cadeira acolitado por dois cavalheiros que mais pareciam polícias a levar um condenado recalcitrante do que dois amáveis enfermeiros a suster amorosamente nos seus braços um velhinho doente e incapaz
Para já, sabe-se que a escolha (Jerónimo dixit) não foi isenta de alguma oposição. Pequena, claro, certamente por distração dos que não aclamaram imediatamente o novo nome.
Chegado a este ponto, algum leitor (ou muitos) já terá dito para os seus botões que o cronista é, como de costume, um anti-comunista primário, um inimigo do partido, um agente da reacção, um cão de guarda do imperialismo, um renegado e já agora (para retomar uma antiga acusação muita em voga nas Franças e araganças) uma “víbora lúbrica” (que pelos vistos era algo de horrível naqueles anos em que o PCF se passava na ribalta revolucionária.
E já que será esse o juízo que sobre o cronista recai, vamos então à caracterização deste filho do proletariado, operário ele mesmo. A menos que, já no Portugal democrático Paulo Raimundo tenha sido vitima do trabalho infantil, a verdade é que, entrado na JCP rapidamente chegou ao escalão dirigente enquanto estuava e trabalhava. Deixemos de lado o “animador cultural” que não significa nenhum especial esforço de sinal progressista e fiquemos nos dois/três anos de profissões tão divergentes como as de padeiro e carpinteiro. Olvidemos o tempo necessário de aprendizagem que não será assim tão curto para mesmo assim ousar dizer que numa vida política de trinta anos esses dois ou três iniciais pouco ou nenhum peso tem face à vida de “funcionário” polítco.
DE resto, a famosa regra de ouro, a insistência na condição proletária, morrem facilmente face à existência do secretário geral mítico Alvaro Cunhal o mesmo do seu efémero adjunto e sucessor Carlos Carvalhas. Isto para não referir o pai Lenine ou o ex-seminarista Stalin. E toda uma plêiade de dirigentes comunistas desde Fidel até Mao...
E não esqueçamos os dois profetas fundadores Marx e Engels cuja condição proletária por mais voltas que se lhe dê é absolutamente inexistente.
O facto de alguém de origens humildes ter pouco a pouco tido sucesso seja em que profissão for apenas permite pensar que há, apesar de tudo, uma espécie de elevador social que movido pela perseverança, pela inteligência e pelo trabalho lhe permite vir a ocupar posições de relevo seja em que ramo for da actividade humana. O cidadão Paulo Raimundo chega (ou chegará) daqui a dias a um importante cargo político que, goste-se ou não, influenciará a vida de muitas outros portugueses, simpatizantes ou não das suas opções ideológicas. Vir com as referências a duas esporádicas actividades profissionais de há trinta anos não tem qualquer significado ou importância.
A menos que se caia outra vez na mitificação do operário (e mesmo neste caso os ofícios de padeiro ou carpinteiro podem perfeitamente ser atribuíveis a trabalhadores patrões de si próprios ou de mais um ou dois outros companheiros de profissão) criatura revolucionária por definição...
Terá a partir dos próximos dias uma missão arriscada e dificílima: sair do poço eleitoral e político onde o partido que vai dirigir está metido!
O resto é um par de narizes de cera que só funcionam para ingénuos entusiastas, exactamente o contrário do que se espera de marxistas (leninistas, se é que isto ainda quer dizer alguma coisa).
*a expressão víbora lúbrica deve-se o famoso "jurista" e procurador Andrei Vichinsky e foi proferida num dos "processos de Moscovo"
**a vinheta mostra um "proletário de fato e gravata de seu nome vladimir Ilicht Ulianov a dirigir uma multidão revolucionária e proletária. A autoria da vinheta é soviética Vê-se que a ironia não era o forte do artista ou dos seus editores...