estes dias que passam 845
"Chapéus há muitos, seu palerma!"
mcr, 15-10-23
Socorro-me de uma expressão tornada quase popular por vi do Vasco Santana, em "A canção de Lisboa".
Também, pelos vistos, há muitos, talvez demasiados, 25 de Novembro para recordar, comemorar esquecer ou amaldiçoar.
Não pretendo chamar palerma a quem quer que seja mas apenas lembrar alguns distraídos que o 25 de Novembro lisboeta foi o episódio final de uma séria convulsão que percorria Portugal de lés a lés e tivera, de Rio Maior para cima uma série de incidentes (antes e depois) que numa hipótese mitigada poderiam mostrar que o PREC estava a soçobrar e que para assas cada vez maiores de populares entrara numa espécie de delírio que se auto-alimentava numa série de organizações cada qual mais fantasmática do que a anterior.Dou apenas o exemplo de "soldados unidos vencerão" que nunca passou de uma vaga reunião de rapazes que passava a mensagem de "centenas ou milhares de militares" prontos a descer da inexistente Serra Morena para defenestrar algum hipotético Fulgêncio Baptista que, de resto nunca se viu. Candidatos a Fidel ou a Che havia umas dúzias que, em boa verdade, ignoravam tudo de Cuba, da também inventada "revolução na revolução", uma trouvaille de Régis Debay que mesmo sem perceber uma palavra de espanhol fazia uma análise sedutora e absolutamente falsa de Cuba e a América Latina.
Aliás a América Latina, aquecia as cabecinhas (pouco) pensadoras de alguns militares de Abril ou de um ou dois meses depois (sobretudo sesses recém convertidos, catecúmenos à procura de um novo messias nesta Europa que já não sonhava com "amanhãs que cantam" e desiludida e espantada, via a putrefacção em que caíra "sol da terra"... Como, de resto, depois, penosa e amargamente, se verificou.
É bom lembrar o famoso cerco à Assembleia Constituinte, a caricata história de um governo em greve, o "bardamerda" do almirante Pinheiro de Azevedo à multidão ululante que se manifestava, as ameaças directas e indirectas de representantes de poderes facticos ou nem isso.
Ou, já agora, a primeira demonstração de força, a da fonte Luminosa a que, involuntariamente acabei por assistir à saída de uma sessão de cinema no antigo "Império" em Lisboa. Uma amiga minha, militante de um grupo de extrema esquerda, estava aterrorizada com o que via, temendo ser reconhecida e agredida. Lá a conduzi a casa, assegurando-lhe uma vaga protecção por ser de todo estranho aos manifestantes mais ruidosos e maravilhados com a gigantesca multidão que rugia contra o Governo. Ainda por cima estava engravatado pois vinha de uma reunião. A gravata, pensava, era prova provada de pessoa de bem longe das fumaças revolucionárias
Os chefes militares do Centro do país e, sobretudo, do Norte, por todos Pires Veloso já controlavam quartéis suficientes para preparar o que muita gente pensava ser quase certo, a guerra civil.
Eu lembraria, os ataques sucessivos a sedes de partidos mormente do PC mas também de praticamente todas as restantes organizações ditas de esquerda que duraram todo o mês de Agosto, a vinda em fuga precipitada para o Porto de militantes comunistas de Trás os Montes, dos distritos de Braga ou de Viana para já não falar do que se passava em Viseu ou na Guarda e no interior do distrito de Coimbra. Mais abaixo estava Rio Maior a terra das mocas das primeiras barragens de estrada. Isto, para não ir mais longe, demonstrava que a famosa e na altura já finada "muralha de aço" se confinava a Lisboa e á outra margem. E que o aço, se aço era, estava com um tremendo ataque de ferrugem
Datemos melhor a coisa. A queda do Vº Governo, a aparecimento e imediato desaparecimento da FUR (frente de Unidade Revolucionária que, por momentos, terá chegado a ter a discreta presença do PC) e tudo o resto foram os penúltimos estertores da miragem "revolucionária", Razão tinha o sr Carlucci que terá convencido o governo americano que a desenfreada gritaria em Lisboa e arredores era na melhor das hipóteses o terceiro acto de um drama de faca e alguidar, jamais um peça de Shakespeare.
