estes dias que passam 806
Aventuras e desventuras do “racismo”
mcr, 18-6-23
No passado dia 10, o dr. António Costa, primeiro ministro, todo poderoso dirigente do PS, foi apupado por uma ou duas dúzias de manifestantes alguns dos quais empunhavam uns cartazes em que o visado aparecia com um nariz de porco, lábios engrossados enfim algo que, para além da exígua imaginação era mal feito e fraquinho como caricatura.
N\ao vou sequer dar-me ao trabalho, aliás penoso, de tentar perceber se aquilo era ou não racista. Pata efeitos do que a seguir quero dizer vamos aceitar que aquele medíocre (e estou a ser generoso!...) cartaz era racista.
Comecemos, então, pelo princípio como declarava um professor da gloriosa universidade que me coube frequentar:
É Portugal um país racista?
A resposta depende de que percentagem de habitantes levamos em linha de conta. Se bastam 10 ou20%, não tenho quaisquer dúvidas: o país é, como todos os restantes do mundo (seja a Suécia, a Mongólia ou o Uruguai), racista.
Não conheço nenhum país que não tenha uma boa s dose da sua população eivada de preconceitos racistas, xenófobos, religiosos e morais. Ponto final, parágrafo.
Isto dito, convém perguntar se devemos pactuar com esse estado de coisas com essa mentalidade.
A resposta também é fácil: Não!. Não, nunca, jamais, em tempo algum!
Como , de resto (e não se diga que junto dois exemplos díspares –em importância e significado- porque foram tão só os primeiros a acudir-me ao pensamento), se não deve pactuar com centenas de outras práticas seja a excisão do clítoris (tão comum em África, em toda a África...) ou o hábito de cuspir para o chão. Ou centenas de outros hábitos, modos de ver e de pensar. O “homem” é um ser que com dificuldade e lentidão lá vai tentando, quantas vezes às cegas, sair da sua pré-história.
Amigos meus, negros e exilados, em países socialistas onde tinham bolsas de estudo, contaram-me do acismo quotidiano de que eram alvo na sociedade russa e soviética. Amigos brancos que lutaram pela independência das ex-colónias contaram-me, tristes mas teimosos, das dificuldades do dia a dia em Luanda pi Maputo, onde continuaram a viver. Um colega natural do sul da Índia mas goês, pelo nascimento recriminava gente de Deli pelo desprezo que votavam aos seus compatriotas mais escuros, muito mais escuros. E por aí fora, nos EUA ou no Brasil, em Cuba ou no Japão.
Em todos estes casos, era a cor da pele o principal identificador doa desconfiança, do menosprezo, do receio com qie açguém era encarado.
Portanto, e para abreviar: Portugal não escapa à regra geral. Há e continuará a haver uma percentagem de cidadãos racistas, por toda uma série de razões, desde o medo até às mais absurdas teorias raiais.
Acresce que, durante século e meio, (1850-1975), Portugal manteve guerras abertas ou camufladas em todos os seus territórios coloniais desde a Guiné até Timor. Ao contrário do que por aí corre, a vida nas colónias nunca foi pacífica como aliás o demonstram as “campanhas de pacificação” que terminaram vagamente nos anos 30 d0 século passado para trinta anos depois a guerra de libertação se reacender em três frentes já a Índia tinha desaparecido.
Essas guerras de África mobilizaram entre 1960 e 1974, um bom milhão de jovens portugueses que tinham pais, mães, irmãos, noivas, primos e amigos o que dará uns largos milhões de afectados directa ou indirectamente.
É verdade que as baixas de portugueses nascidos em Portugal foram relativamente exíguas, quanto mais não seja porque cedo a guerra se “africanizou”.
Todavia, o capital de medo, de angústia, de cuidados, de boatos e de “fake news”, de lutos, de regressos de soldados com sequelas de todo o tipo, marcou e marca ainda duradouramente a sociedade portuguesa e o país.
Não que se chore demasiadamente o fim do império mesmo se haja eventualmente quase um milhão de “retornados. Que não se refugiaram em Portugal sem azedume, queixas várias, algumas legítimas sobretudo as que foram feitas contra tropa portuguesa que, repentinamente deixou de os proteger ao mesmo tempo que certos poderes transitórios portugueses permitiam que populações africanas se armassem (mutas vezes com armas portuguesas...) e levassem a cabo expedições punitivas contra os colonos recentes ou antigos. Houve fugitivos angolanos brancos, mulatos e negros que deveram a sua salvação a dissidentes armados do MPLA (caso de Daniel Chipenda) ou, raramente de outro movimentos independentistas.
