estes dias que passam 951
Na 2ª metade do sec. XX, um Homem: Mário Soares
mcr, 8-12-24
Se a 1ª metade do sec. XX português foi marcada, e de que maneira!, por um cavalheiro rural da cabeça aos pés, conservador, misógino, estudioso, avesso a banhos de multidão , herdeiro de uma desconfiança genuína e ancestral à Democracia e à vida partidária, eis que na viragem dos anos 50 surge o seu contrário, igualmente incansável, bonacheirão,, alegre, laico , apaixonado pela liberdade e disposto a combater por ela fosse em que circunstância fosse. Igualmente devorado pela paixão política, enfrentando a asversidade com uma crença absoluta no Homem e no futuro, Mário soares foi. digam o que quiserem dizer, o anti-Salazar por excelência, o eterno e corajoso adversário criador da única e verdadeira alternativa política, social e cultural ao Estafo Novo .
Hoje, cem anos após o seu nascimento, podemos celebrar uma primeira vitória: o regime democrático já ultrapassou em duração os temíveis 48 anos do anterior regime liberticida.
Para mim, também a liberdade já faz parte da minha vida mesmo se durante, trinta e três anos tenha vivido sob um regime contra o qual comecei a lutar em 1958.
Curiosamente, só comecei a apreciar devidamente Mário Soares nas vésperas da sua esforçada campanha presidencial.
Antes, sobretudo nos finais dos anos sessenta, mais exactamente depois da crise académica de Coimbra, fiz parte de uma geração que, exaltada pelo Mai 68, pela luta vitoriosa de 69, desconfiava de Soares, da ASP, da CEUD (que se opunha à CDE que federava a Esquerda democrática e o PC).
Justamente, por essa época, Soares recem regressado do desterro em S Tomé, resolveu ir a Coimbre, conversar co alguns dos estudantes que tinham sido dirigentes da crise.
Tal encontro (a que não terão sido convidados os estudantes tidos por próximos do PC) foi organizado por Luís Filipe Madeira nas instalações da República dosKagados que, se bem recordo, era a mais antiga de Coimbra.
Devo dizer, com a enfraquecida memória de mais de 50 anos, que entre nós (uma boa dúzia de convidados, não reinava exactmente especial entusiasmo por Soares. em boa verdade, reconhecíamos-lhe a coragem, a persistência a pulsão democrática mas os fumos de Maio daziam-no parecer "apenas" um herdeiro moderno do "Reviralho" eventual chefe de uma (ainda) futura organização social democrática que considerávamos pouco ou nada revolucionária.
Logo que nos juntámos na citada república travei conversa com um dos companheiro
de Soares, Joaquim Catanho de Meneses, um advogado de que vagamente ouvira falar por se dedicar a defender presos políticos. Este ponto foi o bastante para conversarmos durante uma boa vintena de minutos sendo que fui eu uem fez as despesas da conversa expondo-lhe o que na época pensava da nossa aventura da crise.
Isso terá bastado para, depois de apresentado a Soares este me tenha dito que "gostaria muito" que eu ficasse a seu lado. Na altura a coisa não me envaideceu bem pelo contrário. Os fumos ou os fogos do Maio francês, algum fascínio pela China e a recente crise coimbrã faziam-me olhar para o futuro líder socialista como um "social-democrata", alguém que perpetuava os velhos valores da "oposicrática" reviralhista que sempre me irritou. Quando a coisa cheirava (ou cheira...) a 1ª República, tapo o nariz e desando. A nossa conversa terá sido banal tanto mais que de de vários lados surdiam perguntaas (e talvez uma que outra pequena provocação) que Soares ia aparando cortês mas veemente.
