Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Incursões

Instância de Retemperação.

Incursões

Instância de Retemperação.

Grécia e Portugal

José Carlos Pereira, 04.02.15

Se há coisa que as recentes eleições na Grécia demonstraram foi que os gregos estavam fartos dos partidos e dos políticos que os governaram nas últimas décadas e em particular nos últimos anos. A vitória do Syriza foi a explosão de um país farto de uma austeridade sem freio e que só trouxe consequências negativas ao povo grego.

Pese embora os erros, que têm de ser assumidos, das políticas e das práticas que ao longo dos anos conduziram a um endividamento brutal da Grécia – mais de 175% do PIB! – a receita decretada pela Europa e pelas instâncias internacionais só agravou a situação. Com efeito, nenhum país pode aguentar por muito tempo uma situação social em que o desemprego atinge mais de 25% da população, os salários de quem manteve o seu posto de trabalho foram reduzidos entre 30% e 40% nos últimos três anos e os impostos aumentaram entre sete e nove vezes. O resultado final foi que cerca de um quarto da população caiu no limiar da pobreza. Por muitos abusos e desvios que tenham sido cometidos anteriormente, nenhum país pode sobreviver incólume a estes indicadores.

A rápida constituição do novo executivo grego – uma lição para muitos países, incluindo Portugal – mostrou que a coligação entretanto formada entre o Syriza e os Gregos Independentes tinha a uni-la sobretudo a vontade de reverter a relação com a Europa e com as instâncias internacionais que aplicaram fortíssimas medidas de austeridade à Grécia. Os últimos dias têm mostrado a vontade dos governantes gregos de negociarem novas condições para a sua dívida e a Europa não pode dizer não a essa possibilidade.

O ministro das Finanças Varoufakis já deixou claro que não pretende solicitar aos parceiros europeus um perdão da dívida, mas sim “um menu de trocas de dívida”, prevendo a constituição de obrigações ligadas ao crescimento do PIB, em troca da dívida detida pelos países da zona euro, e obrigações perpétuas para substituir as que são actualmente detidas pelo Banco Central Europeu. Varoufakis não podia ser mais certeiro na entrevista que ontem deu ao “Financial Times”: “Ajudem-nos a reformar o nosso país e dêem-nos alguma folga orçamental para fazermos isso, senão continuaremos a sufocar e tornar-nos-emos uma Grécia deformada em vez de uma Grécia reformada”.

A ronda negocial prevista para os próximos dias será determinante para perceber como vai a União Europeia reagir às propostas apresentadas e que flexibilidade vai demonstrar perante o executivo grego. O que se torna patético é vermos o Governo português e os partidos da maioria persistirem na tese do “bom aluno, modesto, subserviente, agradecido e de chapéu na mão”, reagindo com total sobranceria às iniciativas do seu congénere grego, que tem a legitimidade acrescida de quem saiu agora de eleições.

De resto, Portugal, assim como a Irlanda, a Itália ou a Espanha, só tem a ganhar com um processo negocial bem-sucedido entre a Grécia e a Europa. Sobre isso não devia haver quaisquer dúvidas. Recorde-se, aliás, que a Grécia, apesar de ser o país com a maior dívida pública tem um custo para o serviço da dívida, proporcionalmente ao PIB, inferior ao suportado por Portugal ou pela Itália. Segundo o Think Tank Bruegel, os encargos com a dívida grega atingiriam os 4,3% do PIB para uma dívida de 175% do PIB, bastante abaixo dos 5% a pagar por Portugal para gerir cerca de 128% de dívida pública e dos 4,7% suportados por Itália para uma dívida também equivalente a 128% do PIB.

Como se tem visto, as medidas tardias que têm sido tomadas no âmbito da zona euro, como a recente decisão do BCE de injectar dinheiro através da compra de dívida pública, durante muito tempo prontamente recusada por Pedro Passos Coelho, resultam sempre em benefício das economias mais expostas e dos países sob programa de ajustamento. Aproveitar a boleia grega para melhorar as condições de pagamento da nossa dívida e aliviar por essa via a austeridade que vitima os cidadãos e as empresas nacionais seria um passo inteligente do Governo PSD/CDS. Mas não devemos contar com tal empenho.

A menos de um ano das eleições legislativas, resta-nos esperar que o PS de António Costa saiba interpretar bem os ventos de mudança que sopram de Atenas até Bruxelas e consiga bater-se, em conjunto com outros aliados, por uma Europa mais solidária, integradora e respeitadora das especificidades nacionais.