estes dias que passam 955
Moçambique à deriva
mcr, 27-12-24
"a gente gosta de viver!
(mulher moçambicana na ressaca de mais um desastre)
Vivi em Moçambique do 3º ao 5º ano de liceu. Depois só lá voltei em férias (para os estudantes do "ultramar - já não havia colónias!- em férias havia um despacho a adiar os exames de Outubro para Janeiro)
Foram três anos suplementares de férias longas e, sobretudo, de percepção do que era o colonialismo e dos meios usados para tentar manter uma soberania com tardias medidas : mais escola, mais protecção (?) social, menos abusos . Vi Nampula ter um presidente de Câmara negro (Pedro Baessa, se bem recordo) e vi pela primeira e incrédula vez dezenas e logo depois de estudantes já no secundário.
Todavia já tudo era em vão, não pela força da guerrilha mas, sobretudo, pela lassidão dos militares e de uma parte dos "colonos".
Os "ventos da História," desencadedos pelas sucessivas descolonizações de territórios africanos (do Ghana ao Congo, da Nigéria ao Quénia e Tanzânia...) ditavam um futuro atribulado para o Portugal do Minho aTimor.
Em 1965 deixei de ir de férias. Sete anos depois, desencorajados, os meus pais regressaram. Amigos militares preveniram que "aquilo já duraria pouco, meia dúzia de anos talvez" O 25 de Abril apressou as coisas.
E Moçambique tornou-se independente ao mesmo tempo que um governo inepto, autocrático e tonto conseguia perder todos os técnicos portugueses que la tinha (os leitores interessado poderão ler as memórias de Eugénio Lisboa ("Acta est fabula") ou, em mais triste, Luís Carlos Patrqaquim ("A cainção de Zefanias Sforza). Uma guerra civil e um governo totalmente incompetente mas radical fizeram o resto. Da já longa lista de presidentes da república salva-se Joaquim Chissano, uma excepção, quase a ´única em toda a África sub-sahariana.
Em boa verdade, também a mãe natureza foi madrasta um par de vezes, mas o grande desastre pode atribuir-se à péssima governação, à guerra civil e ao generalizado uso e abuso do poder por parte da FRELIMO, que nem sequer sabe defender condignamente o país, basta pensar em Cabo Delgado que só ainda está sob o vago controlo moçambicano graças a exércitos estrangeiros.
Desta feita, e à vista de todos, houve mais uma "chapelada" eleitoral qe anteontem foi confirmada por um "Conselho Constitucional" em que ninguém acredita. Nas ruas das cidades os adeptos do candidato Mondlane manifestam-se há vários dias e já contabilizam mais de 250 mortos.
Cereja amarga no bolo: ontem 1500 presos numa cadeia de alta segurança evadiram-se. A dita cadeia teria mais de 3000 prisioneiros em condições de tal modo infames que a revolta era de prever. Em Maputo, já faltam abastecimentos porque as lojas ou foram assaltadas ou fechara m para não ser saqueadas.
No Norte, mais um ciclone deixou um rasto de vítimas e milhares de casas destruídas. A fome, a miséria e as doenças ameaçam e o futuro, nestes próximos meses, ou anos, é incerto, melhor dizendo, catastrófico. O povo habituado a desgraças tenta sobreviver porque, a exemplo de uma mulher acima citada, diz"a gente gosta de viver!. "
Aquilo ainda não é a Somália, a Eritreia ou o Sudão mas vai a caminho. E com crescente velocidade...
*na vinheta parte dos meus livros sobre Moçambique