estes dias que passam 827
Sol na eira, chuva no nabal
mcr, 15-8-23
Há quase seiscentos e cinquenta anos, o destino português de Portugal ganhou forma em Aljubarrota. Um petulante exército castelhano cuja marcha se estendia por mais de duas dezenas de quilómetros foi estrondosamente vencido por uma minguada tropa portuguesa bem entrincheirada naqueles campos semeados de “covas e lobo” e outros artifícios que afunilaram a carga da cavalaria pesada e a desbarataram.
Não foi um milagre mas também nada se deveu ao acaso. O rei castelhano, também ele João, não assistiu ao esfacelamento da sua cavalaria nem à medonha retirada que se lhe seguiu. Vinha doente e só lhe restou voltar costas e rumar às suas terras salvando o que pode do seu exército mal ferido. O nosso rei João , o primeiro e o condestável fundaram um outro Portugal. E não espanta que o bastardo do Rei, Afonso mais tarde se casasse com a riquíssima filha única de Nuno Alvares Pereira o nobre mais poderoso do país Fundaram a casa de Bragança e os seus descendentes governaram durante quase trezentos anos até ao advento da República. Todavia não e disso que quero server mas de uma dessas insólitas conversas de Verão e dos seus ecos na comunicação c e partidária.
Leio em diferentes páginas do jmeu jornal diário textos sobre o turismo e a sua influência na economia nacional e na crise da habitação.
Pelos vistos, será ( ou já o é...) este o ano de todos os recordes de afluência de turistas estrangeiros. Em contas limpas as receitas do turismo nacional dão aos não residentes 70% dos muitos milhões ganhos. Uma senhora articulista fala em hotéis para turistas e casa para estrangeiros afirmando que uns e outros tornam a habitação mais cara e mais rarefeita. Ou, por outras palavras: aquilo que nos traz uma imensidão de divisas condena o “povo” a viver na rua, a fugir para as periferias, a pagar juros altíssimos aos bancos e a suportar rendas tremendas ( e insuportáveis!).
No meio disto tudo, parece que ninguém lhe terá falado de um século de obstruções o arrendamento, de rendas congeladas durante anos e anos a fio, da parca parcela estadual na construção de habitações, no cerrado e contínuo ataque aos senhorios que são cada vez menos e desinteressados de um mercado que a incúria estadual e municipal criva de impostos e opróbrio . Ser senhorio é ser explorador e pior do que ser rico (condição o a mais de 70% não chega...)- Os ricos, como se sabe, deveriam acabar segundo um tonto militar “revolucionário” que teve como resposta de Olaf Palme a frase “nós (suecos) o que queremos é acabar com os pobres”.
Excitadas criaturas passaram anos a clamar que “os ricos deviam pagar a crise” mesmo sem saber se havia assim tantos milionários e sobretudo se todos eles se cevavam no dorido pescoço dos “trabalhadores”, sugando-lhes a substância, a força de trabalho e condenando-os a uma crescente proletarização.
Claro que uma conspícua percentagem desses ricos, mormente “grandes proprietários” e empresários era obtusa, incapaz de pensar o futuro, de investir como devia, malbaratava os lucros num furor novo rico de péssimo gosto. Digamos que parte da classe possidente nacional era (económica e financeiramente) de uma ignorância que metia dó.
De todo o modo, o problema da habitação nunca foi seriamente pensado pelos poderes públicos. Não houve investimento sequer moderado em habitação a preços toleráveis o desastre citadino foi-se mostrando em bairros outrora de classe média degradados, escassamente habitados, com prédios de rendas miseráveis e consequentemente sem reabilitação de qualquer espécie. O investimento privado diminuiu drasticamente e o que sobreviveu dirigiu-se à fatia turística do alojamento local . Note-se que graças e este, houve um geral restauro de casa e prédios pelo menos em Lisboa e Porto.
(há mesmo a relembrar o extraordinário exemplo de um conhecido militante do BE com responsabilidades autárquicas que logo que pode, também ele investiu num prédio comprado a baixo preço e o reconverteu em AL semeando a novel propriedade numa colmeia de T1 para alugueres de curta duração! Frei Tomás por um lado prega por outro faz!... )
Também é verdade que, a transformação de prédios antigos, muitas vezes quase vazios, em mau estado de conservação, poderá ,em contados casos, ter rarefeito o mercado. O mesmo ocorreu igualmente com uma onda de despejos de apartamentos no centro das cidades. Mas será conveniente lembrar que essa ocupação das zonas centrais i,plantava-se sobretudo em prédios mais vetustos, emcom más condições de habitabilidade como facilmente se percebeu na altura do incêndio do Chiado.