Pelos vistos, agora, no PS há umas figurinhas que se esquecem do activo papel da direcção polítca (Soares, Zenha e outros) e da mais escondida facção "militar" onde se destacou Edmundo Pedro, o ex-tarrafalista apanhado muito depois a comboiar um carregamento de armas que alegadamente iria "devolver por já não serem precisas".
Na altura, eu militava numa espécie de "carnaval político" que se estava a esboroar. Não vou dizer que aquilo se partiu ao meio mas, pelo menos geograficamente, também se verificou o mesmo que no resto do país. As pessoas mais velhas, vindas de batalhas anti-fascistas muito anteriores, com contactos na sociedade civil, vendo o previsível desastre que se aproximava, redobraram de avisos que a Direcção ignorou olimpicamente. Em Outubro de 75, mandei duas longuíssimas e copiosas cartas e retirei-me não exactamente para Vale de Lobos, mas para o crescente número de testemunhas ainda amáveis que tentavam prevenir, pôr água na fervura. Lembro-me de duas reuniões, uma delas em casa do Zé Manuel Galvão Teles onde se tentava perceber se ia ou não ocorrer um "golpe de Praga" (sic)...
Não sei se a minha exposição sobre o que via e o que sentia no Porto e no Norte que, entretanto, percorri, serviram ou não.
De todo o modo, lá fui (modestissimamente) visitando velhos amigos e colegas de Coimbra e m quase toda a parte verificava que o sentimento era o mesmo. Ninguém apreciava especialmente alguns dos militares ditos moderados mas sobre os adversários destes havia uma opinião bem definida: tontos, medíocres e politicamente impreparados, capazes de engolir toda e qualquer patranha "revolucionária" que lhes vendiam.
Eu sei que é muito pouco interessante esta coisa de viver ou construir uma democracia liberal, "burguesa" carregada de discussões, parlamentar e, por vezes, para lamentar. A fogachada das grandes proclamações cai mal ou é pouco escutada nestas sociedades que pretendem viver pacificamente à sombra de uma constituição que defenda os direitos humanos, a democracia, a liberdade de pensar e de agir sem inspecções policiais ou de partido único.
O dia 25 de Novembro foi tão ou mais calmo que o 25 de Abril. Os militares sabem que isto de andar aos tiros só causa ruído, perturbação e pode descambar. em poucas horas, a coisa estava resolvida, chefiada por um enigmático e desconheciso coronel Eanes, que também usava óculos escuros e que era acolitado por um oficial de "comandos" que também não tivera especiais problemas com os quartéis que fora "visitar".
A parte mais oficial do Partido Comunista fez chegar às redacções e "a quem de direito" que não estava na jogada pseudo-revolucionária nem alinhava em "esquerdices". Isso fez evaporar muito militante que pensava que chegara, com o atraso do costume uma revolução de Outubro à portuguesa. Não havendo orientações para tomar um imaginário "palácio de inverno", nem ocupar um congresso de sovietes (também eles inexistentes ou apenas imaginados por cabecinhas esgrouviadas), caiu sobre uns escassos milhares de ansiosos candidatos a revolucionários uma espessa melancolia. A vida prosseguiu sem grandes dificuldades, excepção feita, para umas dezenas de criaturas presas por algumas semanas muitas das quais em prisões perto do Porto onde ainda assisti a concentrações de familiares e amigos que me pareceram imitações pobres das que se davam nos maus velhos tempos em que, cliente de Caxias, me foi dado ver da janela gradeada da minha cela. Mas não era a história a repetir-se. Tão só "dois ou três passos atrás sem antes se ter dado sequer um sólido passo em frente, se é que algum/a leitor/a se deu ao trabalho inútil de ler o clássicos leninistas que se consumiam muito naquela época, mesmo se em resumos prontos para ler e deitar fora.
