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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 844

mcr, 12.10.23

A panela de ferro e o vaso de barro

mcr, 12-10-23

 

Imagine o leitor que, como muito boa gente, da minha geração,  detesta polícias. Naqueles pouco saudosos tempos a polícia era, regra geral, de uma brutidão notória, vinda de classes modestíssimas, vagamente alfabetizados e cm uma ordem única: zupar nos lombos dos protestantes fossem eles o que quer que fossem ou o que quer que reclamassem.

"Safanões dados a tempo" recomendava o eremita de Santa Comba mas os guardiões da ordem achavam que isso queria significar "arrear ad libitum" se me é permitido o latinório.

Aliás, as polícias em geral, mesmo a inglesa, tem sobre a sua missão espancadora ideias bastante largas e quando os regimes são proibicionistas.

No meu tempo (novamente...) havia um par de doidos cuja sanha à "bófia" os fazia perder a cabeça e arriscar a carcaça juvenil e imprudente.

Quando lobrigavam um polícia mimoseavam a espessa criatura de dichotes e, em casos extremos, tentavam afagar-lhe os lombos. 

Claro que, em 99% dos casos, a coisa corria mal ou muito mal e o valentão, ficava fortemente dorido. Se calhava ser levad para a esquadra, a coisa ainda era pior pois os colegas do ofendido entendiam que a camaradagem também passava por molhar a sopa no alucinado desafiante da ordem pública em geral e dos seus defensores em particular.

O público protestatário sempre afirmou que essas exacerbadas atitudes quixotescas eram, na melhor das hipóteses, simples provocação e na pior burrice supina.

Ora, a actual e trágica situação em Gaza enferma numa proporção medonha do mesmo mal dos rapazolas que referi.

Não vou sequer debruçar-me sobre a paupérrima ideologia do Hamas grupo que junta num cocktail explosivo a teocracia chiita, o populismo de extrema direita e mais sólido desprezo pela população que governa e é, aliás, sunita na sua esmagadora maioria.

Isso significou, em primeiro lugar, a expulsão manu militari, dos políticos mais moderados que detém o poder (o minguado e mitigado poder que o vizinho Israel lhes permite) na Cisjordânia.

Depois, assegurou-se, por meios que, por meras razões éticas e políticas, não merecem descrição, transformar-se na força política dominante do território. Sabedor da qualidade da espionagem israelita, cedo se transformou numa organização tão secreta quanto possível, imbricada na população civil que, queira ou não, não tem escapadela possível, criando uma rede extraordinária de esconderijos, sedes, quartéis, depósitos de armas, logística, dentro de imóveis civis.

Junte-se-lhe uma gigantesca rede de túneis por onde transita tudo, desde contrabando a bens essenciais, armas, gente.

Ora, e é aqui que bate o ponto, os dirigentes do Hamas (e todos os seus amigos, defensores e cúmplices) sempre souberam, com um saber de (muita e variada) experiência feito que qualquer acção armada contra Israel era respondida com força. Com violência mesmo. Contundentemente. De resto, os dirigentes "terroristas" sabem, ou deviam saber que o seu tempo de vida é eventualmente curto. Tão curto quanto o das vítimas que conseguem eliminar.   E que, ao longo de todos estes anos não são poucas, sobretudo entre as populações que controlam e que pagam duramente toda e qualquer manifestação de menor simpatia.

Este ataque, planeado com grande cuidado, foi estúpido porque envolveu fundamentalmente civis israelitas que foram selvaticamente metralhados, assassinados, com as famílias, mulheres, idosos e crianças lado a lado com os homens que na imensa maioria não eram militares nem estavam armados. 

Mil e quinhentos mortos é um numero quase inimaginável e também prova que, paralelamente a um maior planeamento dos atacantes, também existiram falhas evidentes das autoridades.

No exacto momento em que um primeiro ministro a contas com a justiça, aliado ao que mais sórdido existe na comunidade (e nisto também meto a extrema direita ultra-ortodoxa..,) incluindo radicais que advogam uma espécie de "Grande Israel" como  matadores dos seus eliminados antepassados (e falo dos nazis) prosseguiam o sonho de "um espaço vital" germânico, eis que o Hamas lhe vem dar uma mão salvadora com um ataque infame que claramente pedia (e pede) resposta contundente. 

Depois do erro militar, da brutalidade obscena de uma ataque contra civis, eis o erro político que, por cá já desencadeou um par de manifestações de "compreensão".

O Hamas sabia, perfeitamente, que a sua acção teria (terá - já o disse) efeitos tremendos na pobre, desgraçada população de Gaza. 

O Hamas, sabia (como Hezbolah libanês sabe) que não haverá reacções fortes (exceto em palavras) dos países irmãos árabes quase todos sunitas.

O Egipto, excepção feita a um polícia de giro que assassinou "corajosamente" dois turistas israelitas desarmados, mantém até este momento as suas fronteiras fechadas.  

Por muito precisos que sejam os bombardeamentos, o simples facto acima descrito de sobreposição de habitações civis com instalações do Hamas torna dramática a situação das populações, e tendo em linha de conta que quase metade dos mais de dois milhões de habitantes de Gaza são crianças e adolescentes  demonstra a tragédia que se avizinha ou já está presente. 

A exigência da imediata libertação dos cento e cinquenta reféns  como condição para a manutenção do cerco (o que significa falta absoluta de combustíveis, electricidade, água e mantimentos)  corre o risco de não ser aceite mesmo se isso possa significar dezenas de milhares de mortos em combate, à mingua de cuidados hospitalares, sem alimentos.

Será que o Hamas e asua direcção político militar não pensou nisso* Ou, como julgo, pensou mas não se importou. Basta isso para perceber de que lado está o desprezo pela vida humana. pela dignidade, pelos mais simples direitos humanos. 

Onde está a causa palestiniana ?