Fi já depois da Democracia estar consolidada em finais do século passado que a crise habitacional (que sempre existiu de forma larvar e que só não adquiria aspectos mais graves pela enorme dificuldade em levar a cabo, e em tempo útil, muitos despejos) começou a ganhar dimensão preocupante.
Era nessa altura que os poderes públicos, aliás avisados, deveriam ter começado a fomentar uma forte intervenção no sentido da construção social,
Não o fizeram e, pior, continuaram a disparar sobre os senhorios privados que na sua maioria não tinham os meios necessários para reabili.tar o que lhes pertencia. É bom recordar qu, difusamente havia a ideia de substituir o arrendamento pela compra de casa própria criando em Portugal uma situação surpreendente entre os dois mercados.
Tudo isto se prolongou sem que o nível de alarme atingisse como hoje a estridência. E mais uma vez apontou-se o dedo aos malvados senhorios que escondiam do mercado uma enorme quantidade de casas devolutas.
Presentemente, já se verificou que, se é verdade que há muitas casas devolutas, elas situam-se sobretudo e quase todas em zonas que se foram despovoando.
Da ocupação desse lote que se supunha (erradamente) que era imenso passou-se à ameaça do arrendamento forçado cuja primeira versão era passada a papel químico das mais tristes experiências ditas socialistas. Obviamente, o Governo já emendou timidamente a mão mas não só persiste na asneira como afugentou ainda mais auma enorme percentagem de senhorios e mais e pior de investidores.
A ideia peregrina que os nómadas digitais (cujo número nunca aparece ) e os estrangeiros andam a roubar habitação as massas pequeno burguesas e citadinas não lembraria ao careca mas lembrou a um par de criaturas que ainda não percebeu que quem vido de fora compra cá casa se dirige ao mercado topo de gama e na generalidade a casas que são não só recentes mas feitas para esse mercado. Pensar que os empreiteiros desistiriam desse mercado para desatar a construir casas de baixo custo é apenas um burrice supina e uma completa ignorância do que move este mercado que, aliás, tem perdido continuamente vitalidade. Hoje em dia, constrói-se um décimo do que há 15/20 anos se construía.
No entanto ao compulsar os jornais, mesmo os mais sérios e interessados o que resta é uma caricatura. Por um lado uiva-se freneticamente que somos uma espécie de campeões do turismo e que todos os anos se batem largamente os recordes do ano anterior.
Ao mesmo tempo, há um formidável bramido contra os estrangeiros que ocupam as casas ue nos são devidas quer comprando-as quer ocupando-as graças ao arrendamento local. Nem sequer se dá conta que este último dá sinais de desinvestimento notório e de preocupação devido ao que eventualmente a lei possa ocasionar para futuro. A pp 4 do “Público uma senhora consegue titular o seu artigo a seguinte forma “casas paa estrangeiros e hotéis para turistas” convenhamos que os hotéis são para turistas cá ou na Eritreia no caso extraordinário desse país miserável e ditatorial ter algum turista. E por outro lado também ninguém esclarece qual é a real percentagem de construção pronta para estrangeiros e, sobretudo a qu preço é que essa construção de luxo é negociada... Parafraseando uma grande escritora já quase esquecida “uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma” (Irene Lisboa)
Mais à frente e no mesmo jornal noticia-se o enorme sucesso do turismo, os trinta e tal milhões de estrangeiros chegados no primeiro semestre (pp 11 e 12) o que significa que 70% do turismo nacional se deve a esses mesmos estrangeiros.
Conviria, pois, saber o que é que queremos nestes dois capítulos. Uma coisa é certa: não é possível ter ol na eira e chiva no nabal . Pelo menos nos tempos mais próximos ...
(A propósito
Cresci numa cidade em que o turismo já era o motor do desenvolvimento local mesmo se na quase totalidade os visitantes fossem portugueses (mas com uma percentagem importante de espanhóis que chegavam lá graças ao caminho de ferro linha da Beira Alta (e ramal da F foz)que já lá não chega como também acontece com a linha do Oeste que está interrompida em várias zonas.
Nunca me passou pela cabeça culpar os “banhistas” de Verão pelas más condições de vida na minha cidade mas com o tempo fui percebendo qu se se adormece à sombra do turismo, acorda-se estremunhado no meio do deserto e devido ao aparecimento de novas rotas e modas turística
O actual turismo português deve muito às “revoluções“ do mediterrâneo árabe que rebentaram com o gigantesco mercado turístico que ia da Líbia a Marrocos. Quem faz férias quer segurança e isso hoje em toda a orla mediterrânica do sul é matéria rara ou desaparecida. Porém, e também por cá, começa a perceber-se que a alta de preços no Algarve (que aliás não é de hoje) atira turistas portugueses para o Sul de Espanha e para as Caraíbas)