Os anos passaram depressa, veio o 25 de Abril, as grndes batalhas pela democracia, a primeira e mais importante para mim terá sido a da "unicidade sindical" onde brilhou Salgado Zenha
eu entrara no MES deonde sairia um ano depois logo depois do grupo sampaista (com quem me identificava mais) ter batido a porta. Nessa época, mesmo um pouco antes fizera alguns longos estágios nas Europas e, vista de longe, a proto-revolução portuguesa (e sobretudo o patético Vsco Gonçalves) pareciam fruto de uma grndiosa ignorância política combinada com a mais triste ingenuidade revolucionária e também com um descarado desconhecimento do país. Um PREC delirante, um cerco à Assembleia da República, e um golpe militar levado a efeito por uma dúzia de oficiais seduzidos por uma caricatura do Che Guevara (esse elo menos combatia, morreu de armas na mão...) com uma turbamulta de paraquedistas ignorantes e atontados, deu no que deu. E a figura de Soares, claramente, desde a Fonte Luminosa, um vencedor e um democrata não me levaram para o PS mas dissiparam-me algumas ideias que tinha sobe o homem e o seu partido. Votei continuamente neles sem estados de alma nem hesitação.
quando passada que foi a presidência de Eanes se começou a falar nas diferentes candidaturas de esquerda especialmente em Zenha - que ainda hoje admiro. Lurdes Pintasilgo e Soares aderi com entusiasmo, convicção e alegria a esta última. E logo durante a pré campanha tive oportunidade de reencontrar aquele político bonacheirão mas determinado que, além do mais demonstrava um enorme coragem fisica moral e política. E foi assim que a primeira vinda de Soares ao Porto para uma sessão de esclarecimento na sede da Ordem dos Médicos , teve três (!!!) pessoas à espera dele em Campanhã(Rui Feijó, Dolly Cochofel sua mulher e eu a servi de motorista).
Acreditem ou não mas quando o rui se preparava para me apresentar a Soares, estes retorquou que "éramos velhos conhecidos" desde uma ida dele a Coimbra. Fiquei estarrecido, envaidecido e grato por ele ter omitido o meu fraco desempenho a seu lado.
Nunca mais o perdi de vista até porque estava no MASP de alma e coração. Um velho amigo meu afirmava que durante a mais que crítica e dificil campanha eleitoral só eu e o Major Valentim Loureiro (raio de azar) o tratávamos por senhor presidente com uma convicção que só (no meu caso) a teimosia permitiasustentar. Durante a campanha fomo-nos encontrando e nessa altura já conversávamos como velhos conhecidos (não me atrevo a usar a palavra amigo porque para isso é preciso bem mais do que alguns encontros esporádicos. Mais tarde tive a honra de o receber enquanto Delegado Regional de CUltura fo Norte em duas ou três ocasiões em que ele veio a eventos organizados pela minha equipa. E foi sempre o mesmo tom amigável e franco, o mesmo cuidado em relembrar encontros anteriores, um par de gostos comuns (pinuira, os grandes romances franceses...). A última vez que o vi foi na sua biblioteca perto da cidade universitária, o famoso sótão carregado de livros que me deixou alucinado. aquilo para um leitor empedernido com uma biblioteca que já ultrapassou os 25.ooo espécimes, era a autêntica caverna de Ali Babá. E só lá fui porque, outra vez, o casal Dolly Rui fora convidado telefonicamente estando eu com eles. O Rui ter-lhe-á dito que eu estava em Lisboa e com a gentileza que nunca esquecerei Soares estendeu o convite.
Convem, em nome da verdade, dizer que apesar de o admirar profundamente, não apoiei a sua terceia candidatura à Presidência da República. Primeiro sempre entendi que dois mandatos chegam (como de resto chegaram) e depois o adversário era o Manuel Alegre meu amigo desde Coimbra. Não hesitei e repeti a dose mesmo sabendo que era praticamente impossível levá-lo a Belem. Amicus certus in re incerta certitur
Mais tarde estive com o Jorge Sampaio em duas eleições essas sim triunfantes. Digamos que em ermos de presidentes da República estou fifty-fifty pois acrescento-lhe a segunda eleição de Eanes.
Ter participado livremente durante estes últimos cinquenta anos em dezenas de eleições, ter sempre comparecido nos locais de voto, sem uma única falha, eis algo que indubitaelmente devo a Mário soares. como é que isso poderia suceder vivendo a 300 quilómetros de distância.
Não fomos amigos, mas apenas, e com grande honra e prazer meus, conhecidos, Cordiais mas meramente conhecidos e isso já me chega.