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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 818

d'oliveira, 28.07.23

Reflexões avulsas de um agnóstico

mcr, 28-7-23 

 

Como a esmagadora maioria dos portugueses cresci e fui educado no seio do catolicismo. No início da idade adulta, e depois de ter estado interno por dois anos em colégios geridos por padres, perdi a escassa fé que eventualmente teria e deixei de ser religioso. A coisa aconteceu serenamente, não tive angústias de qualquer espécie e saí mansamente da Igreja sem olhar para trás ou com uma carga de rancores variados.  Já passaram mais de sessenta anos desse abandono e continuo a olhar para a Igreja católica com a mesma plácida indiferença.

Todavia,  como qualquer pessoa interessada no que se vai passando, nunca deixei de observar com alguma atenção as vicissitudes do cristianismo em geral e da Igreja católica apostólica e romana. 

Tenho um profundo horror pelos "mata-frades", duvido do ateísmo militante, entendo que a religião é o porto de salvação de muita e boa gente, olho para as aventuras da Igreja de hoje com um moderado mas sincero interesse. 

Defendo obviamente a laicidade do Estado, a igualdade das religiões perante a lei mas não deixo de verificar que quando, por cá, as coisas apertam, há da parte da Igreja portuguesa e da sua galáxia de instituições, um claro e profundo empenhamento.

Aliás isso não é caso único. Basta recordar que a força do Hezbolah palestiniano reside muito no facto de serem as suas diferentes instituições a única resposta eficaz ao desastre que caiu sobre esse pobre povo.

 (e com isto não estou a deixar de condenar as reacções terroristas e estúpidas ou a condenar cegamente o povo de Israel  que tem manifestado na rua com profunda e aguerrida persistência o seu desejo de democracia, de liberdade e, quem sabe, de uma solução diferente para um conflito que começou ainda antes de 1948 e que continuou sempre e cada vez mais violento até hoje)

Identicamente, recordo o apoio da Igreja luterana (e em geral das restantes igrejas reformadas) à crescente resistência do povo leste-alemão contra a infame ditadura que (des)governou a Alemanha dita "democrática".

E, já agora, e mesmo ali ao lado, o papel militante da Igreja católica no confronto com o governo polaco. 

Porém não é sobre isto que entendi escrever hoje mas tão somente sobre um fenómeno associado à "Jornada Mundial da Juventude" que, asseguram-me trará a Lisboa mais de milhão e meio de peregrinos quase todos jovens.  Já vi e ouvi toda a espécie de discursos sobre os preparativos do acontecimento, acompanhei sem especial surpresa os apelos à laicidade do Estado e as críticas ao despesismo gigantesco que a preparação de um evento desta natureza ocasiona. 

Também ouvi muita gente eventualmente laica a realçar a chuva de dinheiro que esta multidão , mesmo jovem e pouco endinheirada deixará na grande Lisboa e noutras localidades onde passarão multidões de peregrinos. que, ao lado da fé que alegadamente  "move montanhas" há sempre um lado menos visível de negociata é coisa que existiu sempre e bastará, para tal, relembrar Jesus no templo a a azorragar negociantes e prestamistas. 

A televisão entra-me pela casa dentro e nem os noticiários escapam às reportagens sobre os milhares de jovens que já por cá andam vindos de toda a parte (excepto das Maldivas!!!). E tenho seguido espantado o fenómeno da mobilização de milhares, dezenas ou centenas de milhares, de portugueses que abrem as suas portas, acolhem a rapaziada, mesmo o que não deixa de fazer sorrir, que não saibam uma única palavra desses linguajares bárbaros. E vejo isso sobretudo ao nível das pequenas localidades, das juntas de freguesia, das paróquias dos poderes fácticos ou públicos. 

Em boa verdade, estamos a assistir a uma gigantesca mobilização dos católicos que, de repente, aparecem em força, por todo o lado, entusiasmados, hospedeiros, generosos.

Provavelmente esta multidão de portugueses nem se dá conta do seu número excepcional num país que se acreditava descristianizado. É um movimento transversal a toda a sociedade nacional, que junta aldeias e cidades sofisticadas, ricos e pobres, educados ou com a primária por junto, do litoral e do interior.

Não há, neste país, partido, movimento, organização  que se possa comparar a esta súbita conjugação de esforços e de vontades. Como dizia, um autarca de uma pequena terra do interior sobre a recepção feita a cerca de uma centena de miúdos chegados sei lá donde: esta malta quando daqui sair vai ser o melhor grupo de embaixadores da nossa vila.

E vão disso não tenho dúvidas. E lembrei-me daquele fado, se é que era fado, sobre uma "casa portuguesa concerteza" cuja porta se abria se alguém a ela batia. Eu, por convicçõ e formação política e cidadã sempre achei aquilo uma balela sobre o bom povinho, pacífico e inocente que o "Botas" governava com mão de fero e luva de veludo.  

No entanto esta enxurrada de gente parece estar a sentir feliz e bem nesses sítios onde é recebida.

Note-se que falo de lugares distantes, da "província" , do interior profundo  ou de cidades que ficarão muito longe de Lisboa, do Papa, das missas e vigílias mas que, graças a uma mão cheia de gestos simples mas amigáveis, acabam por participa também de corpo inteiro nas "Jornada" 

(jornada que só começa na próxima terça feira mas que, realmente já vai com o dobro dos dias previstos! é obra!

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