É verdade que, ao contrário dos pied noir frnceses, os retornados foram absorvidos com relativa facilidade e inusitada rapidez pelo país profundo. Porém o impacto da vinda, em estado de miséria, desta forte percentagem da população não deixou de marcar com fundas cicatrizes, o pensamento colectivo.
Só isso bastaria para manter viva a fogueira racista.
Depois, sobretudo na região de Lisboa, concentraram-se algumas dezenas (no mínimo!) de milhares de imigrantes africanos vindos das ex-colónias e de outras zonas de África. Como a imensa maioria desses novos habitantes tinha escassa escolaridade e nenhuma preparação profissional destinaram-se-lhe os piores e mais mal pagos empregos. Isso amontoou-os em ghettos insalubres, nas periferias mais pobres e mais longe dos escassos benefícios da vida citadina. Digamos que, em muitos casos, perpetuou a pobreza, a ignorância, inclusive um fraco conhecimento da língua. Também não é de estranhar que daí saiam, ou possam sair, focos de pequena criminalidade mesmo se, neste domínio, pareça estar minimamente controlada.
Com a nova imigração proveniente da Ásia (Índia, Nepal, Paquistão – e já se contam por milhares os recém chehados) o panorama não melhorou, bm pelo contrário, tanto mais que esses novos residentes não sabem uma palavra de português, são presa fácil de traficantes, de empregadores sem escrúpulos para já não falar da estranheza que despertam na população residente que, inclusive, os acusa de roubar empregos, de fomentar o aumento do preço da habitação e de tornar inseguras as ruas.
Ser anti-racista deveria obrigar todos os que assim se declaram a perceber onde, como e porquê, se declaram os abcessos infames e perigosos da descriminação racial.
É fácil andar por í a berrar o quão racista o país é sem por outro lado cuidar de perceber como é que isso é possível.
Conviria lembrar que, neste país racista há um primeiro ministro “monhé”, indiano, “preto” eleito com uma tremenda maioria absoluta que já teve no seu governo uma ministra negra retinta, inda por cima proveniente de uma das mais famosas famílias independentistas de Angola. Poderia juntar-lhes algumas personalidades, desde deputados até membros da Academia e profissionais de grande qualidade e prestígio vindos todos das minorais raciais, mormente da adro-descendente.
Não meto no pacote, artistas e desportistas não porque os desconsidere mas apenas porque desde sempre cá estiveram e em muitos casos foram respeitados. Não é necessário invocar o extraordinário Eusébio cuja ida para o Panteão não sofreu qualquer beliscadura.
Numa sociedade predominantemente branca, ser negro dá nas vistas. Numa sociedade predominantemente católica, se muçulmano ou hindu, chama a atenção como, em tempos, ocorreu com protestantes ou evangélicos.
Não sei (e também não me preocupa demasiadamente) se consegui com este texto tentar não um branqueamento mas um princípio de explicação para uma realidade que, repito, é absolutamente detestável mas que irá exigir um longo, duro, difícil caminho de erradicação.
A começar por limitar exageros condenatórios que de tão evidentes desmobilizam muita gente.
Portugal é um pais razoavelmente normal, razoavelmente seguro, razoavelmente decente e bem menos xenófobo de que muitos, muitíssimos, outros. Lembraria certos casos de países centro e sul americanos onde jamais se vê um negro, sequer um mulato, com funções dirigentes mesmo se tais países tenham minorias raciais gigantescas. Melhor dizendo, mesmo se nesses países os brancos sejam minoritários face a descendentes de africanos e de povos indígenas... (será preciso mencionar Cuba ou a Venezuela, ou mesmo o México?)
E nem sequer vou levantar a questão de certas perseguições de minorias africanas em África. Basta lembrar o estatuto (não oficial) dos negros albinos que um preconceito horrendo marca para perseguir ou até matar ou as guerras intestinas que desde há muito dilaceram países que, dentro de fronteiras saídas de Berlin, enfrentam povos e etnias quase ao ponto de criar condições muito próximas de genocídio.
Isto, esta peçonha racial mascarada muitas vezes com rivalidades étnicas, linguísticas ou religiosas, está vivo e recomenda-se numa África que cinquenta anos depois das independências assiste a dramas inomináveis.
Não basta pois denunciar, de dedinho espetado, algum racismo avulso mesmo se evidente. Uma epidemia vence-se encontrando os medicamentos, as vacinas necessários para sufocar de vez o mal. E isso vai demorar mais umas largas dezenas (sou um optimista) de anos.