estes dias que passam 923
A história à moda deles 1
mcr, 15, 7, 24
Um jovem doutorando em Cambridge, de seu nomeJoão Moreira da silva, entendeu opinar sobre algo que lhe escapa, pelo menos ao bom senso.
Sob o título “Restituir os arquivos coloniais” vem, em substância vociferar contra o roubo, a espoliação deste mesmos arquivos que jazem sossegados no Arquivo Histórico Ultramarino (em Lisboa)
Entende a jovem criatura que os documentos relativos à História colonial portuguesa deveriam estar nos territórios a que dizem respeito par que as populações desses mesmos países possam vir a conhecer a sua História pregressa anterior a 1974/5.
Pelos vistos a história colonial portuguesa não tem nada a ver com Portugal, o colonizador malfazejo, mas tão só com as inocentes comunidades hoje livres da opressão e toda a sorte de malefícios europeus. Assim, na posse da documentação “sonegada” poderiam os ex-colonizados aprender a sua História e dá-la a conhecer expurgada dos horrendos vícios coloniais que seguramente a hão de mostrar enviesada, falsificada e “racicalizada!”
E dá o exemplo d S Tomé, colónia em que há cerca de dois séculos foram retirados os arquivos e enviados para Lisboa deixando assim a população são-tomense sem possibilidade de conhecer o seu passado dado o custo de um deslocação à ex-metrópole colonial.
E refere que o mesmo problema se pões hoje aos eventuais estudiosos do arquipélago que não terão recursos para vir estudar a história do seu libertado país a Lisboa.
Portanto a solução seria o envio de toda a documentação arquivada para os territórios de onde foi retirada ha um par de séculos.
Eu perceberia que o doutorando em Cambridge advogasse a digitalização de toda a documentação relativa aos países que fizeram parte do "Império do Minho a Timor" para ser disponibilizada localmente nos países em causa (se estes a solicitassem).
Ao que sei a fundação Mário Soares tem digitalizado muitos documentos também de implicação colonial, a começar pelos arquivos dos irmãos Pinto de Andrade.
Todavia isso, não é uma restituição de documentos que creio continuam na mão dos seus antigos possuidores ou dos seus familiares.
De resto, não se vê motivo para qualquer restituição pelo facto simples de serem documentos administrativos portugueses que, estão, de resto à disposição de qualquer estudioso que solicite a sua consulta.
Questão diferente seria a do estabelecimento de protocolos, acordos ou algo semelhante para se digitalizarem documentos que as ex-colónias considerassem necessários para os seus arquivos históricos.
O artigo vem na onda da novíssima moda da restituição dos bens usurpados pelas potências coloniais durante o período da colonização.
É verdade que os grandes museus franceses, ingleses, alemães, belgas, holandeses e americanos tem peças notoriamente (ou provavelmente) roubadas durante as campanhas coloniais ou mesmo antes.
O mesmo sucedeu com outras paragens não coloniais: o oiro de Troia foi cuidadosamente contrabandeado para Berlin sem que o governo turco desse pelo furto; a actriz Melina Mercuri que foi ministra grega também iniciou uma campanha para a devolução de esculturas da Acrópole que permanecem em Londres; em Berlin há um museu criado para acolher o altar de Pérgamo e as portas de Micenas. E por aí fora...
De Portugal, as tropas de Junot levaram o "cabinet de Lisbonne" uma importante colecção etnográfica recolhida no sec XVIII pelo dr António Rodrigues Ferreira, um sábio desconhecido dos portugueses.
Os territórios colonizados por Portugal nao deram azo a que houvesse especiais saques de bens artísticos africanos. Provavelmente, a tropa e os agentes administrativos portugueses (com algumas excepções) eram demasiado ignorantes para perceber o valor dos "manipanços" encontrados nas campanhas tardias de pacificação (3º quartel do sec XIX até meados do 2º quartel do sec XX)
Aliás, o melhor das colecções coloniais ficou no Museu do Dundo (quase monográfico e dedicado à etnia tchokwé) e no de Nampula (com algumas notáveis peças maconde). Por cá, as colecções que conheço, tem origem legal em compras em galerias respeitáveis e, de resto, não tem, de perto ou de longe, a riqueza de algumas estrangeiras bem conhecidas (onde, de resto, há africanas particulares!!)
Tendo em linha de conta o que aconteceu em timbuctu com a acção de guerrilhas radicais religiosas temo bem pela sorte de muitos bens africanos mesmo dentro de museus nacionais.
Por outro lado, a campanha restituidora parece ser obra de uma minoria bem distante das preocupações e da vida da imensa maioria de cidadãos africanas.
Desconheço se o jovem doutorando é português ou são-tomense (ou até ambas as coisas) como ocorre com uma franca maioria de anti colonialistas e anti racistas que, curiosamente, vivem sempre fora de África.
Nem sequer receio que esta posição tenha quaisquer consequências imediatas mesmo se certas criaturas de cá se ponham logo em bicos de pés para provar o seu progressismo woke.
No entanto, não vale a pena pensar que estas erupções de tolice anti colonial e anti racial são só a espumados dias.
À falta de propostas mobilizadoras para a sociedade recorre-se a tudo para num mundo que vive enredado em redes sociais onde tudo acontece, servem estas como sinal de heroísmo contestatário Que um "doutorando" de Cambridge tome este comboio não diz nada de bom.
Nem, infelizmente, de original...