O 25 de Novembro não foi de nenhum modo um contra 25 de Abril. Esse deu-se bem antes, em assembleias selvagens do mfa, nos idos de Março. E repetiu-se nas tentativas pueris de recrear na ocidental praia lusitana os fastos de Petrogrado em ebulição entre Janeiro e Novembro de 1917.
A normalidade ( e não a "normalização") demorou o seu tempo. durante um par de anos bancos foram assaltados para criar um pé de meia para uma eventual revolução que nunca chegou, para fazer funcionar um pequeno e ineficaz aparelho clandestino, com alguns "revolucionários" ainda em fuga (com um deles, provavelmente o mais importante e "histórico" cheguei à conversar durante uma inteira tarde em Moledo o que prova que ou a polícia era incompetente ou ele demasiado ousado). Mais tarde, apareceu uma conspirata, igualmente analfabeta mas bem mais perigosa cuja única acção se saldou numa dúzia de mortos quase sempre inocentes. E houve um perdão político e indecente que permitiu ao presunçoso líder um resto de vida sossegado e semi triunfante!!!
A alegada Esquerda derrotada no pacífico 25 de Novembro foi estiolando de eleição em eleição e representa hoje, eleitoralmente, menos do que um estapafúrdio partido de direita radical, igualmente presunçoso mas que intelectualmente faria corar de vergonha o dr Salazar e todos os seus amigos e partidários. todavia, num país ainda a tentar levantar-se de uma profunda crise, consegue eleitores cuja origem não toda das franjas ressentidas da Direita tradicional mas também (basta ver a geografia eleitoral) terá ido buscar votantes desiludidos ao extremo do arco parlamentar. Nisto, apenas se segue um guião mais que conhecido em França ou Alemanha...
Todavia, a simples menção de delebrar o 25 de Abril e recordar o 25 de Novembro como sua eventual, possível e salvadora continuação deu azo a um burburinho (sempre dentro do pequeno grupo que se agita nos jornais e nos escassos círculos políticos que fornecem "comentadores", "especialistas" e público para a pequena algazarra que lá se desencadeia numa tentativa de provar que somos uma "democracia adulta". Já li de tudo mas consigo ainda surpreender-me e entristecer-me quando vejo gente que, apesar de tudo, estuda, pesquiza e publica vir a público em textos medíocres, manipulando datas ou melhor esquecendo umas e sublinhando outras para provar o acerto das suas elucubrações. E de facto não passam disso.
Portanto, o segundo 25 não terá honras especiais enquanto que o primeiro terá de aguentar com toda a retórica das comemorações cinquentenárias ou seja já não terá a assistência comovida, entusiástica, da grande maioria que a ele assistiu e teve a possibilidade de o viver e realmente se implicar. Os mais novos andarão muito perto dos setenta anos e o resto. e nesse grupo me incluo, está (ou na altura -ainda faltam seis bons meses- estará com os pés para a cova.)
De todo o modo, quem quiser que aproveite as festividades pois que daqui a um par de anos a celebração irá ser tão inócua e chata quanto a do 5 de Outubro. Mais chatas ainda só o 1º de Dezembro e o 31 de Janeiro se é que ainda há alguém que as acompanhe...
desta vez a vinheta emigrou para baixo e não a sei pôr em cima. Mstra a desolação de soldados vencidos e é, parec-me, uma das melhores imagens que se pode ter mesmo se estes filhos do povo a cumprir o serviçp militar obrigatório em pouco ou nada tivessem quaisquer responsabilidades na situação. ao contrario dos instigadores que se escafederam para parteincerta deixando apenas um par de oficiais não muito graduados a apanhar os cacos.
