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Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

estes dias que passam 891

mcr, 07.03.24

Singularidades do tempo que passa

mcr,  6-3-24

 

 

Um leitor entendeu exprobar o facto de eu não comentar o candidato Ventura e, menos ainda, o seu ajuntamento partidário.

Em primeiro lugar nada me obriga, enquanto simples particular que tem um blog, a seguir quaisquer regras de paridade a que a comunicação social está sujeita. 

Depois duvido que "aquilo" seja um líder e um partido político. A criatura Ventura é uma espécie pouco interessante de catavento e já disse quase tudo e o seu contrário sempre com ar de grande convicção. 

Devo dizer que até da convicção eu duvido, quanto ao ajuntamento a coisa parece um amontoado de rezinguices, más vontades, falta de humor e menos ainda de espírito democrático, enfim um amontoado dos restos díspares e órfãos de um mundo português  que desapareceu depois de ter existido à sombra das agruras do sec. XX. Em 1910 já estávamos atrasados, em 26, o mesmo, e o Estado Novo era uma manta de retalhos que metiam desde o integralismo lusitano mal digerido até às caricaturas  pundonorosas  e bacocamente beatas do fascismo italiano. 

Em resumo, não vale a pena gastar cera com tão ruim defunto. Mesmo que o "partido" alcance uma votação expressiva isso só se deve ao analfabetismo político, social e ético que grassa por aí. 

Mudando de tema e, apesar de tudo, passando a gente mais civilizada, eis que o dr Rui Tavares, líder do "LIVRE", historiador de formação  (o que o torna mais responsável em relação a certos temas) entendeu  trazer à  pouco animada campanha o tema da "restituição de obras de arte" aos antigos colonizados portugueses.

Trata-se de algo que, de há muito me interessa  (ou melhor o que me interessa é a Àfrica, a História da Colonização e na generalidade tudo o que toca naquilo que, para abreviar, chamo de culturas africanas-

Passei três anos em Moçambique durante o segundo ciclo liceal, voltei lá em férias por três vezes, participei em vários movimentos anticoloniais no tempo em que isso tinha um forte significado de risco.

Com o passar dos anos constituí uma significativa biblioteca sobre tudo o que diz respeito à África negra e às culturas africanas.

Não vou, agora, referir algum (mas valioso) contributo português para o conhecimento das nossas ex-colónias , a começar pela publicação de dicionários das línguas vernáculas e pela descrição geográfica daquelas terras. A história de Angola Moçambique e Guiné é feita (mesmo que nalguns casos precariamente) pela gigantesca massa de estudos e publicações portuguesas em livros, revistas (e são numerosas) e demais fontes escritas. 

Ora, no que toca ao esbulho, roubo, desvio, de obras de arte, coisas que ocorreram sobretudo no caso de conquista de proto-estados africanos importantes , houve efectivamente um miserável confisco de peças que povoam vários museus europeus. Em poucos casos, houve mesmo governos e museus que lá devolveram algumas peças mesmo se seja agora muito difícil encontrar um nexo entre os reinos e "impérios" desaparecidos e os actuais Estados  cujas fronteiras não equivalem de modo algum a essas organizações políticas. 

No caso português, para além da relativa pobreza dos nossos museus (e aí incluo o da Sociedade de Geografia de Lisboa) as tropas coloniais que procederam à tardia ocupação dos espaços angolanos e moçambicanos, raras vezes se defrontaram com a possibilidade de saquear quaisquer tesouros  artísticos africanos. 

As duas etnias mais conhecidas do antigo império colonial são respectivamente a Tchokué (Kiokos) em Angola e a Makonde do norte de Moçambique. No reduzidíssimo mercado de arte africana existente em Portugal aparecem raras peças  destas origens e boa parte delas são de factura recente. 

No caso do povo Tchokué  o seu conhecimento inicia-se com a famosa expedição de Henrique de Carvalho (de que resultou uma obra prima em oito espessos e excelentes volumes: "Expedição Portuguesa ao Muatiânvua" (Imprensa Nacional, Lisboa 1884-1894) que não só narra a longa viajem mas sobretudo fornece um dicionário, um ensaio sobre as etnias da Lunda, bem como mais dois volumes carregados de informação geográfica, geológica , agrícola e tudo o mais que HC conseguiu estudar. Mais tarde, foi a Diamang que, entendeu fundar um museu (museu do Dundo) e fomentar extensos estudos  sobre as populações, a arte, a história da região. 

Sobre os Makondes (zona de Cabo Delgado, norte de Moçambique Excluindo a monumental obra de Jorge Dias, "Os Macondes de Moçambique, 4 tomos,(Junta de Investigações do Ultramar, Lisboa, 1964-1970)  são muito poucos os estudos conhecidos. Da sua estatuária também não gá demasiados exemplos e a partir doa anos 50 os artesãos macondes dedicaram à lucrativa (') fabricação de "aldeias índígenas", nossas Senhoras, peças de xadrez encomendadas pela ignorante população branca. os "mnipansos" (era o nome dado a outras peças escultóricas e as máscaras "mapiko" eram desdenhadas excepto por um pequeníssimo grupo de curiosos mais cultos que compravam p que de mais original aparecia e que era muito pouco justamente porque o mercado das encomendas parecia mais lucrativo.

 

Não há notícia de peças de grane valor "apropriadas" por colonos ou militares. Não há bronzes, marfins, esculturas cerimoniais de aparato. 

 

A cobiça colonial nunca se desviou para a arte pela razão simples que era rara e não entendida. 

Também não consta que haja por cá em colecções públicas ou privadas  pelas de especial valor e traficadas desde os grandes centros  comercio europeus. 

 

esta proposta do "LIVRE" parece-me portanto uma espadeirada na água, uma imitação do que se passa nos grandes centros de arte negra (Berlin, Bruxelas, Londres ou Paris). 

De resto, e que se saiba, só Tavares pegou neste tema "importado" e que, por cá, pouca ou nenhuma mossa faz.

 

Voltando à campanha e respondendo a uma pergunta sobre o "voto útil" sempre direi que se trata de uma tentativa lógica dos dois grandes partidos mesmo que, de certo modo, tal voto seja também um voto trapalhão pois acaba por resumir a campanha iniciada sobre a personalização dos candidatos cabeça de lista noutra em que até pareceria possível encontrar um regresso à ideologia pura e dura. Tal ziguezaguear acaba por produzir alguma confusão e fazer ressaltar muita pobreza ideológica bem patente na listagem das opções atiradas ao eleitorado. Mas isso é mal antigo e disfarça alguma impreparação política como daqui a pouco se verá logo que algum Governo se afirme.